Correio da Cidadania

Crise de alimentos?

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Há mais de quatro meses o mundo se vê apreensivo por conta de uma supostamente grave e aguda crise de alimentos, que afeta principalmente os países taxados como "subdesenvolvidos ou atrasados", mesmo tendo estes as maiores áreas plantáveis do mundo. Segundo o relatório de Direitos Humanos da ONU, mais de 100 mil pessoas, em especial crianças e idosos, morrem de fome todos os dias.

 

No Brasil, além do aumento no preço de alimentos básicos e mais utilizados pela maioria da população, como o arroz e o feijão, parece que o fantasma do passado chamado inflação começa a atormentar novamente. Num supermercado em Joinville, um quilo de feijão "carioquinha" chegou a custar 10 reais no mês de julho.

 

A grande mídia, principalmente a Rede Globo e seu jornalismo, omite os debates acerca desse problema de alimentos realizando matérias superficiais que mais confundem do que esclarecem a população, informando que o problema é de falta de alimentos, o que não é verdade, porque a produção mundial cresceu 4% na safra 2006/07 e a produção de milho cresceu 24% em todo o planeta. "Com os recursos naturais que temos, bem como a produção já disponível, poderíamos alimentar sem problemas 12 bilhões de pessoas. Quase o dobro da população mundial atual, que é de 6,2 bilhões", comenta o presidente da FAO, Jacques Diouf. Então, quais os verdadeiros motivos para essa "crise de alimentos"?.

 

A crise da produção de alimentos é conseqüência da liberação geral do comércio de produtos agrícolas, possibilitando que as empresas transnacionais como Bunge, Monsanto, Cargill, ADM, Nestlé, Unilever, Syngenta, Coca-Cola, Parmalat, Danone, Ralston Purina e outras controlem a produção e o comércio dos principais produtos agrícolas (sementes, fertilizantes e maquinários). É também fruto das políticas neoliberais iniciadas na década de 90 e fortalecidas nos governos FHC e Lula, que estão tirando a capacidade do Brasil de produzir alimentos que nossa população necessita graças a uma política voltada ao agronegócio e à monocultura, principalmente da cana-de-açúcar e da soja para exportação, e tendo o mercado (multinacionais, latifundiários e especuladores) controlado as bolsas de produtos agrícolas, de compra e venda atual, possuindo assim o poder de manipular os preços de alimento básicos, sem benefício algum aos pequenos e médios agricultores e também aos camponeses (maiores produtores de alimentos, responsáveis por cerca de 65% do total consumido internamente). São esses e os mais pobres que acabam como as maiores vítimas mundiais.

 

"A fome e a desnutrição não são efeitos de fatalidade ou de eventos geográficos. Ela é resultado da exclusão de milhões de pessoas do acesso à terra, à água, às sementes, dos conhecimentos e bens da natureza para produzirem sua própria existência. Ela é resultado das políticas impostas pelos países desenvolvidos, por suas transnacionais e seus aliados nos países pobres do sul, na perspectiva de manter a continuidade da hegemonia política, econômica, cultural e militar sobre o atual processo de reestruturação econômica global". Assim declara o relator de direitos da alimentação das Nações Unidas, sr. Jean Zigler.

 

Ainda no atual momento, discutem-se os problemas e contribuições dos agrocombustíveis na crise e, segundo o relator da ONU para os Direitos Humanos, "a expansão do cultivo dos agrocombustíveis é uma temeridade, substitui os alimentos, eleva os preços e se constitui num crime contra os pobres". Na região centro-sul do Brasil, maior defensor internacional do etanol, já se vê a cana-de-açúcar substituindo as lavouras de milho, mandioca e feijão, assim como a pecuária de leite e a pecuária de corte. O governo Lula dá a seguinte explicação sobre o aumento dos preços: "A culpa é dos subsídios que os governos dos países ricos dão aos seus produtores. Se caíssem os subsídios, os agricultores do sul poderiam aumentar sua produção e exportar para eles a menor preço". O presidente critica outros países por protegerem seu mercado e investirem em seus produtores, mas por que não faz o mesmo no Brasil?

 

Portanto, não há uma crise de alimentos. Há uma situação de aumento especulativo dos preços, que não está relacionada com a oferta e a procura. A causa da fome e da desnutrição está relacionada com a distribuição de renda nos países, com a oportunidade de trabalho e, fundamentalmente, com a falta de políticas que estimulem e garantam a produção agrícola. Hoje, as 255 maiores fortunas pessoais do mundo somadas são equivalentes a toda a renda de 2,5 bilhões de pessoas, ou seja, acumulam o mesmo que 40% de toda população mundial. Nos últimos 5 anos, não houve diminuição da produção, pelo contrário, a produção seguiu crescendo mais do que a população do planeta.

 

Também o modo de produção agrícola baseado no uso intensivo de fertilizantes químicos, agrotóxicos e a mecanização intensiva (Revolução Verde) têm afetado o equilíbrio e a fertilidade dos solos, além de ameaçar a água potável. Devido a essas técnicas que exigem irrigação intensa, hoje se consome 70% de toda água potável do mundo na agricultura. Estima-se que desde a Revolução Verde (monocultura de pinos, eucalipto etc.), cerca de 45 milhões de hectares tenham sidos danificados, bem como há hoje, no mundo, 1,6 bilhões de pessoas que não têm acesso à água necessária. Esse modelo tecnológico está fadado ao fracasso em todo planeta.

 

A Via Campesina Internacional, através dos movimentos sociais, entrega propostas para a saída dessa "crise" e pontua algumas necessidades, como a de reconstruir as economias baseadas em políticas que busquem e incentivem a soberania alimentar de cada país; regular e controlar o mercado internacional de produtos agrícolas e aplicar direitos básicos; garantir e estimular a produção de alimentos entre seus principais produtores – os camponeses; impedir que a OMC (Organização Mundial do Comércio) siga ditando normas para o comércio agrícola mundial; realizar a reforma agrária nos países nos quais as terras não foram democratizadas.

 

É necessário que os estados retomem com todas as forças as políticas agrícolas públicas, porém agora voltadas apenas para a agricultura camponesa, tendo como principais políticas agrícolas necessárias o crédito rural subsidiado na produção, garantia de compra da produção camponesa, seguro agrícola, assistência técnica, extensão rural do Estado (gratuita), sistema de armazenamento público e a subordinação da produção de agrocombustíveis às políticas de soberania alimentar e energética, ou seja, que não substitua áreas de produção de alimentos e nem afete biomas e ecossistemas ricos como a Amazônia, mas que seja combinada em pluricultura. Assim, cada comunidade pode produzir, sem monocultivo, a energia e o alimento de que precisam para seu bem-estar.

 

Willian Luiz da Conceição é militante do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra em Santa Catarina.

 

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Comentários   

0 #5 juca véiofelipe 04-09-2008 11:37
sou estudante e na minha opinião a crise de alimentos é um total abuso de autoridades na parte das maiores empresas o alimento tem q ser dadoa todo mun independente de classe social, raça.
o rede globo são um bando de fi.............tas
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0 #4 Rani Rocha 20-08-2008 12:13
Primeiramente PARABÉNS,
o artigo é de ótima qualidade, muito bem escrito e didático.
É muito importante que as pessoas saibam realmente o que está acontecendo no nosso país, onde só 5% da população está no campo e ainda querem produzir biocombustíveis, sem uma reforma agrária. Com todo o monopólio de hoje, onde poucos dominam muito, inclusive a informação, é inprescindível abrir discusões como essa.
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0 #3 ArtigoJoão Carlos Passos 19-08-2008 16:37
Parabéns, otimo artigo nos esclarece a verdadeira situação sobre a "crise de alimentos", vem com fatos e dados que contribui ao leitor. Sobre a "crise" os governos realmente tem obrigação de elencar prioridades, essas devem ser a soberania alimentar dos povos, reforma agrária e agricultura familiar.
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0 #2 A Farsa do Agronegócio IIRaymundo Araujo Filho 19-08-2008 14:42
A Farsa do Agronegócio II
* Raymundo Araujo Filho 10/06/2006

Há pouco menos de dois anos escrevi o primeiro artigo com o título acima.

Denunciava as más práticas agropecuárias, a intensa dependência de insumos tóxicos e aos mercados internacionais de “commodities”. Criticava a falácia dos “muitos” empregos gerados no campo (2,5 empregos a cada 400ha de terra), e concluía afirmando a mais completa insustentabilidade deste sistema agropecuário extremamente intensivo e monocultural, tanto sob os pontos de vistas ambiental e econômico, quanto relativo à qualidade dos alimentos produzidos. A tragédia dos transgênicos também foi apontada, naquele artigo.

Logo em seguida à sua publicação, lembro-me que o presidente Lulla optou por liberar um crédito para pagamentos, principalmente, de insumos (fertilizantes, sementes e venenos) devidos pelos agricultores às empresas multinacionais que dominam o setor. Esta atitude do presidente Lulla apenas expôs, ainda mais, a transferência de nossos recursos naturais, para os cofres destes verdadeiros sanguessugas de nossa agropecuária.

Para o leito de empresas como a Monsanto, Rhodia, Bayer, Roche, Novartis, Syngenta, entre outras escorrem os benefícios advindos de nosso ciclo natural que se inicia com a alta insolação que acomete ricamente o nosso país, a abundância (ainda) de água e solos férteis, e consolida-se com a portentosa capacidade de produzir seja lá o que for e municiada pela maior biodiversidade animal, vegetal e de microorganismos, constituindo assim o Brasil, na maior usina de fotossíntese do planeta. O emérito cientista e professor Bautista Vidal fala linda e verdadeiramente sobre esta capacidade de geração de energia produtiva da biomassa, em nosso país. A maior do mundo.

Mas, tudo isso está em risco! As sucessivas crises, agora permanentes, nos mostra isso, com clareza. Senão vejamos.

1)O Brasil detém a maior parte da água doce potável e utilizável na agropecuária do planeta. Mas a água doce representa apenas 3% da água existente na Terra. Destes 3% de água doce, 2/3 (66%) são utilizadas e contaminadas por fertilizantes nitrogenados e fosforados, além de venenos e medicamentos tóxicos de toda a sorte, nesta agropecuária predatória que chamamos vulgarmente de agronegócio corporativo, principalmente na produção de “commodities” como soja, milho, arroz, algodão, boi e fumo. Todos estes artigos com preços determinados por bolsas internacionais, no tal “comércio globalizado”.

2)As empresas que implantam seus “ovos de serpentes” aqui, são as mesmas que fazem o mesmo na Argentina, Tailãndia, Países Africanos, México, e outros, enfim podendo estas corporações manipularem seus preços ao seus bel prazer (e interesses).

3)Este é o jogo. Estimulam de forma insustentável uma super produção das matérias primas em vários países para poderem vender seus insumos patenteados e jogar com os preços, em função de uma rentabilidade determinada previamente com as vendas para os mercados do primeiro mundo, que as industrializam, agregando os valores necessários para sustentarem as suas insustentáveis práticas agropecuárias “modernas” (animais em confinamento, cultivos transgênicos, entre outros).

4)Assim, as crises vão se sucedendo em nosso campo, não só pelo conservadorismo e tacanhez dos ruralistas (com honrosas exceções), mas também pela própria natureza das relações comerciais entre um setor que produz matérias primas de forma totalmente dependente dos insumos industriais que, por sua vez, são patenteados e produzidos pelos mesmos que nos compram a preço vil, os ingredientes para a ração de seu gado, fumaça de seus cigarros, cafezinho, tecidos e toda a sorte de iguarias para consumo, fartos lá e escassos aqui.

5)A perda de substância e fertilidade de nossos solos, além da devastação da quase totalidade de nossas áreas com ecossistemas nativos também é causada por estas práticas agropecuárias insanas. A lixiviação de macro e micro elementos minerais e matéria orgânica, de permanência impossível em solos degradados leva nossa pujança produtiva literalmente para o ralo, ou rios. Junto com toda a sorte de resíduos tóxicos persistentes na natureza por séculos.

6)A transfiguração da homeostasia climática para regimes de verdadeiras catástrofes de toda a sorte, como secas intensas ou enchentes diluvianas. Tivemos uma extensa seca na região dos igarapés amazônicos, nos brindando macabramente com imagens que nunca imaginamos que veríamos. Leitos de rios totalmente secos dentro da maior reserva de água doce do mundo! E dizem que Deus é brasileiro...!

7)A conseqüente debacle na produção de grãos e outras “commodities” agropecuárias de exportação, a pressão para a importação de derivados lácteos já industrializados, a falta de proteção governamental, a incapacidade dos ruralistas diversificarem seus produtos, o impasse da reforma agrária e insuficiência técnica e conservadorismo dos seus projetos. Todas estas causas juntas promovem a maior crise já vista no setor, pelo seu caráter permanente no campo. Com todos os seus reflexos na vida e economia das cidades.

E o que faz o mal informado, e por isso alienado, presidente Lulla? Num arroubo de meia generosidade oportunista e eleitoreira libera mais um pacote para o setor, desta vez no valor de R$60 Bilhões, em meio a ameaças reais de paralisação da vida do país e não pelo PCC paulista, mas sim pela interrupção de nossas vias rodoviárias por produtores e ocupações de prédios públicos e terras improdutivas, pelos Sem Terras.

E para quê estas verbas? Novamente para saldar dívidas passadas dos produtores com bancos e cooperativas relativos aos mesmos insumos agropecuários (fertilizantes, sementes e venenos, além de algumas máquinas e equipamentos), acentuando a transferência de recursos do campo para as cidades (dos países dos outros...).
Assim vemos a recorrência deste círculo vicioso de nossa agropecuária dependente e monocultural e pouco audaciosa na agricultura familiar e reforma agrária. E em um cenário de forte queda dos preços agrícolas e flutuação descendente do dólar, descapitalizando ainda mais o setor.

Deste montante liberado, o agronegócio corporativo fica com cinco vezes mais numerário do que a agricultura familiar. É uma relação perversa. Não importando aqui os números absolutos do crescimento das verbas para a agricultura familiar. A relação ainda é muito desvantajosa. Principalmente porque pouco avança as compras públicas dos produtos deste setor, de forma encorajadora para os pequenos produtores, ainda despossuídos dos meios de produção agroindustrial e, por isso, dependentes de indústrias corporativas que os exploram vilmente e sob a placidez e abulismo (des)governamental.
Enquanto isso, o cantor de boleros e dublê de ministro da agricultura, Roberto Rodrigues diz-se sabedor que o pacote não saneia todo o problema, nem provisoriamente, mas não abre o bico para divulgar algum planejamento ou reestruturação do setor (sua demissão seria um bom começo). Parece que vai “empurrar com a barriga” até as eleições. Aí, lá nós vamos ver.......

Isto, em um país que no setor rural, em média, 70% das terras estão dentro do sistema monocultural ou abandonadas nas mãos de 5% das famílias e os outros 30% das terras estão na agricultura quase de subsistência por falta de apoio a cerca de 80% das famílias de agricultores. Os outros 15% fazem parte de uma minúscula classe média rural, cujas raízes na verdade estão já nas cidades. Além de muitos hectares de terras inutilizadas e/ou devolutas, finalmente agora doadas para estrangeiros e poderosas corporações com as Parcerias Públicas Privadas (PPPs), criminosamente sacramentada pelo (des)governo Lulla e, destas vez descaradamente apoiadas por inúmeras ONGs “ambientalistas”, que vêm nesta maluquice antinacional, apenas novas oportunidades de emprego para seus técnicos.

Enquanto isso, as periferias das cidades inchando de clientes do Bolsa Esmola e vomitando jovens vigorosos para o desemprego e o ócio não criativo. A um passo da criminalidade, afinal, o caminho oferecido aos sem-oportunidades.

No cenário internacional continuamos pagando R$200 Bilhões anualmente como juros de uma dívida que não devemos e a manutenção de um superávite primário que leva o (des)governo apenas a cortar verbas do orçamento da União para serviços essenciais como, p.ex., o corte nas verbas para a defesa epidemiológica, para compor o orçamento do FUNDEB (Fundo Nacional de Educação), recém aprovado. E isso em meio a uma verdadeira catástrofe de epidemias já instaladas a com risco de virem a se instalarem, entre nós.

Pera lá! Mas não era para mudar este cenário que o presidente Lulla foi eleito? Não era ele que dizia que faria uma reforma agrária pacífica? Que apoiaria a agricultura familiar e combateria os transgênicos? Que faria o Fome Zero e daria o primeiro emprego a milhares de jovens? Afinal, o único jovem empregado até agora foi o seu próprio filho, o novo empresário fraudulento do Brasil.

O que aconteceu? Alguém pode me explicar?
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0 #1 Barriga vazia ! Tanques cheiosdiogo Bird´s 19-08-2008 10:54
Como pode haver uma crise de alimentos se a producao aumenta todos os anos?
Essa dita crise vem para mostrar que nao falta o alimento no mercado e sim nao à renda no bolso da pupulacao para adquirir o mesmo!Como pode num planeta onde morrem 100 mil pessoas de fome todos os dias ainda querer tira areas que sao plantados alimentos para alimentar as pessoas para producao de cana-de açucar para a fabricacao de bio-combustivel!O que é a prioridade alimenta a populacao e evita a morte de 100 mil pessoas todos os dias ou à producao de combustiveis?
muito bem escrito esse artigo!
parabéns espero que continue escrevendo outros artigos!
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