Correio da Cidadania

Alimentos padecerão com reforço da exportação de commodities para cobrir rombo externo

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O homem comum sente nesta conjuntura dos últimos doze meses uma forte pressão dos preços dos alimentos (cereais, grãos, carnes e proteínas animais em geral) no orçamento familiar, em geral congelado. Aumentos de 30, 50 e de até 100% de preços no varejo de produtos alimentícios básicos – arroz, trigo, carnes etc. - são um fato preocupante numa economia que havia estabilizado sua taxa de inflação no entorno de 3,5% ao ano.

 

Diante do fato, pululam as explicações oficialistas para o caráter externo e conjuntural do choque dos preços – impelido pelo choque do petróleo e pela exacerbação da demanda asiática (China e Índia) por "commodities". Na explicação dos economistas de plantão da mídia, também se corrobora a dupla versão: choque externo e conjuntural.

 

Essa explicação é meio verdadeira – de fato há um choque mundial de "commodities" e para o resto do mundo a situação poderia ser caracterizada como conjuntural, ou seja, seria revertida nas próximas safras agrícolas mediante movimentos do próprio sistema de preços de mercado. Mas para o Brasil a situação é diferente. O ponto crucial da diferença específica é o formato que vem se estruturando, há vários anos, da inserção do setor agrícola brasileiro no chamado setor externo da economia. Vejamos qual é esta situação.

 

Problemas de ajuste no balanço de pagamentos, mais especificamente na conta de transações correntes do balanço de pagamentos, levaram a política econômica dos governos Fernando Henrique Cardoso II e Lula I e II a apostar todas as fichas do ajustamento econômico na super-exportação de produtos primários. A partir de 2003, até 2007, o país acumulou superávits sucessivos na conta corrente: 4,06 bilhões em 2003; 11,7 em 2004; 14,0 em 2005; 13,6 em 2006; e apenas 3,6 em 2007. Em 2008, a situação se reverteu completamente, pois já se acumula um déficit de cerca 15,0 bilhões, com tendência a atingir pelo menos 25 bilhões até o final do ano.

 

Ora, a situação de super-exportação de produtos oriundos do setor agrícola, soja, milho, carnes, açúcar e álcool, celulose de madeira, no período 2000-2006, quando as exportações agrícolas cresceram em média 15% ao ano (conforme balanço comercial do agronegócio do Ministério da Agricultura e Pecuária), levou a um "equacionamento" da conta corrente instável e inviável a longo prazo. Tão logo a economia revelasse tendência ao crescimento, explodiriam as importações industriais – e mais ainda a remessa de lucros do capital estrangeiro, exacerbando o déficit estrutural dos "serviços". Tudo isso está acontecendo agora, levando a forte reversão do saldo da conta corrente já no primeiro trimestre de 2008, em velocidade preocupante.

 

Mesmo desconsiderando outros fatores presentes na atual situação da reversão (valorização cambial excessiva, desindustrialização, política de juros do Banco Central etc.), o que a atual conjuntura externa tem também de preocupante para o consumo de alimentos é o processo de ajuste em pauta: 1) super-acelerar a exportação do setor primário, tendo em vista tapar o buraco externo (política comercial e agrícola); 2) frear a demanda interna e o crescimento econômico para atender ao ajuste externo, política do BACEN, agora reciclada com formato perseguido em outras conjunturas similares. A conseqüência dessas políticas é pressão sobre preços dos alimentos ou volta à estagnação, ou ainda a combinação de ambas.

 

Nesse contexto, aparentemente a tábua de salvação seria o investimento direto estrangeiro, agora aparentemente recalibrado pelo decantado "investment-grade" da "Standard & Poor’s". O leitor que tire suas conclusões, pois já não há mais espaço neste artigo. É "tábua de salvação" ou aumento no tamanho da corda no pescoço?

 

Leia também o texto A geopolítica dos biocombustíveis e a crise dos alimentos, do professor Carlos Walter Porto Gonçalves.

 

Guilherme Costa Delgado, economista do IPEA, é doutor em Economia pela UNICAMP e consultor da Comissão Brasileira de Justiça e Paz.

 

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