Correio da Cidadania

Cuba e as novas meias verdades

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Faz pouco mais de dois meses apenas que Fidel Castro renunciou ao cargo de comandante-em-chefe da revolução cubana. Em seguida, seu irmão Raúl Castro assumiu o poder trazendo consigo algumas medidas que pareciam representar uma transição do país caribenho a novos tempos, leia-se abertura para o mercado internacional.

 

Desde então, não faltaram especulações em torno do futuro da ilha e especialistas vaticinando que a aventura revolucionária começava a viver seus momentos derradeiros, rumando agora para uma entrada ‘lenta, gradual e segura’ na vida regida pelo capital e consumo.

 

Talvez para justificar essas previsões, informações ou fatos específicos - como o recente aumento nas pensões pagas pelo Estado - são analisados por uma perspectiva única de mercado e mundo, de modo a sugerir que são todas medidas tomadas com o mero intuito de permitir ao povo cubano um crescimento de seu poder aquisitivo, o que serviria como demonstração da ‘abertura’ pela qual passa a ilha.

 

"Cuba tinha outras prioridades diferentes à de proporcionar acesso ao telefone celular para a população. O problema alimentar atualmente foi resolvido em Cuba. No que se refere ao transporte, está sendo solucionado, principalmente graças à importação de numerosos ônibus da China. Quanto à moradia, trata-se, sem dúvida, da principal dificuldade que a população enfrenta", escreveu Salim Lamrani, do diário Rebelión. A informação pode ter dupla utilidade: serve para compreender o que o governo cubano entende por prioridades de Estado e também para mostrar que o acesso ao consumo desenfreado talvez não seja a maior ânsia da população para com o seu futuro.

 

Não se discute que Cuba é um país escolarizado e consideravelmente culto. Sendo assim, podemos concluir que o debate público em torno do que deve ser feito daqui em diante é um pouco mais complexo do que se divulga, além de contar com uma maior e mais efetiva participação da população – que, por sua vez, discute e faz sugestões via fóruns e universidades de todo o país, fatos que por sinal já tivemos a oportunidade de ver escancaradamente distorcidos pela mídia de massa.

 

É evidente que o cubano, assim como qualquer pessoa no planeta, deseja obter acesso a telefones celulares, assim como a veículos e televisores novos. No entanto, não se pode embarcar na idéia de que estão todos ávidos e contando os minutos pela abertura do primeiro McDonald’s em Havana.

 

"É preciso lembrar que nos anos 1980 os cubanos tinham acesso com abundância aos bens de consumo. Trata-se simplesmente de que estão suprimindo restrições que já não têm razão de ser. Assim, o governo decidiu alugar terras ociosas para pequenos produtores privados com a finalidade de aumentar a produção agrícola, no momento em que os preços das matérias primas atingiram picos históricos", conta o texto de Lamrani, dando mais um indício do que se passa na ilha.

 

De fato, não é fácil encontrar nos jornais cubanos informações esclarecedoras sobre projetos políticos e o futuro pós-Fidel. Os meios de comunicação costumam apenas reproduzir aquilo que o governo decide e anuncia. No entanto, uma coisa que facilmente caracteriza o tratamento dado pela mídia mundial aos temas cubanos é seu foco em torno de debater como será a capitulação cubana ao sistema dominante. No país do rum e dos bailes de cabaré, porém, a discussão parece muito mais centrada numa melhora do socialismo existente por lá, não na sua substituição por outro modelo.

 

Com inegáveis problemas internos e a existência de uma elite exilada que pode voltar a sonhar em retomar as rédeas do país, é natural que muito se especule e se tente adivinhar sobre o futuro cubano. No entanto, os acontecimentos que se seguiram após a renúncia de Fidel mostram que a pressa não é a maneira ideal de se analisar o que acontecerá com uma nação que foi capaz de resistir por tanto tempo.

 

"Atualmente, a economia de energia que foi conseguida permite enfrentar a demanda da população, o que explica a eliminação progressiva das restrições quanto à aquisição de novos aparelhos eletrodomésticos, computadores e outros. Assim, os cubanos têm acesso a uma seleção mais ampla de bens de consumo", prossegue a matéria do Rebelión.

 

Cuba, muito provavelmente, passará por mudanças. Porém, atento a isso, e sem perder a conexão com seu propósito socialista, o próprio governo procura antecipar-se às tentações que podem vir de fora e o faz à base de pequenas concessões que contentem e segurem os ímpetos de mudança de sua população. Dessa forma, o processo de transformação da ilha tende a ser menos acelerado, qualitativa e quantitativamente, do que se propaga.

 

Gabriel Brito é jornalista.

 

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