Correio da Cidadania

Show da imprensa na morte de Isabella

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A morte da menina Isabella, por si só um acontecimento chocante e dramático do ponto de vista pessoal e familiar, acabou se transformando num grande espetáculo para as emissoras de rádio e TV, os jornais e as revistas, que passaram a dedicar exagerado espaço para uma cobertura jornalística de conteúdos e objetivos questionáveis e duvidosos.

 

Não é de hoje que a chamada grande imprensa empresarial - os principais veículos de comunicação de alcance nacional - exploram de forma sensacionalista crimes bárbaros e situações que são transformadas em escândalos com uma dimensão desproporcional em relação a outros fatos e acontecimentos mais relevantes para a sociedade.

 

A inversão de critérios é evidente: os fatos não são analisados por sua relevância social e pelo impacto de racionalidade que possam ter para o desenvolvimento da sociedade; são tratados apenas pela possibilidade da exploração emocional e passional, de maneira que provoquem o máximo de choque e nenhuma reflexão coletiva mais aprofundada.

 

No caso da morte da menina Isabella, aparentemente uma fatalidade (como tantos outros casos isolados que ocorrem diariamente pelo Brasil afora), a cobertura da mídia - na busca de audiência e de aumento de vendagem nas bancas - tratou como se fosse uma novela, com capítulos diários recheados de detalhes irrelevantes e paralelos, mas dosados - com a ajuda da Polícia, do Ministério Público e do Judiciário - de suspense suficiente para manter o telespectador (leitor e ouvinte) aprisionado no enredo da história.

 

Apenas para destacar esse tratamento diferenciado, no mesmo dia da morte da menina, 150 soldados da tropa de elite da Polícia Militar do Rio de Janeiro invadiram uma favela e assassinaram 10 pessoas. Não foi a primeira vez, nos últimos meses, que a PM do Rio cometeu tamanha barbárie contra uma comunidade pobre. No entanto, a grande imprensa nacional deu apenas um pequeno registro desse crime violento praticado pelos agentes do Estado.

 

Do ponto de vista da relevância social, o crime do Rio atenta contra toda a sociedade, pois representa uma violação bárbara de direitos. No entanto, o tratamento dado para esse genocídio carioca é o da banalização total do crime, é o do rebaixamento do valor das vidas humanas porque os mortos estão localizados na escala mais baixa das condições de vida no País.

 

Do ponto de vista do espetáculo e da comercialização dos fatos, o caso da menina Isabella "permite" muito mais exploração inconseqüente do que as 10 mortes do Rio de Janeiro. No caso da Isabella, a mídia dissecou todos os detalhes possíveis, entrevistou dezenas de pessoas, desde parentes até colegas e professores. No caso do crime do Rio, o assunto morreu no mesmo dia e o povo brasileiro nada ficou sabendo sobre as vítimas, quem eram, quais as suas histórias, o que faziam, quem são os seus parentes e porque foram assassinadas.

 

Em momentos como esse é que se verifica que o jornalismo brasileiro sofre de grave distorção nos seus critérios de seleção dos assuntos, na escolha do destaque dado aos fatos e na linha dos enfoques. Mais importante do que transformar atos anti-sociais (crimes) em shows de emoção, é analisar a realidade – política, econômica e social - que gera a violência e leva o ser humano ao ato anti-social.

 

O papel mais nobre da imprensa é o de fornecer para a sociedade o material jornalístico que contribua efetivamente para elevar o nível de informação, de consciência e de compreensão da nossa realidade.

 

Originalmente publicado no jornal Brasil de Fato – http://www.brasildefato.com.br/

Hamilton Octavio de Souza é jornalista e professor da PUC-SP.

 

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Comentários   

0 #2 Méris T. C. Senkpw 19-04-2008 14:44
Assim como o Hamilton, fico horrorizada com todo o circo que se formou em torno desse caso, circo esse que está abalando a tranquilidade de pessoas comuns. Sou professora da rede pública, e diariamente escuto de meus alunos comentários sobre os fatos do caso Isabella, que vem fazendo com que criem fantasias acerca de seus relacionamentos com madrastas e padrastos. Uma aluna de 7 anos, por exemplo, chorava compulsivamente dias desses, portque irá passar o feriado com o pai e a madrasta e está com medo que lhe aconteça algo de ruim; outra criança, numa produção livre de texto, fez uma síntese do caso, colocando fatos tão detalhadamente, como se aquilo fizesse parte de sua própria vida.
Nossas criançãs estão expostas a todo esse sensacionalismo, e as grandes redes de comunicação enriquecendo ainda mais, a custa da tranquilidade de pessoas comuns, que por não possuirem um nível cultural suficiente para formarem suas opiniões, se deixam levar pela opinião de gente que não pensa no outro, mas que enxerga apenas o seu próprio umbigo (e as verdinhas que entram em suas contas bancárias).
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0 #1 Maria Elena Teixeira 17-04-2008 14:35
O senhor professor está com toda razão,meu irmão foi assassinado pela mulher dele dormindo com 9 facadas depois de um dia estafante de trabalho,ela passou o dia bebendo muita cerveja,não saiu nada nos jornais e assassina esta solta,provas tinha suficiente,mas ninquem (policia )foi averiguar esse fato tem dois anos e foi em Rio das Ostras,porque era pobre e pastor evangélico.
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