Correio da Cidadania

Agronegócio, desenvolvimento e meio ambiente (2)

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Semana passada, ao analisar a relação entre agronegócio e desenvolvimento, argumentei como é enganador o termo "agronegócio" quando usado de forma genérica, como se fosse um bloco único. Isto porque as diferentes culturas possuem contribuições ao desenvolvimento bastante distintas. Defendi ainda que, em termos relativos, a contribuição da maioria dos setores do agronegócio ao país não é tão grande como se costuma vender, mas que poderia sê-lo, caso algumas ações específicas fossem tomadas. Retomo o assunto, mas deslocando o ponto de vista para a (tensa) relação entre o meio ambiente e as diferentes culturas englobadas no termo agronegócio. Para todas elas, esta relação não é positiva (e nunca o foi em termos históricos), apesar de tímidos avanços em algumas áreas.

 

Historicamente, o primeiro agronegócio por aqui foi a cana-de-açúcar. No mesmo esquema de várias culturas atuais, baseava-se em enormes extensões com monocultura e quase nenhuma distribuição da riqueza gerada. Hoje, trocam-se os senhores de escravos por usineiros e os escravos pelos bóias-frias ou meia dúzia de maquinistas (ou por escravos mesmo, em vários casos), mas o esquema é fundamentalmente o mesmo. Com a cana foi-se quase toda a Mata Atlântica do Nordeste, hoje reduzida a minúsculos fragmentos.

 

Atualmente, ela avança vorazmente tanto sobre áreas de outras culturas (portanto deslocando-as para outros locais e gerando indiretamente novos desmatamentos) quanto sobre o Cerrado e, cada vez mais, sobre a Amazônia. Depois da cana veio o café. Com ele, avançamos sobre as matas do interior de São Paulo e de parte de Minas Gerais.

 

Até que aportamos no século 20 e, a partir das décadas de 70/80, o Brasil começou a despontar mais e mais no cenário agropecuário mundial, algo que só vem acelerando-se. As culturas em que nos destacamos multiplicaram-se: milho, soja, algodão, laranja, arroz e tabaco. Na pecuária, com tanto espaço e grãos disponíveis, também deslanchamos com o gado bovino, suíno e com as aves. Em quase todos estes itens estamos entre os quatro maiores produtores e/ou exportadores mundiais. E o setor e o mundo querem ainda mais. O agronegócio vende a idéia, comprada por sua vez dos países ricos, de que somos o celeiro (e o estábulo, o pasto, a granja) do mundo. Mais recentemente, passamos a querer ser a bomba de combustível do mundo também. É este o papel principal reservado ao Brasil no cenário do jogo de poder mundial por aqueles que o controlam: exportador de matérias-primas ou de produtos com baixíssimo valor agregado. As vantagens apregoadas são as óbvias: terra abundante, sol e água (além, claro, da mão-de-obra barata).

 

Quanto às desvantagens, bem, estas são disfarçadas, omitidas ou mesmo falseadas. No campo ambiental, são inúmeras. Talvez a mais séria delas seja a destruição de habitats. Após termos destruído a maioria dos ambientes naturais nas regiões Sul, Sudeste, e em parte do Nordeste e Centro-Oeste, o avanço agora se dá na região Norte, na porção ocidental da região Nordeste e no norte do Centro-Oeste.

 

Tal como ocorreu em outros períodos da história, a expansão agrícola avança hoje sem freios, organização, controle ou respeito a regras. Por exemplo, desde o Código Florestal de 1967 que foi estabelecida uma porcentagem de cada propriedade rural que deveria ser preservada (posteriormente denominada de Reserva Legal, RL) e também as Áreas de Preservação Permanente (APPs), que deveriam ser mantidas independentemente das RLs, em virtude de seu papel no ambiente, tais como áreas nas margens de rios, encostas íngremes, topos de morros etc. Porém, basta andar pelas estradas das regiões Sul e Sudeste para perceber que Reserva Legal e APPs são peças de ficção – as normas foram e são sistematicamente ignoradas. Ninguém fez nada nestes anos todos e ainda estamos muito lentos em cobrar dos proprietários a recomposição ou outra forma de ressarcimento. Tal fato é mais grave ainda se considerarmos que desde o Código Florestal de 1934 que estes conceitos e áreas já aparecem, embora com outros percentuais e denominações.

 

Este padrão predatório segue na atual expansão da fronteira agrícola na Amazônia e no Cerrado, locais onde a RL deve ser de 80% e 35%, respectivamente. Uma espiadinha em imagens de satélite das áreas ativas de expansão é mais eloqüente que este texto todo para demonstrar tal fato. E a mesma carência de fiscalização e lentidão na punição é observada.

 

Os arautos do agronegócio costumam repetir que o Brasil possui em torno de 60 milhões de hectares cultivados e que ainda podemos expandir muito mais. Os mais exaltados chegam a falar em até 400 milhões de hectares de terras cultiváveis no país (quase metade do país). Estes se esquecem de mencionar que já temos cerca de 220 milhões de hectares com pastagens (isto mesmo, um quarto do Brasil só para os simpáticos boizinhos e vaquinhas). Esquecem-se também da quantidade de áreas degradadas, atualmente abandonadas (as estimativas variam de 50 a 90 milhões de hectares). Outro lapso comum é que as áreas de vegetação natural remanescentes nos estados já degradados (e na fronteira agrícola o padrão que vai formando-se é similar) geralmente são fragmentos dispersos e com pouca conexão entre si, empobrecidos e incapazes de sustentar toda a riqueza biológica permitida por áreas de matas extensas e contínuas. São importantes, sem dúvida, mas uma versão bastante simplificada do ambiente natural e que tende a empobrecer-se cada vez mais, dependendo do tamanho da área. Já no sítio do Ministério da Agricultura, as propostas são mais modestas e fala-se em 90 milhões de hectares para a expansão agrícola, além da conversão de pastagens em áreas agriculturáveis, pelo aumento da produtividade, e na utilização de áreas degradadas.

 

Curioso que alguns defensores da soja argumentam que a expansão do cultivo do grão no Brasil nos últimos anos deveu-se em parte por conversão de antigas pastagens e em parte por expansão no Cerrado, mas nada significativo na Amazônia. Tudo muito lindo, mas então alguém pode explicar a este colunista por que o desmatamento na Amazônia não pára de crescer? Se apenas o aumento da produtividade na pecuária é o responsável pelo aumento da produção e se a expansão agrícola pode dar-se exclusivamente por conversão de pastagens, aumento da produtividade e expansão em outros locais, então o leitor, eu e todos os cientistas do INPE devemos ser loucos e estar apenas imaginando que o desmatamento está aumentando na região Norte do país.

 

A explicação na verdade é simples. Todo o argumento sobre as formas como se deu o crescimento agrícola e da pecuária e como ele pode prosseguir é história da carochinha. O crescimento não é feito de forma planejada, a maioria dos fazendeiros da região Norte não está nem aí para a questão ambiental nem para regras a serem cumpridas, não há fiscalização suficiente, o Estado é ausente na maior parte da região e é mais barato e lucrativo abrir novas áreas do que recuperar as já degradadas. Sim, é verdade que a soja pode vir no rastro das pastagens já degradadas, mas estas estão em contínua expansão na região Norte e vão continuar expandindo-se.

 

As argumentações acima escondem ainda outro componente altamente pernicioso: de que devemos nos preocupar apenas com a Amazônia, mas que com o Cerrado tudo bem, podemos desmatar à vontade para a expansão da fronteira agrícola. Na verdade, tudo mal, dado que o Cerrado já está atualmente bastante degradado e fragmentado, e que o ecossistema tem a importante função de regular o clima da região central do país, bastante seca em boa parte do ano, além de ter uma alta biodiversidade que merece ser preservada.

 

Para aqueles que acham justificada a degradação com o eterno argumento da importância do agronegócio no PIB, da geração de empregos etc., lembremos que, se formos olhar comparativamente, os setores do agronegócio perdem para a maioria dos outros setores industriais nestes quesitos. É só lembrar que não há nenhuma nação predominantemente agrícola que seja uma potência econômica e que nenhuma potência atual chegou a isso baseando-se na agricultura. Em segundo lugar, dependendo do grau de alteração que promovermos na Amazônia, poderemos inclusive, de acordo com alguns modelos científicos, influenciar negativamente a precipitação de chuvas em outros locais e, conseqüentemente, a produção agrícola. Mais: com o aumento da percepção do valor de diversos serviços ambientais fornecidos pela natureza (regulação climática, prevenção de erosão, estocagem de carbono), poderemos vir a arcar no futuro com os custos gerados pela cessação destes serviços. Por fim, a degradação em alguns locais pode nos custar a morte de uma galinha com muito mais ovos de ouro que o agronegócio: o turismo.

 

E isto tudo focando a análise em apenas um quesito ambiental, o da destruição de habitats naturais. Lembremos que ainda há muitos outros: uso desmedido de agrotóxicos, assoreamento de rios, perda de solo e desertificação.

 

Rogério Grassetto Teixeira da Cunha, biólogo, é doutor em Comportamento Animal pela Universidade de Saint Andrews.

 

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Comentários   

0 #1 \"Neoplantation\"Abrahão Púpio 18-04-2008 08:10
As vezes penso que os historiadores deveriam rever seus escritos, pois acho que o plantation ainda vige por aqui, só que de uma forma mais sofisticada, pois os aparelhos ideológicos do Estado (escolas, mídia oficial etc) e setores privados que o parasitam (na verdade, parasitam dois de seus componentes clássicos: povo e território) trabalham arduamente para forjar e inculcar esquemas de percepção lastreados na ótica GLOBAlizante: excludente, sectária, terrorista, desigual, enfim, capitalista.
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