Correio da Cidadania

O repugnante consumo de alto luxo

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Mais uma vez, a jornalista Mônica Bergamo, com seu imperdível artigo na Folha de São Paulo de domingo, deve ter desapontado muitos bilionários que procuram fofocas e holofotes nas deprimentes páginas das colunas sociais. Com números e fatos impressionantes, ela destrincha o “mapa do luxo” no país. De forma irônica, revela que “se tem um setor que não está precisando de um PAC é o do consumo de alto luxo. O país cresceu 3,7%, certo? Pois, o mercado de luxo explodiu: cresceu 32% no ano passado. Se, em 2005, o faturamento das empresas do ramo foi de US$ 2,9 bilhões, em 2006 saltou para US$ 3,9 bilhões... Em 2007, a estimativa é que fature US$ 4,3 bilhões”.

 

Poucos dias antes, o Banco Interamericano de Desenvolvimento divulgou estudo mostrando que 205 milhões de pessoas vivem abaixo da linha da pobreza na América Latina, o que equivale a quase 50% dos habitantes deste sofrido continente. Este dado alarmante comprova que o recente crescimento na região tem sido apropriado por poucos, pelos que se esbaldam no consumo de luxo, enquanto a maioria padece com menos de dez dólares por dia. “A expansão da economia não se reflete na melhora da qualidade de vida da maioria dos nossos habitantes”, reconheceu o presidente do BID, Luis Alberto Moreno. Os dois fatos corroboram a belíssima poesia do alemão Bertolt Brecht: “Dos rios se diz que são violentos, mas ninguém diz violentas as margens que os comprimem”.

 

“Precinho” da bolsa: R$ 7.000

 

Com base numa pesquisa inédita, feita pelo GfK Indicator, Bergamo informa que o consumo de luxo se expandiu no país e não é mais exclusividade das elites do eixo RJ/SP. “No ano passado, 74% das cerca de cem empresas ouvidas na pesquisa ampliaram seus negócios em São Paulo, neste ano, 59% anunciam a mesma intenção. No Rio de Janeiro, a queda é de 32% para 22%. Surpresa: 5% das marcas vão expandir os seus negócios em Recife (PE), que nunca aparecera nas estatísticas... As explicações são várias. No ano passado, no Nordeste, o consumo, em geral, cresceu 18% contra 6% no resto do Brasil. O fenômeno, associado ao incremento do turismo, com a atração de estrangeiros endinheirados, está fortalecendo e impulsionando o poder de consumo da classe média alta”.

 

A jornalista ilustra a reportagem com o caso da boutique Dona Santa/Santo Homem, a “Daslu do Nordeste”, um palácio de quadro andares no Recife, onde “a coleção de bolsas da Prada que aportou às prateleiras em janeiro já foi toda vendida. Precinho: R$ 7.000. ‘Algumas vêm aqui num dia para comprar uma blusa básica. Voltam no outro dia e compram o guarda-roupa inteiro’, diz Celso Ieiri, gerente da loja. Detalhe: a blusa ‘básica’ pode custar R$ 2.600”. Já são 9 mil clientes de luxo cadastrados no Nordeste. “Há cerca de dois anos, não era assim. A Dona Santa só vendia grifes nacionais. ‘Fizemos uma pesquisa e vimos que a cidade comportaria importados de alto luxo’, diz Juliana Santos. As vendas triplicaram. As melhores clientes chegam a gastar R$ 50 mil de uma vez”.

 

Outra prova da ostentação é a construção de empreendimentos de luxo no Nordeste. A moda agora são os campos de golfe, como o planejado pela Odebrecht na praia do Paiva (PE). “A empreiteira construirá hotéis, resorts, campos hípicos e condomínios com casas que custarão R$ 1,36 milhão. A Queiroz Galvão lançou um prédio com 34 apartamentos, a R$ 2 milhões cada. Vendeu tudo em 15 dias”. Se no Nordeste a situação é esta, imagine-se nas regiões mais ricas do Sul e Sudeste. Nestas paradas, a burguesia e as altas camadas médias estão rindo a toa.

 

Em Florianópolis, relata a jornalista, “até quem já está acostumado com o maravilhoso mundo do esplendor e da suntuosidade paulistanos se espanta com a quantidade de Ferraris nas ruas. ‘É uma coisa engraçada, meio Miami. Tem milionário de Goiás e Mato Grosso que deixa a Ferrari na garagem, em Florianópolis, e só utiliza em férias, finais de semana ou feriados’, diz Marcos Campos”. Recém lançado, o condomínio Jurerê Internacional é o mais caro do país, com os terrenos sendo vendidos R$ 2,5 milhões. “Só tem gente linda”, festeja um dos ricaços.

 

Causas da revoltante desigualdade

 

A reportagem de Mônica Bergamo, uma das poucas jornalistas que ainda mantém um aguçado senso crítico na tão deplorável mídia nativa, reforça a pesquisa apresentada no livro “Os ricos no Brasil”, organizado pelo economista Marcio Pochmann (2004). A obra apresenta uma radiografia detalhada da casta de abastados do país, revelando que apenas 5 mil famílias tem um volume patrimonial equivalente a 42% de todo o Produto Interno Bruto (PIB). Diante desta aberração, agora ilustrada pelo “mapa de luxo”, indaga: “Como é possível um país com mais de 177 milhões de habitantes possuir apenas 5 mil famílias portadoras de um estoque de riqueza equivalente a 2/5 de todo o fluxo de renda gerado pelo país no período de um ano?”.

 

Para responder à incômoda pergunta, o livro aborda a injusta formação histórica brasileira – desde a colônia até os dias atuais; analisa os mecanismos de poder da elite; e identifica as ilhas de riqueza nesse mar revolto de exclusão chamado Brasil. Já na introdução, adverte que “são justamente os ricos os portadores de maior poder no interior da sociedade, influindo direta e indiretamente nos mecanismos de produção e reprodução da riqueza e da pobreza. Por intermédio das elites políticas e econômicas, o segmento rico interage socialmente e termina por orientar, na maioria das vezes, a condução das políticas econômicas e sociais que resistem a uma redução da desigualdade”.

 

Essa capacidade da elite de manter seus privilégios, moldando distintos governos, explica a crônica manutenção das altas taxas de concentração de riqueza. “A estabilidade das classes superiores é surpreendente... Conforme o Censo de 1872, por exemplo, o Brasil possuía 10,1 milhões de habitantes reunidos em cerca de 1,3 milhão de famílias, sendo, porém, somente 23,4 mil o total de famílias ricas. Apenas 1,8% do total das famílias respondia por aproximadamente 2/3 do estoque de riqueza e de todo fluxo de renda do país... Já no ano 2000, apenas 2,4% das famílias residentes no país pertenciam às classes superiores”.

 

Filhos bastardos da financeirização

 

Ao considerar apenas o ínfimo estrato social composto pelas 5 mil famílias abastadas, o livro chega à chocante conclusão de que esse grupo (0,001% das famílias) manda no Brasil. “Estas famílias ‘muito ricas’, apesar da renovação da sua composição, permaneceram imunes às tentativas de combate à desigualdade, conformando uma sólida e poderosa aliança de interesses que resiste a qualquer mudança no anacrônico quadro distributivo”. A obra também apresenta tabelas inéditas sobre a concentração de riqueza e renda. Com mapas coloridos, ela localiza “onde estão os ricos no Brasil” e dá sólidas pistas sobre as metamorfoses nesse processo de acumulação.

 

Diferente de outras fases históricas, em que a riqueza nascia do latifúndio ou da intensa industrialização, hoje ela se forma no restrito circuito das finanças. A nova casta de abastados, filha bastarda da financeirização, não possui qualquer projeto de nação ou compromisso com seu povo. A partir da década de 90, a onda neoliberal “assegurou não somente ganhos financeiros ampliados – os quais são escoados também para empresários do setor produtivo e segmentos de altos rendimentos – como a atualização do padrão de consumo para as elites mantidas em posições estratégicas na hierarquia nacional... Elas lograram se ‘primeiro-mundializar’ sem sair do lugar”.

 

Ricos cada vez mais ricos

 

“Na verdade, os ricos brasileiros são cada vez mais ricos em geral, sem adjetivos ou qualificações. Ricos globais e financeirizados, fora do seu lugar... Não deixam de comungar os mesmos espaços, valores, utopias, tal como no passado. A diferença é que os novos ricos agora efetivamente não têm mais pátria. Abriram parcialmente mão do pesado fardo de serem exploradores de trabalho e de terem que produzir mercadorias dotadas de valor de uso. Residem na esfera da circulação, onde o capitalismo sempre se sentiu em casa. Trata-se de uma nova elite e de uma nova forma de riqueza que independe da produção e do emprego, ou pior, que vive do seu encolhimento”.

 

Esta elite individualista, consumista e ostentatória, retratada na reportagem de Mônica Bergamo e teorizada no livro de Marcio Pochmann, não tem qualquer preocupação com o destino do país e tem “nojo” do povo brasileiro. Mesmo não tendo o que reclamar do governo Lula, já que está batendo recordes no consumo de alto luxo, ela não vacila em destilar seu veneno reacionário e racista. Na recente greve dos controladores de vôos, no tal “apagão aéreo” aterrorizado pela mídia, presenciei uma cena que revela seu ódio de classe. “Eu não sou operário. Isso aqui não é ônibus de peão. Esse Lula dá dinheiro para os pobres, não cuida da aviação e ainda enche os aviões de gente que nunca voou na vida”, gritava, histérico e hidrófobo no saguão de Congonhas (SP), um executivo almofadinha.

 

 

Altamiro Borges é jornalista, membro do Comitê Central do PCdoB, editor da revista Debate Sindical e autor do livro “As encruzilhadas do sindicalismo” (Editora Anita Garibaldi, 2ª edição).

 

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