Correio da Cidadania

50 anos de João 23

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O ano de 2008 traz muitas evocações históricas. Neste início de novembro recordamos mais uma. No dia 4 se completam 50 anos da posse do papa João 23.

 

Já tinha sido uma surpresa a sua eleição, concluída no dia 28 de outubro de 1958, depois de vários dias de fumaça preta, indicando a dificuldade do conclave em escolher o substituto de Pio XII. Eleito o Cardeal Ângelo Roncalli, o novo papa propôs sua posse para o dia 4 de novembro, uma terça-feira.

 

Na época ninguém deu importância a este capricho de João 23, de tomar posse num dia de semana, numa terça-feira, na festa de S. Carlos Borromeu. Depois, com a convocação do Concílio, começou-se a desvendar o enigma, que ajuda a compreender porque seu pontificado foi tão fecundo e tão eficaz. O novo papa, que parecia um simples bonachão, entendia muito bem de história e tinha um apurado senso das estratégias a seguir para plantar fatos que a fazem andar.

 

Acontece que João 23 tinha sido professor de história da Igreja, tendo estudado particularmente a vida e a obra de S. Carlos Borromeu, bispo que se dedicara a implementar o Concílio de Trento, no século 16. João 23 entendia de concílios. E ele intuiu que estava na hora de promover mais um. Mas, para fazê-lo, era preciso agir com estratégia. Foi o que ele fez, desde o momento de sua posse.

 

Passados 50 anos, emerge agora com mais evidência a lucidez de João 23 e a sua agilidade em viabilizar seus planos. É comum atribuir a uma inspiração de Deus o anúncio do concílio, feito pelo novo papa no dia 25 de janeiro de 1959, três meses depois de eleito. É verdade. Mas a inspiração de Deus, como sempre, passa por mediações humanas. Desta vez a mediação foi um papa simples, bondoso, tradicional, mas muito esperto. Soube se antecipar às resistências, criando um fato consumado, e desencadeando um processo que ninguém mais ousaria deter. Foi assim que nasceu o Concílio Vaticano II (com o objetivo de promover um "retorno às fontes" na doutrina da igreja, opondo-se aos erros através da misericórdia, e não da severidade).

 

De fato, ainda na fase de fixação de sua imagem de papa, João 23 foi convidado a concluir, na Basílica de São Paulo, a semana de orações pela unidade dos cristãos. Ele intuiu que era a oportunidade de traçar as linhas mestras do seu pontificado. Mas não quis se dirigir só ao seleto grupo de cardeais que com ele estariam na basílica. Antes de falar aos cardeais, colocou ao alcance dos jornalistas a informação sobre os planos que anunciaria. De tal modo que, concluída a celebração, enquanto os cardeais ainda se refaziam da surpresa, a notícia de um novo concílio já estava percorrendo o mundo. E ninguém mais iria detê-la.

 

Sabe-se agora que Pio XII também tinha pensado em convocar um concílio. E tinha nomeado, secretamente, uma comissão para analisar sua oportunidade. Passaram-se os anos, morreu o Papa e o concílio nem foi mencionado.

 

Mas João 23 fez diferente. Aproveitou um momento simbólico e abriu o jogo. Suscitou a dinâmica que desde o tempo dos apóstolos vem conduzindo os passos da Igreja. O Espírito vai à frente de nossas decisões e mostra na realidade os rumos que a Igreja precisa seguir. Assim aconteceu com João 23. Na adesão entusiasta à sua proposta de um novo concílio, todos puderam perceber que se tratava de uma iniciativa que contava com a graça de Deus.

 

A memória dos 50 anos do pontificado de João 23, e a lembrança do seu desembaraço em integrar iniciativas humanas com inspirações divinas, nos coloca o sério desafio de perceber os sinais dos tempos, para neles inserir nossa ação humana, com estratégias adequadas para sua eficácia. Sobretudo para aplicar agora as decisões deste Concílio que João 23 soube tão bem desencadear. Para que não aconteça de serem abortados os planos de Deus por nossa imperícia humana, deixando que as resistências sufoquem a renovação eclesial proposta pelo Vaticano II.

 

D. Demétrio Valentini é bispo de Jales.

 

Website: http://www.diocesedejales.org.br/

 

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