Correio da Cidadania

Estados Unidos: manutenção do recrutamento

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Nos últimos dias, a classe média norte-americana tem dedicado mais atenção à crise financeira, com o objetivo de compreender melhor os efeitos em seu futuro próximo. Não há mais tempo eleitoral disponível para domá-la, de forma que até o dia 4 de novembro o Executivo se valerá apenas de medidas apaziguadoras. De todo modo, o pesado fardo será a primeira tarefa de vulto a que se dedicará o novo titular da Casa Branca, a partir de 20 de janeiro de 2009.

 

O Presidente George Bush não poderia encerrar de maneira mais desaventurada a sua gestão de quase uma década. O seu sucessor, independentemente do partido, não poderá, em termos administrativos, demonstrar complacência com a herança recebida, sob risco de precoce desgaste político perante um eleitorado tradicionalmente reticente – baixo comparecimento à votação.

 

Conquanto a prioridade de Washington no próximo ano já tenha sido estabelecida, ainda que involuntariamente, o novo ocupante do cargo presidencial não poderá descurar de outro assunto: a questão da utilização dos efetivos militares.

 

A princípio, o Pentágono vislumbrou duas intervenções militares com duração de poucos meses, hipótese provida de razoabilidade, dada a composição das forças adversárias. Contudo, em decorrência da constante dilatação do prazo de permanência das unidades deslocadas para o território asiático, o esgotamento das tropas é mais um problema a enfrentar.

 

No caso, o alongamento do prazo no exterior favorece o aparecimento de transtornos psíquicos - como, por exemplo, depressão - nem sempre de tratamento rápido ou barato. Estima-se que 1/5 dos retornados desenvolvem-nos e muitos não dispõem de planos de saúde.

 

De modo geral, os integrantes das brigadas a cada 15 meses de ação expedicionária deveriam passar 12 em solo norte-americano; na Marinha, a proporção é diferente: sete meses no exterior, sete meses no país. Em tempos de paz, a proporção adequada para o Departamento de Defesa seria de dois meses em casa para cada um fora.

 

No entanto, o quadro dos últimos anos tem encaminhado os militares para uma condição adversa: há assentos de a sua presença nos Estados Unidos ser de apenas seis meses, por causa da necessidade de manter um número mínimo de tropas no Iraque ou no Afeganistão. A ampliação dos efetivos no Oriente Médio a datar deste ano se, por um lado, reduziu a instabilidade, por outro, contribuiu ainda mais para a fadiga dos combatentes.

 

Diante da dificuldade de o Exército manter condições mínimas de operacionalidade, a Guarda Nacional tem sido mais exigida, ao suprir parcialmente a carência, tendo já deslocados 4/5 de seus componentes para a região médio-oriental. Em compasso desfavorável nas áreas ocupadas, o Pentágono pretende despachar mais tropas, o que agravará o abatimento.

 

Se é inevitável um maior número de guerreiros em curto espaço de tempo, o grau de exigência é, por seu turno, amenizado, de sorte que até pessoas com registro criminal estão sendo incorporadas. Desde 2004, o percentual não cessa de crescer. Como contraponto negativo, diminui proporcionalmente a quantidade de alistados com melhor grau de educação.

 

O desgaste estende-se à utilização dos equipamentos, deslocados por tempo excessivo para fora do território estadunidense, o que desfalca os estados em caso de eventual intempérie. Além do mais, a insuficiência de equipagem faz com que o treinamento dos recrutas decaia em qualidade em vista da impossibilidade de que todos eles possam receber a instrução apropriada.

 

Por fim, é de pasmar, diante de todos os obstáculos enfrentados pelas forças armadas, que os dois candidatos vislumbrem a possibilidade de reviravoltear a situação no Afeganistão com o deslocamento progressivo de unidades extenuadas do Iraque para lá. Seria o momento de ambos se valerem das lições da história e verificarem as razões por que tantos os britânicos no século XIX como os soviéticos no XX desistiram do empreendimento bélico naquele país.

Virgílio Arraes é doutor em História das Relações Internacionais pela Universidade de Brasília e professor colaborador do Instituto de Relações Internacionais da mesma instituição.

 

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