Correio da Cidadania

Agricultura e especulação

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Um calafrio percorre o mundo. Estão faltando alimentos. E os que existem estão se tornando muito caros. Só num ano o trigo subiu 130%. E na Ásia o arroz duplicou de preço em três meses.

 

Segundo cálculos da FAO, esta subida de preços aumentou o número dos famintos em cem milhões, que se acrescentam aos 845 milhões já existentes antes da crise atual.

 

O que está acontecendo?

 

A pergunta é pertinente. Analisando melhor alguns dados, salta aos olhos que na origem desta crise existam distorções que precisam ser identificadas, denunciadas e corrigidas.

 

Em 2007, a produção mundial de grãos foi de 2,3 bilhões de toneladas. Um aumento de 4% sobre o ano anterior. Portanto, a crise não vem da diminuição da safra.

 

De 1961 a 2007, a produção de grãos no mundo triplicou, enquanto a população somente duplicou. São dados que precisam estar presentes numa análise atenta para compreender o que se passa.

 

O Brasil se orgulha de ser um país exportador de grãos. Calcula-se que a safra de grãos neste ano chegará a 139 milhões de toneladas. Parece muito. Mas é pouco. Os Estados Unidos, só de trigo, produzem 150 milhões de toneladas. No Brasil existem terras ociosas em toda parte. Por que não são cultivadas?

 

A crise atual denuncia o desvirtuamento da agricultura, em todo o seu processo produtivo. É preciso voltar ao bom senso e recuperar a finalidade primordial da agricultura, que é a de produzir alimentos para saciar a fome da humanidade, não fazer dela um mercado lucrativo para os que especulam com a fome das pessoas.

 

Introduziu-se na agricultura a especulação financeira. De acordo com Paul Waldie, no ano 2000 havia perto de cinco bilhões de dólares apostando na variação dos preços agrícolas. Dinheiro que não se destinava a comprar nenhuma tonelada física, mas só especulava em cima da variação de preços. Em 2007, este número saltou para 175 bilhões de dólares, aplicados na especulação que produz lucros às custas das manobras para aumento dos preços agrícolas.

 

Esta a primeira perversão da agricultura. A agricultura se tornou um negócio especulativo. No Brasil esta especulação se materializa na concentração em quatro ou cinco grandes companhias transnacionais que dominam o mercado exportador de grãos. A agricultura virou negócio especulativo.

 

Outra perversão está no sistema produtivo. Quem mais produz alimentos, está provado, é a agricultura familiar. A produção de alimentos supõe um relacionamento efetivo e afetivo do agricultor com a terra. Este relacionamento torna viável a permanência do agricultor em sua propriedade, para nela cuidar da plantação com a dedicação e competência que ela requer. Mas o governo prefere se encantar com as grandes empresas, que fazem da agricultura o "agronegócio", cujos parâmetros de eficiência são o lucro, não o atendimento às necessidades de alimentos da população.

 

Mas em cima da agricultura caem outras especulações, sobretudo através do preço dos insumos. A desculpa para o seu constante aumento era o preço do dólar, dado que muitos dos seus ingredientes precisam ser importados. Agora o dólar baixou. Mas os insumos continuam subindo. De tal modo que o agricultor continua apertado. Diante desta situação, o governo permanece na inércia, reverenciando submissamente as "leis do mercado", que não podem ser alteradas pelo Estado.

 

A crise é sinal de alerta para se repensar por inteiro a agricultura. De vez em quando a própria realidade se encarrega de sacudir as consciências e convocar para o bom senso. Na Campanha da Fraternidade deste ano, constatamos a urgência de escolher a vida. Agora, a crise de alimentos nos ensina que é a realidade que nos escolhe, nos adverte, se em tempo queremos entender os apelos que ela nos faz.

 

D. Demétrio Valentini é bispo de Jales.

 

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