Correio da Cidadania

E as adutoras do Nordeste?

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Diante da insignificância a que foram reduzidas as eleições municipais, inclusive aqui no Nordeste, seria muito interessante que os batalhadores pela "convivência com o semi-árido", inclusive no meio urbano, pautassem a discussão das adutoras sugeridas no Atlas do Nordeste nesse processo eleitoral. Afinal, segundo a Agência Nacional de Águas, se essas adutoras não começarem a ser feitas agora, até 2015 mais de mil municípios em todo o Nordeste poderão entrar em colapso hídrico. Está em jogo a sede de 34 milhões de nordestinos só no meio urbano. Portanto, o tema é municipal e crucial.

 

Vale a pena citar a quantidade de municípios estado por estado: Maranhão (121), Piauí (52), Ceará (139), Rio Grande do Norte (69), Paraíba (74), Pernambuco (150), Alagoas (63), Sergipe (38), Bahia (282), Minas Gerais (124). Para quem quiser pesquisar o que está proposto estado por estado, município por município, é só acessar o site e averiguar como está a avaliação de seu município e qual obra está sendo proposta. O site é http://parnaiba.ana.gov.br/atlas_nordeste/.

 

Depois de acessar o site é fácil navegar e localizar os estados e dentro deles cada município.

 

O governo federal e alguns governadores – de Pernambuco, Paraíba, Ceará e Rio Grande do Norte – apenas se preocupam com a transposição. Wagner (Bahia), Aécio (Minas) e Wellington (Piauí) se omitem. Apenas Marcelo Deda (Sergipe) tem constantemente se manifestado contra a transposição, embora também não se manifeste pelas adutoras. Quanto aos deputados, desapareceram depois do terremoto da China ou pelo menos já não sabemos mais se eles ainda existem. Ou alguém viu algum por aí?

 

O próprio governo admitiu nessa semana, em matéria publicada no Estadão, que a água disponível no São Francisco é de apenas 360 m³/s e que o consumo de água no Vale do São Francisco vai atingir 262,2 m³/s em 2025. O restante, quase 1.500 m³/s, é exclusividade da CHESF para gerar energia. Desses, só o Ceará leva aproximadamente 500 m³/s de água em forma de energia. Portanto, haverá conflito nos seus múltiplos usos, inclusive com a transposição. Em conseqüência, já se ressuscita a transposição do rio Tocantins para o São Francisco. Nada de novo em relação a tudo que já dissemos. Por isso, muito ao contrário de solucionar um problema, esse governo está plantando um conflito pela água que deixará como bomba relógio para seus sucessores.

 

Vamos à luta pelas adutoras. Nada de bom acontece nesse país sem que o povo se mexa.

 

Roberto Malvezzi (Gogó) é coordenador da CPT (Comissão Pastoral da Terra).

 

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Comentários   

0 #6 Resposta ao FelipePaulo Afonso da Mata Machado 18-03-2010 08:12
Meu caro Felipe,
Os açudes do Nordeste beneficiam menos pessoas do que deveriam. A razão é a alta taxa de evaporação.
Imagine você que a precipietação no semi-árido fica em torno de 700 mm por ano. Por outro lado, a taxa de evaporação chega a 2.000 mm/ano.
Em outras palavras, quando se armazena água, há uma grande perda por evaporação. Como as chuvas no semi-árido são concentradas em dois ou três meses, nos demais meses do ano não há contribuição para os açudes e, consequentemente, estes precisam economizar água para não se esvaziarem antes das próximas chuvas. Além disso, durante o período chuvoso, os açudes se enchem e transbordam.
O lançamento de água nos açudes durante todo o ano visa a melhorar essa situação. Eles não precisarão mais estar cheios no período chuvoso para reter água para o resto do ano e, assim, não correrão o perigo de transbordamento. Além disso, estando com menor volume de água, as perdas por evaporação serão menores.
Captou?
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0 #5 Açudes Santa Crus e Armando Ribeiro.Felipe Luiz Gomes e Silva 15-03-2010 15:38
Li um texto que afirma que o Açude Santa Cruz/Apodi não tem beneficiado uma só pessoa. O Armando Ribeiro também, as água acumuladas não são distribuídas. Estas afirmações procedem?
Felipe Luiz Gomes e Silva
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0 #4 Transposição do Rio São FranciscoPaulo Afonso da Mata Machado 05-01-2009 09:31
O geólogo Dilermando fez interessantes comentários a respeito da transposição, contra a qual ele se manifesta. No entanto, ele alinha 9 itens favoráveis à transposição:
a) segundo o projeto, a transposição vai beneficiar 12 milhões de habitantes;
b) inserção dos 24.400 hectares ao longo dos canais no processo produtivo (por meio da irrigação);
c) disponibilização de água para rebanhos;
d) geração de novas possibilidades de renda;
e) aumento do número de famílias fixadas no campo;
f) garantia de abastecimento das comunidades ao longo dos canais com água de boa qualidade, através dos chafarizes;
g) diminuição da migração e, portanto, retenção de um importante contingente humano na região beneficiada;
h) dinamização das atividades produtivas, gerando mais negócios, empregos e renda;
i) redução da pressão migratória sobre as pequenas e médias cidades e metrópoles da região, reduzindo seus problemas sociais e ambientais.
Dilermando, vamos analisar a questão sob um outro ponto de vista.
A transposição vai levar água para o semi-árido em áreas que a têm em quantidade insuficiente. Isso é inegável.
Pelo que pude observar no artigo do Gogó, a questão é como essa água será utilizada, se para consumo humano ou para consumo agro-industrial.
Essa questão é analisada pelo Ministério da Integração Nacional que fez um questionário que está no endereço http://www.integracao.gov.br/saofrancisco/perguntas/index.asp e que também fez um vídeo para esclarecer as dúvidas mais frequentes sobre o projeto cujo endereço é http://www.youtube.com/watch?v=ORG6H_rXp_0
No vídeo ele cita o historiador João Ribeiro que disse ser o rio São Francisco o grande caminho da civilização brasileira.
A dúvida do Gogó sobre multiplicação das águas (sinergia hídrica) também é explicada.
Sugiro a ambos que assistam ao vídeo.
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0 #3 Porque Sou Contra a Transposição do Rio Dilermando Alves do Nascimento 18-09-2008 12:08
PORQUE SOU CONTRA A TRANSFERÊNCIA DE ÁGUA ENTRE A BACIA DO RIO SÃO FRANCISCO E AS BACIAS HIDROGRÁFICAS DO NORDESTE SETENTRIONAL DO BRASIL?

Salvador 17/09/2008
Dilermando Alves do Nascimento
Geólogo pesquisador do (IBGE) especialista em hidrogeologia e meio ambiente

1- Os estados do CE, RN, PB e PE contemplados para receber as águas da transposição do Rio São Francisco possuem uma das maiores rede de açudagem do mundo, com capacidade para armazenar 37 bilhões de m³ conforme monitoramento das Secretarias Estaduais de Recursos Hídricos dos quatro estados.
Admitindo-se que os açudes operem apenas com 30% de sua capacidade durante o ano descontada as perdas por evaporação 60% e 10% com infiltrações nos aqüíferos, significa 11,1 bilhões de m³ em disponibilidade para os diversos usos múltiplos.

2- Os quatro estados dispõe de uma reserva permanente de água subterrânea de 1,18 trilhões de m³ sendo uma parcela de 7,08 bilhões de m³/ano passível de explotação.

3- As recargas anuais dos aqüíferos (reservas renováveis) somam 4,736 bilhões de m³ (aqüíferos sedimentares mais cristalinos).

4- juntas, as reservas permanentes explotáveis mais as reservas renováveis totalizam 11,8 bilhões de m³, o equivalente a uma vazão de 374,1 m³/s para uma demanda de uso consuntivo para os quatros estados de apenas 7,6 bilhões de m³ correspondendo a vazão de 240,9 m³/s o que proporciona um superávit hídrico de 4,2 bilhões de m³, ou seja, uma vazão excedente de 133,6 m³/s somente computado as reservas de água subterrânea em disponibilidade explotáveis.

5- O Total das reservas hidrogeológica dos aqüíferos mais as reservas de água superficial dos açudes em disponibilidade somam 22,9 bilhões de m³ gerando um excedente hídrico fantástico para os quatros estados de 15,3 bilhões de m³.
PORTANTO NÃO EXISTE FALTA D´ÁGUA NA REGIÃO SETENTRIONAL DO NORDESTE DO BRASIL, o que existe sim, é um excedente hídrico com uma má distribuição espacial faltando vontade política para encher o Nordeste de adutoras e canais partindo dos Açudes plurianuais Castanhão (6,7 bilhões m³), Orós (2,1 bilhões m³), Açude Banabuiú ( 1,7 bilhões m³) Curema-Mãe D'Água (1,3 bilhões m³), Açu (2,4 bilhões m³), Engenheiro Ávidos (1,2 bilhões m³) etc. sem que seja necessário transpor uma só gota d´água do Velho Chico.
Faço minhas as palavras do colega geólogo Aldo Rebouças a maior autoridade em hidrogeologia do Nordeste e um profundo conhecedor das águas subterrâneas em todo mundo: "Há muito mais preconceito e desconhecimento das potencialidades hídricas subterrâneas no Nordeste do Brasil do que se imagina. A escassez da água está, na verdade, relacionada com a falta de políticas continuadas de captação e gestão de recursos hídricos subterrâneos".

6- Sou contra a Transposição do Rio São Francisco porque o projeto vai entregar a água bruta ao longo de quatro eixos lineares ( leitos dos rios, Jaguaribe, Piranhas – Açu, Apodi e Rio Paraíba), já perenizados a mais de 25 anos, deixando de contemplar as áreas de maior escassez hídrica como a Região do Serido, não atendendo a população dispersa fora do eixo da transposição.
O rio Jaguaribe, por exemplo, é um rio perene, recebendo as águas da barragem do Açude de Orós (vazão 12 m³/s) sendo reforçado a sua jusante pelas águas da Barragem do Açude Castanhão (vazão 57 m³/s) e do rio Banabuiú com oferta de 7,2 m³/s. O rio Piranhas - Açu também perenizado a partir da barragem dos Açudes Curemas - Mãe D´água (vazão 4 m³/s) deságua a jusante, na Barragem Armando Ribeiro Gonçalves ou Barragem do Açu, regularizando sua vazão em 17 m³/s. até o seu destino final, o Oceano Atlântico. O rio Apodi torna-se perene a partir da barragem do Açude santa Cruz com uma vazão regularizada de 6 m³/s e por último os açudes Acauã e Boqueirão na Paraíba regularizam a vazão do rio Paraíba em 6,5 m³/s , vai chover no molhado.
7- SOU CONTRA A TRANSPOSIÇÃO DO RIO SÃO FRANCISCO PORQUE ELA NÃO SE ENQUADRA NAS CONDIÇÕES BÁSICAS QUE DEVEM SER SATISFEITAS PARA UMA TRANSPOSIÇÃO SEGUNDO PRECEITOS DE ECONOMIA DOS RECURSOS HÍDRICOS COMO:
7.1- Existência de excedente hídrico na bacia doadora, em tempo suficientemente longo, de modo a não provocar prejuízo ao seu potencial de desenvolvimento; ( toda a vazão do rio São Francisco já está comprometida, 80% da vazão do rio já é utilisada com a geração de energia pela CHESF que investiu US$ 13 bilhões de dólares no parque energético e os 20% restante para usos múltiplos na irrigação consumo humano e animal);
7.2- Bacia receptora com comprovada escassez e sem alternativa interna para abastecimento humano e dessedentação animal; ( os quatro estados dispõe de um excedente hídrico de 15,3 bilhões de m³);
7.3- Os impactos ambientais ocasionados pela transferência de água devem ser mínimos para ambas as regiões, bacias doadora e receptoras;( Os estudos sobre os impactos na bacia doadora e nas bacias receptoras não foram efetuados. A ausência de estudos sobre os impactos na foz também é questionada);
7.4- Se a transferência de água for para fins econômicos;
a) Haver uma relação custo-benefício sustentável para a transposição ser feita e que seja socioambientalmente aceitável;
b) Bacia doadora tem prioridade para atender todo o seu potencial dos usos múltiplos de desenvolvimento econômico;
c)Bacia receptora tenha potencial de terras irrigáveis e uso econômico da água mais vantajoso que na bacia doadora;
7.5- Consenso entre os estados envolvidos (pacto federativo).
8- Sou contra a Transposição do Rio São Francisco porque o projeto desconsiderou as experiências internacionais mal sucedidas sobre transferência de água entre bacias hidrográficas e ainda usa estas experiências como a dos rios Tejo-Segura na Espanha e do Rio Colorado nos estados Unidos como justificativas de sucesso para transposição do Rio São Francisco. A transposição dos rios Tejo-Segura trouxe mais problemas do que soluções para o governo Espanhol, tanto assim, é que foi abortado o projeto de transposição do rio Ebro para as zonas costeiras do sul da Espanha baseado em relatórios do Centro de Recursos e Estudos Ambientais da Australian National University que apresentou as seguintes justificativas para dar segurança na decisão do Governo Espanhol de fazer ou não a transposição do Rio Ebro. "Seria difícil de justificar até mesmo os atuais padrões de utilização agrícola da água e muito menos esperar maiores usos da água para outros fins. Além disso, o custo estimado de entregar oficialmente a água por metro cúbico do rio Ebro para as bacias receptoras é quase 50 por cento mais elevado do que o atual custo da dessalinização da água do mar ".
Lembrando que no caso do Rio Colorado a mais de 30 anos deixou de chegar a sua foz introduzindo graves problemas ambientais na Baixa Califórnia no México como a salinização dos solos a extinção do delta e dos pântanos dizimando o santuário ecológico de reprodução de milhares de espécies de aves, tudo por conta da superexploração das inúmeras aduções de água feita ao longo do rio Colorado para irrigar milhões de hectares de terras nos estados de Nevada, Arizona e California. O rio São Francisco trilha o mesmo caminho, logo logo, se transformara na imagem refletida do Rio Colorado.
REVOGAÇÃO DA TRANSPOSIÇÃO DAS ÁGUAS DO RIO EBRO, NA ESPANHA
Justificativas da Revogação, no Decreto Real (junho/04)
a) Custos subestimados;
b) Estrutura de custos da água não explicada;
c) Benefícios superestimados. ( O Projeto de Transposição do Rio São Francisco superdimensiona a oferta de água criando uma falsa idéia escassez hídrica na região não levando em consideração que os grandes centros urbanos e as cidades de pequeno a medio porte já tem o seu sistema urbano de abastecimento regularizado);
d) Repercussões ambientais analisadas inadequadamente; ( O IEA-RIMA da Transposição do Rio São Francisco assinalou 44 itens de impactos ambientais sendo 32 negativos e 12 positivos. Apesar de o resultado ser altamente desfavorável o projeto considera apenas 23 como de maior relevância, sendo 11 impactos positivos e 12, negativos).
e) Ausência de rigor necessário nos estudos sobre a efetiva disponibilidade para transpor; ( O Rio São Francisco já libera uma vazão de 360 m³/s determinado pelo Comite da Bacia do São Francisco para uso consuntivo dos quais 335 m³/s já foram outorgados deixando mais de 3 milhões de terras ferteis as margens do vale do São Francisco sem disponibilidade da água para outorga para irrigação).
f) Instituições financeiras internacionais não se dispuseram a financiar; (O Banco Mundial que nunca negou financiamentos para programas de água no Brasil se recuzou a financiar o Projeto de Transposição do Rio São Francisco alegando que o projeto não atendia as reivindicações socioambientais. O Bird examinou o projeto e concluiu que a transposição é inviável economicamente e tem baixa capacidade de combater a pobreza e de amenizar o efeito das secas sobre a população do Nordeste setentrional);
g) Transposições só devem ocorrer após a otimização dos recursos hídricos de cada bacia;
h) Custos operacionais incompatíveis com a agricultura irrigada; ( Os custos da transposição do Rio São Francisco pode chegar até 5 vezes mais o custo que a os valores cobrados pela CODEVASF para entrega d´água aos colonos das margens do São Francisco sem custos de bombeamento e distribuição. O preço por hectare irrigado será um dos mais caros do mundo).
Analisando os itens relacionados pelo Governo Espanhol para justificar a sua decisão e comparados com as informações disponíveis referentes a Transposição do Rio São Francisco, a semelhança não é mera conicidência é uma réplica perfeita.
10) DESVANTAGENS CASO O PROJETO DE INTEGRAÇÃO DO RIO SÃO FRANCISCO SEJA REALIZADO. SAÕ RELEVANTES NA NOSSA ANÁLISE AS SEGUINTES DESVANTAGENS:
MUDANÇA NA MATRIZ ENERGÉTICA
a) Para cada 1 m³/s retirado em qualquer ponto do trecho do Rio São Francisco (há uma reação em cadeia) deixarão de ser produzidos 2,731 MW de energia. Esta é a chamada “produtividade de geração de energia;”
b) Então, para a vazão máxima a ser retirada de 127 m³/s, considerando que será destinado para o eixo norte uma vazão de 84,79 m³/s (66,77%) e para o eixo leste 44,18 m³/s (33,32%) teremos uma perda de 346 Mw que deixam de ser gerados. Considerando agora que para recalcar uma diferença de cota de cerca de 160 m, cada 1m3/s de água consumiria 1,6 Mw de energia gerada, (dados da CHESF) a energia requerida para o recalque nos dois eixos da transposição é de 263 Mw. Junte-se a 346 Mw que deixam de ser gerados teremos um total de 609 Mw;
c) A substituição por energia térmica, eólica, solar, atômica, etc., ao custo de US$ 45,00 na alternativa mais barata, são 2,5 a 3 vezes superiores ao custo médio da energia hidrelétrica, (da ordem de US$ 17,10 o MW/hora), ficando esta diferença por conta do consumidor que deverá pagar a conta.

PERDA COM IRRIGAÇÃO CUSTO-BENEFÍCIO DA ÁGUA LÁ E CÁ;

a) São três os requisitos essenciais para a transposição racional de água de uma bacia hidrográfica para outra, com finalidade de irrigação;

b) haver uma bacia ou uma área com terras irrigáveis, mas com escassez de água (bacia receptora);

c) Haver outra bacia com muita água sobrando e sem terras para irrigação (bacia doadora);
d) Haver uma relação custo-benefício aceitável para a transposição ser feita (por gravidade ou pequena altura de elevação, com transporte a menores distâncias, etc). E que seja socioambientalmente aceitável;

e) O m³ de água posto nos estados receptores custará cerca de R$ 0,11 ( IEA-RIMA.) Esse valor é proibitivo para uso no agro-negócio, principalmente em atividades irrigacionistas, se considerarmos o custo cobrado pela CODEVASF, aos seus colonos, de R$ 0,023 o m³ sem custos de bombeamento e distribuição. A população vai pagar mais caro pela água transposta haverá um subsidio cruzado de 4%.na conta do consumidor;

f) O rio São Francisco dispõe de cerca de 1.300.000 hectares de terras irrigáveis de classes 1 e 2 (quase sem restrições à irrigação), dos quais 770.000 hectares já projetados, esperando, portanto, por água;

g) O potencial de áreas irrigáveis do São Francisco é de 3.000.000 ha. Se considerarmos 0,5 litro/seg/ha como um número razoável para fins de cálculo da irrigação que é praticada atualmente no vale do São Francisco, seriam necessários 1.500 m³/seg para irrigar aquela área potencial. Ocorre que não temos esse volume disponível no rio, temos apenas 360 m³/seg para outorga estipulado pelo Comitê da Bacia do Rio São Francisco. Apesar de termos uma área potencialmente irrigável de 3.000.000 ha, só é possível irrigar, com o volume de água disponível no rio (360 m³/seg), cerca de 720.000 ha.

11- IMPACTOS AMBIENTAIS NA BACIA DOADORA E NAS BACIAS RECEPTORAS

Destacam-se a seguir os principais Impactos Ambientais ocasionados pela transposição das águas do Rio São Francisco de acordo com as proposições do RIMA (Relatório de Impacto Ambiental), solicitado pelo Ministério de Integração Nacional entre tantos outros.
Este estudo de impacto ambiental se refere somente aos eixos a serem implantados.
Impactos relevantes:
Ï Início ou aceleração dos processos de desertificação durante a operação do sistema;
Ï Perda de terras potencialmente agricultáveis;
Ï Interferência e conflitos nas áreas de mineração já com concessão de outorga pelas quais passarão as águas;
Ï Perda e fragmentação de cerca de 430 hectares de áreas com vegetação nativa e de hábitats de fauna terrestre;
Ï Diminuição da diversidade de fauna terrestre;
Ï Aumento da exposição dos animais a caça animais vulneráveis ou ameaçados de extinção regional, como o tatu-bola, a onça-pintada, o macaco-prego, tatuí, porco-do-mato e o tatu-de-rabo-mole.;
Ï Modificação da composição das comunidades biológicas aquáticas nativas das bacias receptoras;
Ï Comprometimento do conhecimento da história biogeográfica dos grupos biológicos aquáticos nativos;
Ï Risco de redução da biodiversidade das comunidades biológicas aquáticas nativas nas bacias receptoras;
Ï Risco de introdução de espécies de peixes potencialmente daninhas ao homem nas bacias receptoras. Há espécies no Rio São Francisco consideradas nocivas, como as piranhas e pirambebas, que se alimentam de outros peixes e que se reproduzem com facilidade em ambientes de água parada;
Ï Interferência sobre a pesca nos açudes receptores;
Ï Risco de proliferação de vetores da malária, filariose, febre amarela, e da esquistossomose principalmente ao longo dos canais;
Ï Ocorrência de acidentes com animais peçonhentos sobretudo cobras;
Ï Instabilização de encostas marginais dos corpos d’água;
Ï Início ou aceleração de processos erosivos e carreamento de sedimentos;
Ï Modificação do regime fluvial das drenagens receptoras;
Ï Alteração do comportamento hidrossedimentológico dos corpos d’água;
Ï Risco de eutrofização dos novos reservatórios;
Ï Modificação no regime fluvial do rio São Francisco;
ÏDesestabilização do leito e das margens do rio, com erosão, voçoroca e assoreamento;
Ï Sanilização das águas com introdução de cunha salina na foz do rio São Francisco;
Ï Salinização de solos principalmente no vale do Baixo e Submédio Rio São Francisco;
Ï Leito do rio seco ou com escassez de água entre a foz e a Hidrelétrica de Xingó com extinção de espécies de peixes e da navegação no Baixo e Submédio rio São Francisco já bastante afetada pelo assoreamento;

12) OS SEGUINTES BENEFÍCIOS PODEM SER DESTACADOS CASO A TRANSPOSIÇÃO SEJA REALIZADA:

a) segundo o projeto, a transposição vai beneficiar 12 milhões de habitantes;
b) inserção dos 24.400 hectares ao longo dos canais no processo produtivo (por meio da irrigação);
c) disponibilização de água para rebanhos;
d) geração de novas possibilidades de renda;
e) aumento do número de famílias fixadas no campo;
f) garantia de abastecimento das comunidades ao longo dos canais com água de boa qualidade, através dos chafarizes;
g) diminuição da migração e, portanto, retenção de um importante contingente humano na região beneficiada;
h) dinamização das atividades produtivas, gerando mais negócios, empregos e renda;
i) redução da pressão migratória sobre as pequenas e médias cidades e metrópoles da região, reduzindo seus problemas sociais e ambientais.

A titulo de curiosidade, apesar de uma apresentação visualmente extraordinária, contendo mapas bem elaborados, detalhados e coloridos alguns aspectos dos estudos, no entanto, chama atenção. Primeiramente, a existência de uma quantidade significativa de túneis (dos 77 relatórios existentes, um deles trata especificamente sobre essa questão), com um dos túneis possuindo, aproximadamente, 15 quilômetros de comprimento por 8 metros de diâmetro (o túnel Cuncas I, localizado no ramal norte). Trata-se de uma obra verdadeiramente monumental com perfuração em rocha granítica de alta dureza.
Do ponto de vista de viabilidade técnico-econômica o que seria mais viável: construir o túnel com essas dimensões ou transportar a água, por intermédio de uma estação elevatória, vencendo o relevo existente?

RESPONDENDO A PERGUNTA INICIAL SOU CONTRA O PROJETO DE INTEGRAÇÂO DO RIO SÃO FRANCISCO COM BACIAS HIDROGRAFICAS DO NORDESTE SETENTRIONAL PORQUE CONFORME FOI DEMONSTRADO NÃO EXISTE FALTA DE ÁGUA NA REGIÂO QUE JUSTIFIQUE A TRANSPOSIÇÃO, O QUE EXISTE É UMA MÁ DISTRIBUIÇÂO ESPACIAL E UM PESSIMO GERENCIAMENTO DE SEUS RECURSOS HIDRICOS.
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0 #2 E as adutoras do NordesteRoberto Malvezzi 26-08-2008 12:15
Caro Paulo Afonso,



Diante dos comentários alongados que você fez sobre meu artigo “E as adutoras do Nordeste?”, achei por bem uma resposta também mais longa, particularmente naqueles pontos que me parecem chaves. Por questão didática, vou pontuar um por um:



1. “Será levada água para o Nordeste Setentrional (pela Transposição) em quantidade suficiente para que, nas localidades atendidas, seja aposentado definitivamente o caminhão-pipa”.



Comentário: Todos os estudiosos da questão, inclusive do governo, admitem que água para consumo humano nós já temos em todos os estados. O que não foi feito é a distribuição dessa água. Até mesmo no corpo do projeto no site do Ministério da Integração está a admissão que a questão não é consumo humano. A questão fundamental é abastecer o “desenvolvimento econômico”. Vamos discutir à frente o desenvolvimento que eles falam, mas é bom o ponto de partida admitido pelo próprio governo que o problema não é água para a sede humana. Portanto, a depender da transposição, os carros-pipa vão continuar.



2. “Em seu artigo, você prefere ver o lado ruim da moeda. Diz que é imprescindível a convivência com o semi-árido. Eu confesso que olho com reservas essa observação, pois o semi-árido brasileiro é o que tem maior número de habitantes entre todos os semi-áridos que existem no planeta”.



Comentário: aqui você toca numa questão fundamental. Realmente o que está em jogo é a disputa pelo entendimento e o potencial do semi-árido. São dois modelos. Primeiro, o do governo, que segue a linha da história, baseado em grandes obras e na concentração da terra e da água. Naturalmente isso leva à concentração de poder. É o pretexto de uma região feia, sem potencial, inviável que está no imaginário nacional e internacional. Foi sobre essas premissas que se construiu a “indústria da seca”.

Nosso entendimento é completamente outro, baseado numa construção coletiva da Articulação do Semi-árido que congrega aproximadamente 800 entidades (ASA), na Embrapa Semi-árido e agora em muitos setores da universidade. O semi-árido é bonito, tem potencial de sol, de água, de solos, grande biodiversidade do bioma caatinga e, sobretudo, tem um povo fantástico, com uma cultura própria. O único inconveniente aqui é a convivência inadequada do ser humano com seu meio. O semi-árido tem um potencial de 800 bilhões de metros cúbicos de água de chuva por ano, dos quais se aproveitam apenas 5%, ainda sujeitos à evaporação. Enfim, nosso consenso é que ele precisa ser pensado e cuidado a partir dos períodos chuvosos, não do seu período naturalmente seco.

Não tenho como fazer longos comentários sobre isso aqui nesse espaço. Sugiro para você meu livro que está disponível online “Semi-árido: uma visão holística” (CONFEA/CREA) além dos livros do Dr. Manoel Bonfim (Potencialidades do Semi-árido) e uma mais recente do Professor Roberto Marinho Alves da Silva (ENTRE O COMBATE À SECA E A CONVIVÊNCIA COM O SEMI-ÁRIDO), lançado pelo Banco do Nordeste. Nesses livros o Senhor poderá facilmente entende o que combatemos e o que propomos.



3. “Nesse contexto, o homem é um intruso. Como imaginar que a espécie humana possa se desenvolver em um ambiente que, como disse linhas atrás, lhe é hostil?”



Comentário: Pois é, caro Paulo, não é o clima que é hostil. É só você visitar o Parque Nacional da Serra da Capivara, no Piauí, e você vai ver que aqui já morava gente há 48 mil anos atrás. É a tese defendida por Niéde Guidon. Os painéis rupestres nos garantem gente pelo menos há 17 mil anos atrás. O europeu é que trouxe um modelo de desenvolvimento inadequado à região. Dessa forma, o ser humano tornou-se hostil ao meio ambiente. O clima da Sibéria, do Alaska, do Saara, etc., é muito mais hostil que nosso brando semi-árido. O que falta por aqui são políticas adequadas de convivência, como incentivar a captação da água de chuva para beber e produzir, fazer os cultivos adequados à região como apicultura, pequenos animais, forrageiras, plantas adequadas ao ambiente, etc. Isso a Embrapa semi-árido já desenvolveu e as organizações da ASA já têm um leque de tecnologias sociais experimentadas e comprovadamente funcionais. É só querer transformar o que temos num programa estruturante de curto, médio e longo prazo.

Acesse o site da ASA e lá você encontrará muitas dessas experiências que tanto dão certo. Além do mais, há todo um potencial energético solar e eólico.Pode ter certeza, o semi-árido e belo e viável. É uma questão de compreendê-lo, respeitá-lo e adaptar-se a ele.



4. “O Atlas Nordeste é um estudo emergencial feito pela ANA para colocar água tratada nos municípios nordestinos com mais de 5.000 habitantes. É simplesmente impensável que grande parte dos municípios do semi-árido sequer disponham de água tratada. Como as condições de obtenção de água no semi-árido são muito difíceis (é a ANA quem diz) o simples fornecimento de água tratada a esses municípios do semi-árido vai demandar a fabulosa quantia de cerca de 3,6 bilhões de reais”.



Comentário: O Atlas está online e é, na minha opinião, o trabalho mais completo sobre abastecimento urbano da história do Nordeste. Não é um plano geral de uso da água, já que teríamos que ver também o meio rural, a energia e todos os usos econômicos da água. Os municípios abaixo de 5 mil habitantes também seriam incorporados agora, pelo menos é o que disse o Professor Lotufo, lá da ANA e organizador do ATLAS. Vão fazer também o Atlas do Sul e pensam em fazer isso para todo o Brasil. Seria uma extraordinária contribuição da ANA ao país. Mas o mérito fundamental do Atlas é justamente focar no consumo humano. Pode parecer uma loucura, mas há centenas de municípios nordestinos sem serviço de água. Eu mesmo morei em Capo Alegre de Lurdes, Bahia, vale do São Francisco, que não tinha e continua não tendo um serviço de água urbano. Portanto, a questão é mesmo trágica.

Quanto ao dinheiro, sempre falamos que ele não é o problema. Se há 6,6 bilhões para fazer a transposição, porque não há 3,6 bilhões para fazer as adutoras?



5. “Com a transposição, haverá um fluxo constante para os açudes ao longo de todo o ano. Assim, eles poderão trabalhar com capacidades muito menores, restringindo a perda por evaporação e praticamente zerando a perda por vertimento. Essa água, que seria perdida, será útil nas fazendas, na fruticultura, na criação de camarões e na tão esperada refinaria de petróleo a ser construída em Pernambuco”.



Comentário: aqui chegamos ao ponto. Sempre falamos que a finalidade da transposição nunca foi o abastecimento humano, mas como você mesmo diz, é para as fazendas, fruticultura, criação de camarão e usos industriais. Acontece que o uso da água tem prioridades que não podem ser esquecidas. Seguindo os princípios de Dublin, também incorporados em nossa lei de recursos hídricos, a prioridade número no uso da água é “saciar a sede humana e a dessedentação dos animais”. Essa é a luta chave nesse embate. Nós priorizamos realmente o consumo humano, o governo prioriza o uso econômico. A transposição pensa a sede humana apenas residualmente. A finalidade é outra.

Por isso, em tantos debates sobre o assunto, sempre colocamos que essa questão, antes que técnica é “ética, política, social e ambiental”. Só depois ela é técnica. Sem uma hierarquia de valores que oriente o uso da água, acabamos na crise mundial da água, onde 1,2 bilhão não tem um copo d’água potável para beber e 2,6 bilhões não têm acesso ao saneamento ambiental. A origem da crise global da água está no seu uso perverso e insustentável. Não há como prosseguir com essas obras da transposição sem omitir a crise da água, sem ignorá-la e até sem agravá-la.

A tal “multiplicação da água” que a transposição iria proporcionar para nós tem outro nome: privatização. É isso mesmo. Quando a água do São Francisco se misturar com as águas das chuvas estocadas nos grandes açudes do setentrional, as empresas que vão gerenciar essas águas vão se apropriar também das águas de chuva. O que interessa mesmo, por incrível que pareça, não é a água de transposição. É privatizar e liberar o uso privado da água de chuva estocada nas grandes barragens, como Castanhão, Armando Ribeiro, etc. Será criado o primeiro mercado de águas do Brasil. Esse é o milagre da multiplicação. Como você vê pelo próprio raciocínio que fiz aqui, somos contra a privatização e mercantilização das águas. Nós a defendemos como um bem público, direito humano e patrimônio de todos os seres vivos. Esse é um embate globalizado que se traduz na transposição do São Francisco.



6. Para finalizar, você fez um longo comentário sobre a posição dos governadores, tecendo uma crítica particular à Deda, do Sergipe, porque se posiciona contra a transposição e “recebe água transposta do São Francisco”.

Pois bem, nós somos a favor da água para consumo humano em qualquer lugar. Por isso, nossa posição, como a do Comitê de Bacia do São Francisco, foi disponibilizar os 26 metros cúbicos de água restantes no São Francisco “para uso fora da bacia desde que, comprovadamente, fosse para abastecimento humano”. Mas, como você mesmo disse acima, a finalidade fundamental da transposição é o uso econômico. Por isso a resistência a essa transposição. Sempre dissemos que, se a Paraíba realmente precisa das águas do São Francisco para abastecimento humano, não há problema de fazer uma adutora e puxar água para Paraíba.

O governo nunca quis fazer o estudo da necessidade água para consumo humano dos estados demandantes, até porque, a finalidade da transposição nunca foi essa.



Enfim, gostaria de ter razões para me entusiasmar com o projeto, mas, ao contrário, só temos apreensões.

Agradeço seu longo comentário. Eu não tinha como responder de forma mais sucinta. Sou grato ainda ao Correio da Cidadania que nos permite esse debate.



Grande abraço.

Roberto Malvezzi (Gogó)
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0 #1 As duas faces de uma moedaPaulo Afonso da Mata Machado 20-08-2008 09:58
Tenho lido com bastante interesse os textos do Sr. Roberto Malvezzi, que tem o apelido carinhoso de Gogó. Trata-se de um ativista de grande potencial.

Meu caro Gogó:

Tomemos uma moeda de 1 real. Se alguém a utilizar para comprar três ou quatro pães para dá-los aos pobres, a moeda terá sido muito boa. Ao contrário, se alguém a usar para comprar maconha, a moeda terá sido muito ruim.

Toda obra tem os dois lados: o bom e o ruim. Compete a nós fazer o equilíbrio entre um lado e outro.

O projeto de transposição do rio São Francisco tem, também, seu lado bom. Será levada água para o Nordeste Setentrional em quantidade suficiente para que, nas localidades atendidas, seja aposentado definitivamente o caminhão-pipa.

Você já imaginou como a população será beneficiada com isso? Haverá água não somente em quantidade, mas, também, em qualidade. Será um golpe de morte nas verminoses e em outras doenças de contaminação hídrica, abundantes na região.

Em seu artigo, você prefere ver o lado ruim da moeda. Diz que é imprescindível a convivência com o semi-árido. Eu confesso que olho com reservas essa observação, pois o semi-árido brasileiro é o que tem maior número de habitantes entre todos os semi-áridos que existem no planeta.

É verdade que a população do semi-árido seria muito maior se não houvesse a migração para o Centro-Sul, pois somente na cidade de São Paulo há mais de dois milhões de nordestinos, quase todos fugitivos dos problemas causados pela seca.

Vamos, no entanto, desconsiderar esse fato, que é uma realidade desde o período colonial (já houve migração para o Norte, na época da borracha, migração para o Sudeste, na época de ouro do café e, mais recentemente, migração para o Centro-Oeste). Vamos admitir que a população precise aprender a conviver com o clima hostil do semi-árido.

Se formos observar a natureza do semi-árido, verificaremos que as espécies animais são típicas da região. Não me ocorre, por exemplo, que haja onça no semi-árido. Os animais são, em geral, de pequeno porte. Da mesma forma, a vegetação é típica da região, prevalecendo aquelas com raízes profundas ou que, como o mandacaru, conseguem armazenar água em suas folhas.

Nesse contexto, o homem é um intruso. Como imaginar que a espécie humana possa se desenvolver em um ambiente que, como disse linhas atrás, lhe é hostil?

Podemos, então, rever a observação de que o semi-árido brasileiro é o mais povoado do mundo. Acontece que a área também é muito grande. O Atlas Nordeste, a que você se referiu, considera a área do semi-árido como de 976.743,3 km². A população de 20 milhões de habitantes representa pouco mais de 20 habitantes por km². Se considerarmos que a região de Paris também possa ser considerada como semi-árida, vemos quão baixa é a densidade populacional do semi-árido brasileiro.

Portanto, concordo em parte com você. Os habitantes do semi-árido, sejam homens, animais ou plantas, devem-se adaptar à realidade local. No entanto, da mesma forma que onças e animais de maior porte não têm no semi-árido seu ambiente natural, o homem também não o tem.

Existem duas opções principais: incentivarmos os habitantes do semi-árido a continuar a migrar para outras partes do país ou levarmos água para a região, já que ela não a tem em quantidade suficiente para manter todos os seus habitantes no local. Levar água para a região, com todos os problemas que isso possa causar, é uma solução mais humana. A outra é continuar a incentivar a migração para outras regiões, como aconteceu, no passado, com a criação da transamazônica, que pretendia criar condições para que a população nordestina migrasse para a Região Norte.

Passemos agora à questão das adutoras, em que você diz que, se não começarem a ser feitas agora, até 2015 mais de mil municípios em todo o Nordeste poderão entrar em colapso hídrico. Você atribui essa informação à ANA, mas confesso que desconheço qualquer indicação nesse sentido.

O Atlas Nordeste é um estudo emergencial feito pela ANA para colocar água tratada nos municípios nordestinos com mais de 5.000 habitantes. É simplesmente impensável que grande parte dos municípios do semi-árido sequer disponham de água tratada. Como as condições de obtenção de água no semi-árido são muito difíceis (é a ANA quem diz) o simples fornecimento de água tratada a esses municípios do semi-árido vai demandar a fabulosa quantia de cerca de 3,6 bilhões de reais.

Nesse montante, no entanto, não está incluída a maior parte dos municípios com menos de 5.000 habitantes. E a solução não é apenas a construção de adutoras. Em muitos casos, terão que ser feitas transposições de uma para outra bacia, pois, em muitos deles, o déficit hídrico é espantoso. É necessária a execução de projetos localizados e isso demanda tempo e dinheiro. Chego, portanto, a duvidar desse orçamento. Não creio que, com 3,6 bilhões de reais seja possível colocar água tratada em todos os municípios do semi-árido com mais de 5.000 habitantes.

Olhe que estamos falando em abastecer municípios com mais de 5.000 habitantes. Não estamos falando em municípios com população menor e muito menos na área rural. Se não fornecermos água para a área rural, o êxodo para os grandes centros continuará a ser inevitável.

Por outro lado, a água da transposição servirá, também, para abastecer o agro-negócio, levando emprego e renda para o interior do Nordeste. Muitos perguntam como uma vazão firme de 26,4 m3/s será suficiente para tanta coisa. Chega a dizer, ironicamente, que o volume anual de evaporação no Castanhão é superior ao volume anual de água a ser transposta do rio São Francisco com essa vazão. Acontece que São Francisco fará o milagre de "multiplicação das águas". Como?

Os açudes do Nordeste perdem grande parte de sua água por evaporação e por vertimento. Como as chuvas na região se concentram em dois ou três meses, os açudes têm que se encher para guardar água para o período de seca. Assim, durante o período chuvoso, os açudes se enchem até à borda e perdem água por vertimento, como ocorreu em 2008. Depois, a água tem que ser economizada, porque precisa durar o ano inteiro. A essa economia forçada, o economista chama de "demanda reprimida". Mas há uma demanda que não pode ser reprimida: a evaporação.

Com a transposição, haverá um fluxo constante para os açudes ao longo de todo o ano. Assim, eles poderão trabalhar com capacidades muito menores, restringindo a perda por evaporação e praticamente zerando a perda por vertimento. Essa água, que seria perdida, será útil nas fazendas, na fruticultura, na criação de camarões e na tão esperada refinaria de petróleo a ser construída em Pernambuco.

Além disso, a transposição prevê vazões muito maiores quando Sobradinho estiver vertendo. O sistema está projetado para enviar até 127 m3/s para o Nordeste Setentrional. Durante os períodos de cheia do São Francisco, em que a população ribeirinha sofre com enchentes, esse excesso de água será mandado para os açudes do Nordeste, realizando mais um trabalho social para a população do baixo São Francisco.

Confesso que me entusiamo com esse projeto.

Finalmente, queria comentar a parte política. Você afirma que Marcelo Deda (governador de Sergipe) tem constantemente se manifestado contra a transposição. Quando ouço isso, fico bastante angustiado.

A bacia do rio São Francisco abrange 6 estados (Minas Gerais, Bahia, Goiás, Pernambuco, Alagoas e Sergipe) e mais o Distrito Federal. Nenhum deles, no entanto, está totalmente incluído na bacia do Velho Chico.

Muitos estranham que a transposição vá beneficiar o estado de Pernambuco, sendo que ele pertence à bacia do São Francisco. Acontece que parte de Pernambuco está fora da bacia e, além disso, é o estado com menor volume de água por habitante em todo o país.

Da mesma forma que Pernambuco não está totalmente incluído na bacia do São Francisco, Sergipe também não está. Nesse caso, há um fato curioso: sua capital, Aracaju, está fora da bacia do Velho Chico.

Acontece que Aracaju não é diferente das demais cidades do semi-árido. O rio Sergipe, que a banha, não tem vazão suficiente para abastecer todos seus habitantes. A solução adotada foi a importação de água da bacia do São Francisco.

Os aracajuenses foram premiados com a primeira transposição do rio São Francisco. E, como as outras transposições realizadas no Brasil (Sistema Cantareira, em São Paulo, Guandu, no Rio de Janeiro, lago Paranoá, em Brasília) é muito bem sucedida. Tão bem sucedida que a importação de água do São Francisco serviu para ativar as atividades industriais da cidade e, hoje, as adutoras de transposição para Aracaju e cidades vizinhas se encontram em fase de duplicação.

Por isso, quando ouço dizer que o governador de Sergipe é contra a transposição de água do São Francisco para o Nordeste Setentrional, lembro-me daquele ditado: o macaco se senta no próprio rabo para criticar o rabo dos outros macacos.

Amigo Gogó, sei que você tem uma grande capacidade de argumentação. Peço-lhe, no entanto, que não restrinja essa argumentação a apenas um lado da moeda.

Abraços.

Paulo Afonso da Mata Machado
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