Correio da Cidadania

18 meses após ser pedida, CPI das milícias cariocas enfim será aberta

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Com a confirmação de que os atos bárbaros cometidos contra profissionais do jornal ‘O Dia’ foram de autoria de membros das milícias, cada vez mais atuantes na cidade, reabriu-se o debate em torno da necessidade de se instalar uma CPI na Assembléia Legislativa carioca acerca do tema. Requerida pelo deputado do PSOL Marcelo Freixo, a demanda só foi atendida um ano e meio após seu primeiro pedido, mais uma prova de que certas coisas só funcionam em nosso país quando o pior já aconteceu. No caso da equipe de jornalistas, quase.

 

Com o crescente desgaste da imagem da própria Alerj e com a dimensão que a tortura aos profissionais do diário tomou, outra decisão seria difícil de ser sustentada pela casa, o que, somado ao fato de nesta vez a mídia ser vítima, torna os deputados alvos fáceis de críticas por parte de toda a imprensa e sociedade. A capitulação por parte do deputado Flávio Bolsonaro - que já se declarou contrário a questões de direitos humanos e à instauração de CPI sobre as milícias -, dizendo que dessa vez não havia maneira de impedir os trabalhos investigativos, é evidência bem eloqüente de que ficar bem com a opinião pública é prioridade sobre proporcionar segurança à população.

 

Para Eduardo Alves, membro do PSOL e assessor de Freixo, "as milícias representam um aspecto do triplo fenômeno que envolve: privatização da segurança pública, criminalização da pobreza e criminalização da política". Sobre o empenho da Alerj em aprovar a instauração da comissão, suas afirmações podem ser desanimadoras do ponto de vista de quem se preocupa com o seu resultado. "A maioria dos deputados utilizaram como argumento para não aceitar a CPI o fato de que já existiam outras na frente e que havia limites para várias CPIs trabalharem ao mesmo tempo. Respondemos a isso colocando o debate substantivo da CPI das milícias e sua prioridade no Rio de Janeiro. Evidenciou-se assim uma clara posição contrária da Assembléia", afirma.

 

Com escândalos recentes que envolviam superfaturamento até da água e café comprados para a Assembléia, um movimento com vistas a bloquear as investigações de fato deixaria os deputados em posição desfavorável no debate com a sociedade civil. Portanto, tanto setores da mídia como da sociedade organizada devem seguir atentos ao desenvolvimento das investigações e seu futuro andamento, especialmente quando o escândalo da tortura aos jornalistas estiver um pouco mais fora de evidência e já tiver sido substituído por outros, hipótese mais que factível por aqui.

 

No entanto, alguns acontecimentos mais recentes em torno da questão podem fazer com que o cidadão comum se permita um pouco mais de otimismo. Dos sete membros eleitos para conduzirem os trabalhos da comissão, nenhum deles possui ligações com as milícias, o que nas circunstâncias locais é um importante passo no prosseguimento independente das investigações.

 

Porém, Freixo alerta que o sucesso da CPI não significa automática punição aos envolvidos na complexa rede de relações entre políticos e milicianos. "É evidente que o processo da CPI pode acumular informações para a ação no legislativo ou para ações na área criminal. No entanto, essas segundas (na área criminal) devem ser encaminhadas para o Ministério Público e para o Judiciário na expectativa que esses tomem as devidas providências", lembra o deputado.

 

O deputado ainda procura explicar alguns componentes da questão e o significado mais complexo que a reveste. "A luta contra a criminalização da pobreza está no centro da conjuntura do Rio de Janeiro e as milícias encarnam o principal instrumento da criminalização. Após o ocorrido com jornalistas do ‘O Dia’ se acumulou uma visão próxima à nossa. Os atos que se sucederam e outros que estão marcados só contribuíram para fortalecer uma visão social crítica", opina Freixo.

 

Outro obstáculo que poderá ser encontrado nos caminhos da investigação é o da violência e das ameaças contra os próprios integrantes da comissão. Intimidações veladas a quem pretenda investigar e elucidar a situação das milícias já ocorreram. "Aparecem ‘paus mandados’ (funcionários ou não de milícias) nas atividades, ameaçando militantes e principalmente o Marcelo Freixo. Já foi criado um sistema de segurança para ele, mas precisamos reagir politicamente para dar o máximo de visibilidade ao processo. Precisamos avançar com conteúdo e responsabilidade", aponta Eduardo Alves, membro do partido e coordenador da equipe do deputado.

 

Para Marcelo, "o que está no centro do debate é o papel do Estado. Objetivamente, o papel do estado do Rio de Janeiro como peça-chave de um movimento paramilitar, paralelo ao próprio Estado, mas que se apropria da sua estrutura (funcional e bélica) para realizar suas operações", explica.

 

Enfim aprovada, os membros da comissão terão um prazo de 90 dias, prorrogáveis para 150, para investigar, ouvir depoimentos e entregar o relatório final, reunindo provas e denúncias suficientes para serem encaminhadas ao Ministério Público Estadual e ao Poder Judiciário, que a partir disso poderá aplicar penas aos eventuais envolvidos. "A CPI tem a responsabilidade de desmascarar a utilização e participação do Estado nesse processo criminoso e ilegal que impõe aos moradores das comunidades pobres o terror em busca do lucro", completa o deputado, eleito presidente da comissão.

 

Gabriel Brito é jornalista.

 

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