Correio da Cidadania

Fundo Soberano?

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Junto à discussão da potencial riqueza que teremos com as descobertas de campos de petróleo da chamada camada do pré-sal, surge naturalmente o debate sobre a melhor forma de uso dos recursos financeiros que o país poderá dispor.

 

Os atuais ministros já se movimentam. Aparentemente, o titular da pasta da Educação leva vantagem. O próprio presidente Lula já manifestou que a extraordinária renda a ser gerada pelo petróleo do pré-sal deverá, prioritariamente, ser destinada a essa área. Contudo, as demandas são enormes. Os ministros da Defesa, da Previdência, da Cultura e da Saúde também já se manifestaram sobre a necessidade dos seus segmentos serem contemplados. Estados e municípios também se agitam e reivindicam o seu lugar de beneficiários das receitas que estarão disponíveis e que poderiam ampliar investimentos vitais para uma melhoria substantiva na vida de milhões de brasileiros.

 

Já houve até mesmo a defesa da necessidade de um novo plano de metas para o país, dentro de uma visão sistêmica de melhor utilização desses recursos, evitando-se assim uma pulverização no uso dos dividendos financeiros do ouro negro.

 

Minha opinião é que, antes de tudo, há uma pedra no caminho. O atual marco regulatório do petróleo é um obstáculo importante, que deverá ser superado. E esta não será uma batalha tranqüila. Os interesses privatistas – e estrangeiros – estão em estado de alerta e lutam pela manutenção da atual Lei do Petróleo, admitindo no máximo uma alteração no decreto que define as chamadas participações especiais da União.

 

Ao mesmo tempo, desde o final de maio, tramita na Câmara dos Deputados projeto de lei específico, de iniciativa do Executivo Federal, tratando da criação de um Fundo Soberano do Brasil.

 

Fundos Soberanos de Estados Nacionais têm se tornado um instrumento importante de países que dispõem de reservas cambiais elevadas e extraordinárias. São receitas geradas por recursos de exportação de commodities com preços elevados ou de receitas fiscais passíveis de transformação em moedas fortes. Essas nações optam por destinar parte desses recursos a fundos próprios e desvinculados da administração ordinária, tradicional, que em geral as reservas internacionais dos países recebem.

 

O primeiro desses fundos remonta ao ano de 1953, e foi criado pelo Kuwait para gerir os recursos da renda do petróleo do país. Contudo, foi nos anos 90 que esse instrumento ganhou maior relevância, em meio ao maior vigor da globalização financeira. Hoje, contam-se 46 diferentes fundos dessa natureza, sob controle de 35 nações. Esses países buscam um maior retorno financeiro para os recursos aplicados nesses fundos, em comparação com a rentabilidade das suas reservas internacionais formais, preferencialmente aplicadas no BIS – o Banco de Compensações Internacionais – e lastreadas em títulos do governo dos Estados Unidos. Além de poderem cumprir importante papel como instrumento de apoio a políticas industriais e de ação geopolítica.

 

O Fundo Soberano do Brasil – FSB, de acordo com o artigo 1º do PL 3674/08, será vinculado ao Ministério da Fazenda, "com as finalidades de promover investimentos em ativos no Brasil e no exterior; formar poupança pública; mitigar os efeitos dos ciclos econômicos; e fomentar projetos de interesse estratégico do país, localizados no exterior".

 

Por aí, já observamos que os propósitos são extremamente elásticos e compatíveis com os mais diversos objetivos.

 

As fontes de recursos do FSB serão de natureza fiscal e financeira, enquanto receitas fiscais, recursos do Tesouro Nacional, serão consignadas através do Orçamento da União, "inclusive aqueles decorrentes da emissão de títulos da dívida pública" (inciso I, artigo 4º). A Exposição de Motivos que acompanha o projeto de lei prevê também que, ainda neste ano de 2008, o FSB poderá se beneficiar do excesso do superávit primário, no montante equivalente a 0,5% do PIB.

 

Como receitas financeiras, o FSB poderá se beneficiar de ações de empresas estatais que ultrapassarem o percentual necessário para a manutenção do controle da União sobre essas empresas e, também, de resultados de aplicações à sua conta.

 

A aquisição de ativos no Brasil e no exterior será feita por um fundo, de natureza privada, subordinado ao FSB. Terá o nome de Fundo Fiscal de Investimentos e Estabilização (FFIE), sendo controlado por um banco federal. Seus recursos terão isenção fiscal em suas operações financeiras, sendo que o operador desse fundo, bem como as regras gerais do seu funcionamento, será definido por um Conselho Deliberativo, a ser designado pelo presidente da República.

 

O projeto foi definido como de urgência constitucional e sua premência se relaciona à oportunidade do tema das receitas extraordinárias do pré-sal. Mas, não necessariamente a essas receitas. Afinal, muitas águas ainda rolarão até que sejam decididas todas as regras e normas sobre como tratar dessas riquezas do petróleo supersubmerso, e onde os seus efeitos financeiros positivos ainda demorarão muitos anos para ser usufruídos.

 

A urgência para esse projeto possivelmente se relaciona a um outro tema, não menos importante.

 

Desde o início do ano, o governo internamente já identificou o mega-problema que representa a rápida deterioração das nossas contas externas. Amarrado a uma política econômica ferreamente controlada pelo Banco Central, que não permite variações fora do binômio juros altos/aperto fiscal, Lula e os seus desenvolvimentistas vêm procurando defender uma posição onde maiores doses de superávit primário poderiam atenuar uma trajetória de forte elevação da taxa de juros.

 

Porém, até julho ao menos, o Copom do Banco Central não vacilou e puxou para cima a taxa básica de juros em abril (0,5%), em junho (0,5%) e em julho (0,75%), fazendo com que a taxa Selic subisse de 11,25% para 13%. E a expectativa consensual no mercado é que nesta semana uma nova elevação seja definida, em 0,5% ou 0,75%.

 

Enquanto isso, os neodesenvolvimentistas já falam abertamente da possibilidade de elevação do superávit primário para o equivalente a 5% do PIB, ou mesmo da possibilidade do chamado déficit nominal zero das contas públicas.

 

O objetivo é encontrar uma forma que estanque a rápida erosão do saldo comercial do país, de modo a atenuar o déficit crescente das transações correntes. O déficit da conta de serviços é estrutural e as remessas de lucros e dividendos são cada vez mais elevadas, dado o grau de desnacionalização do parque produtivo. Fechar as contas externas depende da conta de capital, através da atração de investimentos diretos (que ampliam a desnacionalização e potencializam as remessas) ou de injeções de recursos especulativos (cada vez mais arriscados, dada a crise financeira global). Sustar a velocidade com que evoluem as despesas com importações é, portanto, vital. Contudo, isto implica arrefecer o próprio ritmo do crescimento econômico.

 

Arrefecer, mas não golpeá-lo. Eis o desafio para o governo. Afinal, estamos em pleno plano de aceleração do crescimento, em um ano eleitoral, e nas portas de uma nova conjuntura eleitoral que definirá o próximo presidente da República. E o pior: com nuvens extremamente carregadas no horizonte do cenário financeiro internacional.

 

Todo o cuidado, portanto, é pouco. E toda boa justificativa torna-se interessante.

 

Neste aspecto, ainda que seja correto olhar o futuro e defender a riqueza que o petróleo poderá nos dar, convém uma maior atenção com o presente.

 

A depender da política oficial, em nome de um fundo soberano poderemos assistir a um maior arrocho das contas públicas, a um maior endividamento em títulos e à manutenção de um modelo econômico cada vez mais subalterno.

 

Paulo Passarinho é economista e vice-presidente do Conselho Regional de Economia do Rio de Janeiro.

 

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