Correio da Cidadania

Obama: mudando para deixar como está

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Quando anunciou os nomes das pessoas que irão cuidar da política externa e da segurança nacional no seu governo, Barack Obama disse: "Eles concordam com o meu pragmatismo sobre o uso do poder.".

 

Bem, há uma linha tênue entre o pragmatismo e o oportunismo, que o novo presidente ultrapassou com suas escolhas.

 

Ele não nomeou para essas áreas vitais nem um único liberal ou membro da ala anti-guerra do Partido Democrata. Deu preferência a figuras que, de um modo geral, têm agido e se pronunciado a favor da política belicista do governo Bush.

 

Com isso, a Mudança, o grande tema da campanha que levou Obama à vitória, foi para o espaço, substituída por uma outra idéia que ele, embora com menos ênfase e apelo consideravelmente menor, também agitou: a união de todos os americanos. Algo que parece mais uma estratégia para conseguir o maior número possível de apoios e um mínimo de críticas e assim desfrutar de um período presidencial tranqüilo, mesmo que ao preço de pesadas concessões.

 

De fato, não se pode esperar que a direita cristã, o complexo industrial-militar, as multinacionais petrolíferas, os movimentos judaicos sectários, os "rednecks" do Sul e as donas de casa das aldeias do Middle West, fascinadas pelas idéias (ou falta de idéias) de Sarah Palin, possam aceitar um governo que encarne os ideais dos intelectuais progressistas, dos estudantes, dos movimentos negros e das ONGS defensoras da paz e dos direitos humanos.

 

Ao nomear seu "staff’, Obama está deixando claro que pretende resolver esse dilema através de concessões. Mudar "ma non troppo".

 

Na área da política externa, as mudanças deverão ser extremamente cosméticas, mais verbais do que reais.

Indo ao concreto, é duvidoso que um governo com Hillary Clinton, Robert Gates e James Jones comandando a política americana no cenário mundial se afaste muito do caminho trilhado por George Bush.

 

Enquanto Obama propõe como solução dos contenciosos com os países "hostis" contatos diretos dele com os presidentes em vez das ameaças do governo anterior, Hillary, sua nova secretária de Estado, é radicalmente contra. Em debates, durante a campanha, ela considerou a idéia "ingênua", pois não resultaria em nada e os "inimigos" a usariam para fins de propaganda.

 

Assim, para o caso do Irã, Hillary optaria por medidas ainda mais duras do que as tomadas por Bush (tachadas por ela de "fracas"), deixando de lado a diplomacia proposta por Obama.

 

Contaria com o apoio de Robert Gates, o novo Secretário da Defesa, que não admite armas nucleares no Irã. Acha lícito em Israel, já que o país jamais teria atacado seus vizinhos. Esquece o recente bombardeio por aviões israelenses de uma instalação militar na Síria, suspeita de abrigar equipamentos nucleares, e as três invasões do Líbano, que deixaram milhares de vítimas civis, e o bombardeio de uma usina nuclear no Iraque. Sem falar nos constantes ataques de mísseis contra supostos terroristas e seus incautos vizinhos.

 

É certo que tanto Obama quanto Hillary competiram em declarações de amor irrestrito a Israel. Mas o novo presidente também acenou com uma mudança na atuação americana, lembrando que os palestinos têm direito a um Estado independente e viável, ou seja, não dividido em bantustões como deseja o governo israelense. O que traria a esperança de que, por fim, os Estados Unidos atuariam como mediadores imparciais entre os contendores. Com Hillary, será difícil. Ela apoiou o muro de Sharon, a invasão do Líbano, defendeu o corte de toda a ajuda aos palestinos caso declarassem sua independência (no que, aliás, estariam atendendo à decisão da ONU). E nem uma palavra para o sofrimento do povo árabe em Gaza.

 

Novamente Gates, outro aliado total de Israel, estará ao lado de Hillary Clinton para obstaculizar eventuais mudanças na política externa de Obama.

 

Aqui, pela primeira vez, o "triunvirato" poderá se dividir, pois o general Jones, novo Conselheiro de Segurança Nacional, tem tido posições objetivas na questão da Palestina. Recentemente, esteve na região como enviado do governo Bush para analisar a situação. Produziu então um relatório com fortes críticas à atuação do exército israelense, conforme revelou o jornal "Haaretz", causando irritação nos chefes judaicos. Jones propôs também que a OTAN posicionasse forças na fronteira entre Israel e a Cisjordânia durante as discussões do processo de paz para garantir a segurança, o que foi repelido energicamente pelos generais judaicos. Bush, coerentemente, proibiu a publicação desse relatório.

 

Mas é justamente a principal mudança prometida por Obama, a retirada do Iraque em 16 meses, que parece mais ameaçada. Todos os três novos nomeados são contra. Mesmo Hillary, que quer o exército americano fora do Iraque, já declarou: "Eu rejeito a idéia de um cronograma rígido que os terroristas possam explorar.".

 

Por sua vez, o general Jones também contestou o prazo de 16 meses de Obama. E Robert Gates, depois de ter condenado veementemente este prazo durante seus dois anos como secretário de Defesa do governo Bush, como justificou aceitar permanecer num governo que prometia realizá-lo? Ele respondeu que Obama lhe garantira fazer uma retirada responsável até o fim de 2011 e que sua decisão dependeria dos conselhos dos comandantes militares.

 

O próprio presidente, ao apresentar sua equipe de segurança, foi mais claro: "Eu disse que retiraria nossas tropas de combate do Iraque em 16 meses, entendendo que isso seria necessário. Igualmente necessário será manter uma força residual para providenciar treinamento, apoio logístico e proteger nossos civis no Iraque". Esta força, segundo assessores, conforme revela o jornalista Justin Raymond, no site "Anti War", poderia chegar a 70 mil homens e permanecer até fins de 2011, nos termos do tratado com o Iraque, ou até mais.

 

Algumas personalidades otimistas acham que, sendo profissionais, os três novos secretários se curvarão às decisões de Obama. E que a política externa americana vai mudar, sim.

 

Muita gente do outro lado não concorda. Como Richard Perle, destacado neocon: "Ao contrário das expectativas, não penso que veremos muitas mudanças". E Karl Rove, assessor político e eminência parda de George Bush: "A nova equipe de Barack Obama representa, num grau substancial, continuidade".

 

De qualquer maneira, é muito curioso um presidente convidar para altas posições no seu governo justamente quem não concorda com ele.

 

Luiz Eça é jornalista.

 

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