Correio da Cidadania

Esclarecimentos sobre 'terras do sol'

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Está se desenhando uma fatalidade para a região compreendida pela Diocese de Jales. Em poucos anos, a cana vai tomar conta das lavouras. Basta observar o ritmo febril dos tratores, em diversos lugares, a todo vapor, preparando a terra para o plantio de cana. O cronograma está conectado com a implantação imediata de dezenas de usinas já programadas, e outras previstas a médio prazo.

 

Dinheiro abundante, fornecido pelo BNDES, tecnologia comprovada, consumo garantido, comercialização assegurada, terras facilitadas pela crise da pecuária ou pela desistência de outros cultivos, estímulo pela busca de energia renovável diante do impasse dos combustíveis fósseis, respaldo entusiasta do governo aos novos heróis da economia nacional.

 

Parece que o apregoado “espetáculo do desenvolvimento” se traduz na “miragem de um canavial sem fim”. As últimas árvores que ainda compõem o panorama das lavouras são agora impiedosamente derrubadas e soterradas à noite para que ninguém se dê conta do seu desaparecimento, com a complacência do Ibama, que cala diante dos grandes e só ameaça os pequenos.

 

Diante disto, algumas advertências se fazem necessárias, e convém fazê-las com urgência.

 

Em primeiro lugar, uma constatação histórica. Nenhum país no mundo enriqueceu com a monocultura. No caso concreto da cana, além disto, é preciso ressaltar o rastro de pobreza que ela foi deixando, desde o Caribe, passando pelo Nordeste Brasileiro, chegando nas pauperizadas periferias da região de Ribeirão Preto em São Paulo. Agora ela vem vindo com ímpeto avassalador para a nossa região.

 

A angústia pelo iminente esgotamento das reservas de petróleo, e sobretudo a ameaça do aquecimento do planeta em decorrência do uso exagerado de combustíveis fósseis, leva à opção precipitada de comprometer a agricultura, priorizando a produção de energia renovável, com o risco do desvirtuamento de sua finalidade primária, que é a produção de alimentos para o consumo humano. O desfecho desta aventura pode se traduzir na previsão que alguns já antecipam: “tanques cheios, e barrigas vazias”.

 

Para reagir diante da ameaça da monocultura da cana, mas também da “monofinalidade” da produção de bioenergia, foi pensado o projeto “Terras do Sol”, com o apoio da Diocese, que o recomendou inclusive no contexto da Campanha da Fraternidade deste ano.

 

Infelizmente, a Diocese constata que o projeto não está sendo bem entendido.

 

Ele tem uma clara insistência na importância de uma agricultura diversificada, que viabilize em primeiro lugar a sobrevivência dos próprios agricultores. Para isto, é indispensável que os agricultores se organizem, inclusive para agregar valor ao que produzem, através da industrialização dos seus produtos, e da participação na sua comercialização. Ao mesmo tempo, a atividade agrícola precisa assumir a manutenção e a recuperação do equilíbrio ambiental, enquanto valoriza também a produção de bioenergia, aproveitando as demandas do mercado, sobretudo com produtos que podem se integrar melhor do que a cana no contexto da agricultura familiar, como é o caso da mamona ou do pinhão manso.

 

Esta a proposta do projeto Terras do Sol. Ele não se constitui, de maneira nenhuma, em aval para o afunilamento da agricultura na produção de biocombustíveis. Está equivocada a fantasia de quem imagina nossa região como uma “Arábia Saudita do biodiesel”! O deserto costuma levar a miragens. Alguns mal pisam a areia e já se inebriam com visões ilusórias.

 

Estranha também a prontidão do poder público em conceder terreno e outras facilidades para industriais implantarem aqui a produção do biodiesel extraído do pinhão manso. É a mesma política do favorecimento da cana, através de recursos públicos. É mais cômodo atender a empresários, fazendo o jogo dos seus interesses, enquanto os orçamentos municipais se mantêm fechados para a indução de um projeto regional de desenvolvimento integrado .

 

Diante desta situação, a Diocese é a primeira a advertir os agricultores: “se cuidem!”.

 

 

D. Demétrio Valentini é bispo de Jales (www.diocesedejales.org.br).

 

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