Correio da Cidadania

Nova política industrial é ficção face às restrições da política macroeconômica

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Há algumas semanas, mediante o lançamento em grande estilo de uma nova política industrial pelo governo Lula, o Correio constatou, em conversa com o economista Guilherme Delgado (para ler a entrevista, clique aqui), que o novo pacote do governo mantinha intacta a ortodoxia estagnacionista e dependente.

 

Prosseguindo o debate - nesse momento em que o governo pretende, ao que parece, oficializar mais um aumento da meta de superávit fiscal primário, de 3,8% para 4,5% do PIB, agora independentemente da aprovação do fundo soberano, para o qual seria direcionado este superávit -, entrevistamos o economista Luiz Filgueiras, professor da Faculdade de Economia da Universidade Federal da Bahia – UFBA - e autor, entre outros, do livro História do Plano Real.

 

O economista faz uma extensa retomada dos fundamentos de nossa política econômica, desde a era FHC até o atual governo Lula, para chegar à conclusão de que nada mudou substancialmente – corroborando, portanto, a idéia supramencionada da ortodoxia estagnacionista. Ademais, sem alterar as bases de nossa política macroeconômica, qualquer política industrial será, no mínimo, inócua, afirma Filgueiras.

 

Confira abaixo.

 

Correio da Cidadania: Como você enxerga as mais novas medidas de Política Industrial do governo, lançadas em maio, com a desoneração fiscal de várias atividades até 2011– totalizando cerca de 21 bilhões de reais - e incentivos de cerca de 210 bilhões de reais do BNDES até 2010 para financiar os setores industrial e de serviços?

 

Luiz Filgueiras: Essa Política industrial é chamada Política de Desenvolvimento Produtivo, como se pudéssemos ter uma política de desenvolvimento improdutivo!

 

Precisamos compreender que temos uma política macroeconômica hoje em dia que expressa uma certa tensão dos setores dominantes da sociedade brasileira, econômicos e políticos. E essa questão se expressa na política monetária e cambial principalmente. Isso, pois, por um lado, temos taxas de juros elevadas; por outro, taxa de câmbio valorizada. O real está muito valorizado em relação ao dólar e isso já vem de algum tempo, desde 2004, e essa valorização não parou mais. Essa relação do câmbio valorizado com a taxa de juros elevada se deve ao fato de que os juros altos facilitam a entrada de capital estrangeiro (em dólar). Ao que se somam os saldos positivos da balança comercial (exportações menos importações de mercadorias) – ou melhor, o saldo total de transações correntes, que computa a balança comercial mais a de serviços, onde o saldo positivo da primeira compensa o saldo negativo da segunda -, levando assim a um grande volume de dólares entrando pela conta de transações correntes. Além disso, com a economia crescendo, aumenta a entrada de investimento direto.

 

Temos, portanto, uma liberalização da conta de transações correntes e da conta de capitais, e isso com taxas de juros elevadas. Desse modo, acabamos com uma valorização cada vez maior do real.

 

Do ponto de vista das exportações, como houve um ciclo econômico de expansão a partir de 2003, puxado por EUA, Índia e China, aumentou-se muito a demanda por commodities, impactando seus preços. E muitas delas fazem parte da pauta de exportações brasileira, que está muito calcada nas commodities agrícolas e minerais, e também em produtos voltados ao mercado energético. Porém, entrando na área das exportações de média e alta tecnologia, temos um déficit enorme. Assim, acaba-se fazendo o superávit através das commodities, onde temos uma grande competitividade, tanto na área agrícola quanto na mineral.

 

CC: Esse cenário conforma aquilo que você chama de reprimarização dos nossos padrões de comércio, não?

 

LF:Fundamentalmente isso.

 

O nosso padrão de inserção internacional continua o mesmo, e, com essa taxa de câmbio supervalorizada, não se consegue dar competitividade a segmentos industriais de média ou alta intensidade tecnológica, pelo fato de esses setores necessitarem de uma proteção maior, pois não têm capacidade de competir abertamente com estrangeiros. Eles já estão na 3ª revolução tecnológica, muito à frente de nós, o que exigiria uma proteção a esses setores. Essa proteção é feita, entre outras maneiras, através do câmbio competitivo, pois, com real desvalorizado, o mercado interno fica mais protegido, já que fica mais caro importar componentes de alta tecnologia, e, ao mesmo tempo, facilitam-se as exportações das empresas daqui, dando-lhes mais competitividade.

 

Nossa balança comercial tem sido, no entanto, sustentada pelas commodities, pois se exporta de qualquer maneira, a qualquer câmbio, pois o cenário internacional é favorável.

 

Temos um padrão de inserção muito ruim, que não é diferente de antes. Em 1984, tínhamos 1,4% de participação nas exportações mundiais. Hoje, ela está em torno de 1,18%. Ou seja, há mais de vinte anos, em plena crise do modelo de então, na famosa década perdida, tínhamos uma participação maior. Por aí se vê como involuímos ao longo dos anos, podendo cair a menos de 1%. Com o câmbio mais desvalorizado e taxa de juros mais baixa, no médio e longo prazo, seria possível redefinir uma pauta de exportações brasileira, no sentido de se agregar valor e se começar a viabilizar uma competitividade nos segmentos de média e alta intensidade tecnológica.

 

CC: Houve alguma inflexão, nesse sentido, entre os governos de Fernando Henrique e de Lula, em sua opinião?

 

LF:O que o governo Fernando Henrique não mudou, Lula também não mudou, é o mesmo padrão. A situação, portanto, é que temos a mesma política macroeconômica desde o governo FH, que funciona à base da taxa de juros elevada para regular a meta de inflação, superávit fiscal primário (receitas menos despesas, exceto juros) e taxa de câmbio flutuante, definida pelo mercado. Lula, inclusive, aumentou o superávit (hoje está em 4,25% do PIB, quando antes era de 3,8%) e agora quer aumentá-lo mais meio ponto, para que se possa criar o Fundo Soberano.

 

Esta política econômica começou em janeiro de 99 com FH, que teve de depreciar o câmbio da época, que funcionava como âncora do combate à inflação. Tiveram de flexibilizar o câmbio e promoveram uma grande desvalorização cambial na época, adotando-se essa política de câmbio flexível. Paralelamente a isso, substituiu-se a âncora cambial pelas metas e inflação e adotou-se uma política de superávit fiscal primário de 3,75% do PIB

 

Essa mudança expressava o seguinte: no 1º governo FH houve hegemonia estrita do capital financeiro, que ganhou muito com o plano real. Isso porque o câmbio, como agora, estava valorizado, mas era o que segurava a inflação. Com a abertura comercial proveniente da valorização cambial, os saldos negativos sistemáticos da balança comercial eram cobertos com o capital especulativo, além da venda das estatais num primeiro momento. Mas essa situação trazia um problema sério, o da vulnerabilidade externa - não só no Brasil, como no México também, que foi o primeiro a quebrar com plano semelhante em 95; depois, tivemos a crise da Ásia em 97, que possuía uma abertura parecida com a nossa; da Rússia em 98; do Brasil em 99, seguido da Argentina e do Brasil novamente. Assim, ficou evidente que essa política econômica era inviável, o que gerou a mudança em janeiro de 99, que desvalorizou o câmbio para poder reduzir o déficit da balança comercial, buscando um superávit que viesse a compensar as despesas com os juros.

 

Portanto, se olharmos a evolução das contas externas desde 99, quando houve a mudança da taxa de câmbio, observa-se que a balança comercial vai melhorando gradativamente, e em 2001 já é positiva. Em 2002, outro saldo positivo, de 12 bilhões. E a partir de 2003 até 2007, há saltos sucessivos, pois, além de um câmbio desvalorizado, embarcamos no boom do comércio internacional.

 

Essa mudança toda expressou de forma clara que o modelo econômico liberal (que chamo de liberal periférico) não tinha sustentação nas condições em que foi mantido no primeiro governo FH, pois não havia competitividade para se manter naquela situação.

 

Quando, por sua vez, se desvaloriza o câmbio e se modifica a política econômica, o capital financeiro começa a cobrar a fatura com o superávit fiscal primário. Esse superávit, porém, é em real, e o capital financeiro precisa de dólar para enviar ao exterior. É, portanto, a desvalorização cambial que vai viabilizar esses dólares, em particular o setor exportador brasileiro, com as vendas de commodities.

 

A partir do segundo governo FH, há, assim, uma redefinição do bloco de poder, do ponto de vista político-econômico. Ou seja, aquela hegemonia do capital financeiro do primeiro governo teve de ceder espaço ao capital exportador. E esse capital, que tem segmentos industriais, mas é principalmente agroindustrial, torna-se o fiel da balança para viabilizar o capital financeiro. Há, a partir daí, uma remessa de lucros para o exterior maior que a de juros para pagamento da dívida externa.

 

Essa situação foi, evidentemente, favorecida pelo boom do mercado internacional, puxado pelas economias americana, chinesa e indiana.

 

CC: Quando, mais especificamente, começaram novamente a se agravar os problemas da balança comercial em função da valorização cambial?

 

LF:Essa valorização vem se agravando desde 2004, mas o saldo da balança comercial tem se mantido positivo, pois as exportações têm crescido em função da competitividade das commodities. No entanto, como a economia está com um crescimento um pouco maior do que no período FH, especialmente nos últimos 2 a 3 anos, tivemos um crescimento das importações numa rapidez muito maior do que a das exportações. O saldo da balança comercial está, desta forma, diminuindo de tal forma que, nos últimos 4 anos, caiu 65%. Com essa queda, já não cobre o saldo da balança de serviços, estruturalmente negativa. E acrescente-se, por causa exatamente dos investimentos diretos, a remessa de lucros e dividendos para o exterior, componentes dessa conta de serviços.

 

Começamos, assim, a novamente ter saldo negativo nas transações correntes, consumindo-se produto estrangeiro em detrimento do nacional, pois, com o câmbio valorizado, fica mais barato importar.

 

CC: Essa situação caminha para nova insustentabilidade a longo prazo?

 

LF:Tudo indica que, se não se tomar uma providência nessa área, voltaremos a ter saldo negativo estrutural nas transações correntes, e daí ficaremos dependentes dos capitais entrando pelo outro lado, via investimento direto - o que, num segundo momento, sobrecarrega a balança de serviços com a remessa de lucros – e via capital especulativo, com investimento em ações e títulos do governo.

 

Está, portanto, voltando a aparecer, do ponto de vista conjuntural, uma vulnerabilidade estrutural. Ressurge a ameaça de vulnerabilidade externa, que é a tendência, pois, quanto mais negativo for o saldo nas transações correntes, maior a vulnerabilidade do Brasil, mais frágil ele ficará em face de qualquer conjuntura internacional desfavorável.

 

CC: E, no entanto, ao se observarem os noticiários econômicos, os leigos ficam com a impressão de serem agora habitantes de um país muito robusto, que fortaleceu incrivelmente seus fundamentos econômicos. O que explica o aparente paradoxo?

 

LF:No fundo, o que temos é a mesma política macroeconômica, porém com resultados um pouco mais positivos, em função da conjuntura internacional, que puxou os índices de crescimento a partir de 2003.

 

Mas, apesar desse contexto, quando se compara nosso país com outros países como Rússia, China, Índia, ou nações da própria América Latina, o Brasil apresenta uma taxa de crescimento mais baixa. Na realidade, o governo tenta dizer que mudou a política econômica, mas o que se vê é o contrário: que, apesar da política econômica, o Brasil obteve taxa de crescimento mais elevada que no período anterior, por conta da conjuntura internacional favorável. O que significa que, se a política macroeconômica fosse outra, poderíamos ter uma taxa de crescimento bem maior.

 

CC: Ou seja, estamos diante de um estrondoso problema estrutural em nossa economia.

 

LF:Exatamente. E esse problema está associado a um governo que tem uma abertura comercial, de um lado, e abertura financeira, de outro, e cuja política macroeconômica não provê competitividade pelo lado da balança comercial.

 

Os manuais de macroeconomia tradicionais ensinam que, com câmbio flutuante, sem interferência do Estado, haveria confluência para um equilíbrio automático no mercado de câmbio, através da entrada e saída de dólares pela balança comercial e de serviços. O problema é que isso não acontece, pois, do outro lado da balança de pagamentos, pela conta de capitais livres, está entrando muito capital, tanto especulativo, como por via do investimento direto. Assim, o que se imagina como reequilíbrio automático não acontece de fato, pois continuamos com uma enorme oferta de dólares.

Há, destarte, uma tensão permanente entre as classes dominantes. Enquanto a economia mundial estiver crescendo, a tensão se reduz, quase zera. Mas, conforme a economia brasileira vai crescendo - e ressalte-se que as exportações brasileiras vêm crescendo por conta do aumento de preços, não de volume -, essa tensão significa uma contradição no interior das classes dominantes, entre o capital financeiro e o exportador. Uma unidade de contrários, pois, ao mesmo tempo em que têm interesses mútuos, possuem contradições. Estas se expressam na política macroeconômica, na taxa de juros elevada e no câmbio sobrevalorizado. Essa tensão tem aumentado nos últimos meses, pois a balança comercial está reduzindo lentamente seu saldo, o que complica o balanço de pagamentos, algo nada bom para o capital financeiro.

 

CC: E essas novas medidas do governo de política industrial serão capazes de incidir nesse círculo vicioso?

 

LF:Fiz esse preâmbulo todo exatamente para falar dessas medidas. Trata-se de medidas a fim de buscar competitividade da indústria brasileira e tentar consertar essa política macroeconômica. É como se houvesse dois caminhos para a política econômica. Um é a política macroeconômica, que valoriza o câmbio, eleva juros, e, portanto, provoca elevação do custo dos investimentos, além de tirar competitividade das exportações da indústria nacional, facilitando as importações, o que complica o balanço de pagamentos de médio e longo prazo. Do outro lado, há a política de desenvolvimento produtivo, com a qual vão tentar recuperar a competitividade através da desoneração fiscal em diversos segmentos e da concessão dos empréstimos do BNDES.

 

CC: Estamos diante de uma maquiagem, para mudar tudo sem nada mudar de fato?

 

LF:Na realidade, não é exatamente uma maquiagem. Mas com a hegemonia do capital financeiro, sua centralidade na política macroeconômica, é uma tentativa dos segmentos dominantes de menor força de tentar mostrar uma outra saída.

 

CC: Mas, mantida essa política macroeconômica, isso se torna impossível.

 

LF:Exatamente, com essa estrutura e política macro, eles não conseguem. Não se pretende estabelecer controles para o capital, nem desvalorizar o câmbio e nem baixar a taxa de juros - então, esses segmentos que se sentem prejudicados e se expressam também no bloco dominante saem por essa válvula de escape, que seria a política industrial. Porém, é complicado fazer uma política industrial que não se complemente com a política macroeconômica. Esta não é coerente nem compatível com essa política fiscal que pretendem promover.

 

O volume de recursos que tal política propõe, em torno de 21 bilhões de reais ao longo de 3 anos, seria rapidamente conseguido com a desvalorização cambial e a queda da taxa de juros. A idéia da política industrial não é ruim, porque visa fortalecer setores de alta intensidade tecnológica, de nanotecnologia, tecnologia da informação, biotecnologia, indústria da saúde, enfim, uma série de segmentos importantes. Mas acredito que o impacto disso será muito pequeno, considerando-se a profundidade da política macroeconômica. É como se o barco estivesse afundando e usassem uma cuia para tirar a água de dentro. Quer dizer, essa política industrial não anula e nem compensa a retirada da competitividade que a política macroeconômica traz.

 

CC: E, nesse sentido, o fundo soberano - de cuja criação parece ter desistido o presidente, mas não de mais um aumento da meta de superávit primário - não seria uma resultante da queda de braço entre a Fazenda e o Banco Central, na medida em que os seus recursos deveriam se originar de maior superávit primário? Este último não estaria sendo também acobertado sob o manto do desenvolvimentismo?

 

LF:O fundo caminha na mesma linha da política industrial. Nesse caso, temos a expressão daquela luta entre setores dominantes. De um lado, o Banco Central, de outro, a Fazenda. Ou seja, os aparelhos do Estado expressam esse mesmo conflito.

 

O superávit primário é hoje de 3,8% do PIB e querem aumentar esse valor em 0,5%. Esse meio por cento a mais representaria cerca de 13 bilhões de reais - e o pessoal conservador da direita já faz a sua crítica, dizendo que esses 13 bilhões deveriam ser destinados a pagar a dívida pública.

 

Qual é a idéia? Comprar dólar com esses 0,5% a mais de superávit primário e formar um fundo, que estão chamando de Fundo Fiscal de Investimento e Estabilização. O fundamento é o seguinte: quando se compra dólar, que será aplicado lá fora, desvaloriza-se o câmbio. Seria assim uma tentativa de enfrentar a valorização do câmbio.

 

Por outro lado, esse dinheiro seria usado lá fora em aplicações mais rentáveis do que as das reservas brasileiras.

 

Ocorre que, ao comprar reservas, o BC emite títulos da dívida pública para enxugar o dinheiro que ele jogou no mercado com essa compra, pagando juros de 11,75%, que é a Selic. Então, na verdade, quanto mais reservas se adquirem, mais a dívida pública interna cresce. Enquanto essa dívida é paga a taxas de 11,75% , as aplicações nos títulos do governo americano, que é para onde se dirigem as reservas, rendem 2%, configurando-se um prejuízo. Portanto, o Fundo Soberano buscaria aplicações mais rentáveis que essa. Há ademais a idéia de utilizar recursos do BNDES para o financiamento de exportações de produtos brasileiros, da Petrobrás, além da internacionalização das empresas estatais lá fora.

 

A idéia em si, conforme salientei quanto à política industrial, não é ruim. Mas, novamente, não dá para analisá-la solta, fora do contexto macroeconômico. Configura-se, mais uma vez, uma situação de disputa entre setores do capital pela hegemonia e elaboração das políticas econômicas. E o saldo disso tudo pode ser pífio: vão retirar muito dinheiro da saúde, educação e outras áreas carentes para investir nesses outros setores, em troca de um impacto muito pequeno, resultante exatamente de uma política macroeconômica que trabalha em outra direção.

 

CC: Ou seja, sem mudar os pilares da economia, o círculo vicioso pernóstico vai se reproduzir.

 

LF:Sem mudar esse modelo da política macro, temos saídas parciais e de impacto bastante limitado. Boa parte de todo esse movimento é mais voltado a tentar mobilizar o capital privado do que propriamente o Estado, diferente de como se fazia na época do modelo de substituição de importações, que hoje não tem condições de ser reeditado.

 

CC: Como o tão comemorado Investment Grade se envolve nessa história, a seu ver?

 

LF:Acho que se trata mais de algo político e ideológico, algo subdesenvolvido. Quem faz essas avaliações são agências privadas de risco, que inclusive erraram de montão com relação às instituições financeiras na crise americana. Não é algo que mude muita coisa, os investimentos estão entrando agora por causa do maior crescimento econômico, dessa situação mais favorável da economia mundial. Com taxas de juros e economia crescendo, tem-se uma maior movimentação de capitais. Portanto, não creio que uma porcaria de agência de risco seja quem vai dizer que o país agora é confiável.

 

CC: Finalmente, a crise internacional vai pegar o Brasil ou viramos mesmo a menina dos olhos do capital financeiro, crença que pode ser induzida pelo discurso tão ‘otimista’ do governo? Há alguma correlação entre essas medidas recém tomadas e a crise que começou nos EUA?

 

LF:É obvio a crise tem um impacto na economia brasileira, em função do consumo da população. O consumo nos EUA estava muito calcado no boom do mercado imobiliário. As pessoas vão fazendo uma hipoteca atrás da outra, para que se possam pegar novos empréstimos, alimentando o consumo. Ao final, a casa vale a quantidade de empréstimos tomados? O consumo americano cresceu muito rápido e criou o endividamento das famílias americanas. Na medida em que essa bolha fura, as pessoas perdem capacidade de consumo. E o consumo americano estava puxando as exportações chinesas, bem como as exportações do resto do mundo.

 

Ademais, o mercado financeiro chegou a tal nível de complexidade que não se tem conhecimento de como as coisas realmente estão, pois as próprias instituições financeiras não informam dívidas, até por questão de proteção e disputa. Ou seja, os próprios Bancos Centrais não têm a dimensão correta do tamanho da crise. E isso tem a ver com o fato de que a globalização financeira nos últimos 20 anos passou por profunda desregulamentação, sem maior controle por parte de cada país.

 

O fato é que a crise tem dois caminhos de entrada. Um deles é a curto prazo, com a fuga do capital. Quando a crise se aprofunda, o efeito mais imediato é a desvalorização cambial, aprofundando-se a vulnerabilidade externa. O segundo caminho é decorrente da desaceleração da economia americana, que impacta a economia mundial, com a queda na demanda por commodities.

 

Esse último caminho nos deixaria numa situação muito ruim, pois já há uma queda vultosa do saldo comercial, mesmo com as commodities ainda em alta. Como as importações estão subindo muito rapidamente, devido à valorização cambial e ao crescimento da economia, caiu violentamente o saldo comercial. Se houver um movimento de queda aguda da atividade econômica mundial, o impacto será ainda mais desastroso a médio e longo prazo, em função de nossa inserção subordinada na economia mundial.

 

Valéria Nader, economista, é editora do Correio da Cidadania.

 

(Colaborou o jornalista Gabriel Brito)

 

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