Correio da Cidadania

O meio ambiente em 2007: retrospectiva

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Imaginamos que uma boa forma para se escrever este artigo retrospectivo sobre a questão ambiental em 2007 seria recorrer ao texto perspectivo “O meio ambiente em 2007”, que publicamos no início deste ano, e verificar os acertos, os erros e as surpresas.

 

De um ponto de vista global, o assunto de maior importância, e que dominou as pautas, foi o efeito estufa. Pois bem. Previmos que Bush iria ter que recuar pelo menos alguns passos, dada a adesão a metas de redução de inúmeros prefeitos, e até governadores, republicanos. Mas concluímos também que, no fundo, “as chances de uma mudança significativa de atitude dos EUA neste ano são muito pequenas”. Acertamos em parte. Bush ensaiou reuniões alternativas e modificou seu discurso logo no início do ano, admitindo pela primeira vez que o aquecimento global era “um problema mundial sério". Além disso, anunciou metas de redução de 20% no consumo de gasolina no país até 2017 e sugeriu o endurecimento das normas que regulam o consumo de combustível e a emissão de dióxido de carbono de alguns veículos.

 

Supusemos ainda que o Reino Unido seria um dos atores principais na luta contra o aquecimento global. Aqui erramos. O Painel Intergovernamental para as Mudanças Climáticas (IPCC) tomou boa parte da cena, com seu relatório nada animador. Al Gore projetou-se mais do que nunca, ao ganhar o Oscar e o Nobel. E, já no apagar do ano, tivemos a conferência de Bali, cuja conclusão deu-se após o fechamento deste artigo. Teve ao menos um aspecto positivo, que foi a adesão da Austrália ao Protocolo de Kyoto, importante por sua resistência anterior e por diminuir o bloco dos opositores.

 

O balanço geral neste assunto tem lados bons e ruins. Destaque negativo para dois blocos de países. Um, dos opositores do protocolo, capitaneados pelos EUA e pelo Japão, que se recusam a discutir metas claras e definidas. O outro bloco que merece desaprovação é o dos países em desenvolvimento, que também se recusam a contribuir. Têm um bom argumento, de que a maior parcela de responsabilidade deve recair sobre os maiores emissores, os quais já se desenvolveram e deram melhores condições de vida a suas populações. Mas, esquecem-se que há outras formas de contribuírem e que, no fundo, o problema é de todos e cairá com mais força nas costas dos pobres. O Brasil poderia muito bem tomar a liderança das discussões sobre planos sérios de desmatamento zero. Isto seria uma enorme contribuição dos países amazônicos ao planeta e também extremamente positivo para o nosso país como um todo. Porém, prefere ficar choramingando contra as barreiras ao etanol tupiniquim e aos subsídios dados ao etanol de milho, que, se suspensos, poderão nos trazer muito mais problemas. A posição brasileira, contrária a aceitar metas externas de redução dos desmatamentos, não está soando nada bem, como já chamávamos a atenção no início do ano. Pior, tem contribuído, junto com as resistências de outros países, a fazer com que as discussões fiquem eternamente emperradas.

 

Do lado positivo, temos que nunca se discutiu tanto o assunto. Pode ser pouco, mas lembremos que algumas conquistas sociais começaram justamente assim, com discussão e efervescência e também com muita resistência por parte de setores poderosos da sociedade.

 

As surpresas, neste assunto de aquecimento global, deram-se por conta de fatos específicos, porém extremamente graves, sobre os quais não se poderiam fazer previsões. Dois são os destaques. Um foi o enorme incêndio na Califórnia, que certamente contou com uma mãozinha das mudanças climáticas. Outra foi a abertura, pela primeira vez, de um canal navegável pelo Oceano Ártico. Daqui para a frente, o leitor pode dar como certo que fatos como estes dois certamente irão tornar-se mais e mais comuns.

 

No campo nacional, os eventos mais importantes ficaram em torno das futuras obras do PAC e dos biocombustíveis. O presidente Lula tomou a linha de frente de um discurso repetitivo e, em boa parte insustentável, segundo o qual o combustível feito de vegetais é a salvação para o planeta e para os problemas ambientais que a humanidade enfrenta. Viu no futuro do etanol a chance de atingir níveis chineses de crescimento econômico e não pára de repetir o mantra enjoativo do etanol, enganando apenas quem deseja ser enganado.

 

Previmos uma disputa entre a ministra do Meio Ambiente, Marina Silva, e a da Casa Civil, Dilma Rousseff. Escrevemos: “o cenário está montado para que as demandas ambientalistas sejam atropeladas. Principalmente em se tratando de grandes obras de infra-estrutura e energia”. Aqui erramos no quesito da disputa, porque Marina pareceu tão fraca que a impressão é que não houve qualquer disputa. Porém, acertamos no resultado. Marina, com pouco poder, apenas ensaiou uma oposição tímida a alguns projetos, mas foi atropelada por Dilma e Lula e não conseguiu impor resistência.

 

Felizmente para o meio ambiente, erramos ao dizer que haveria uma boa chance da usina de Belo Monte ser iniciada ainda em 2007. As discussões sobre a obra esfriaram, bem como as campanhas midiáticas, uma vez que todas as atenções centraram-se nas hidrelétricas do Madeira. Mas é preciso ficar atento, pois elas mais cedo ou mais tarde voltarão, e com os mesmos argumentos de sempre: precisamos crescer; precisamos de energia para crescer; o projeto foi melhorado e agora contempla as demandas dos ambientalistas e ribeirinhos; ir contra ao projeto pode significar desemprego e atraso do desenvolvimento. E toda a baboseira de sempre. As usinas hidrelétricas no rio Madeira demoraram mais do que o mercado e parte da mídia gostariam, mas, enfim, está tudo acertado para que se comecem as obras. Ainda deve haver resistência de parte da sociedade, mas isso já é assunto para o artigo perspectivo de 2008.

 

Acertamos em cheio ao prever que Lula iria tocar a transposição do rio São Francisco. O que não poderíamos imaginar é que o bispo D. Luiz Cappio iria reiniciar sua greve de fome e colocar este enorme abacaxi nas mãos do governo. Concordemos ou não com a atitude extremada do bispo, a obra é cercada de controvérsias e a grande mídia não desempenhou um papel de informar corretamente os cidadãos a respeito dos argumentos prós e contra a obra. Está preferindo tratar o assunto como uma novela de “vida ou morte”.

 

Previmos ainda que possivelmente veríamos mais um ano de seca e de redução de desmatamentos na Amazônia. Ambos os fatos confirmaram-se. Porém, um evento relevante foi que em certas regiões verificou-se um forte recrudescimento no desmatamento a partir de julho. Lamentavelmente isto confirma as teses dos ambientalistas, que há tempos vinham alertando para o fato de que as reduções dos últimos anos haviam ocorrido por fatores conjunturais, que um dia iriam reverter-se, e não pelas poucas ações do governo. Isto obrigou o ministério a tentar algumas ações emergenciais, cuja eficácia ainda teremos que verificar. Porém, ainda estão esquivos em assumir as causas reais mais importantes destas flutuações, ligadas a variações nos preços de grãos e carne e a aspectos climáticos.

 

Na triste lista de nossos acertos, computamos ainda o andamento do infeliz projeto de concessão de florestas públicas à gestão privada, visto ser este um ponto em que todos do governo tinham a mesma opinião. O edital de concessão da primeira área, na floresta Nacional do Jamari, em Rondônia, foi publicado, e a área deve começar a ser explorada em breve, possivelmente já em 2008. É de certa forma emblemático que o primeiro edital tenha sido para uma área de Rondônia, um dos estados onde o desmatamento tem aumentado com maior intensidade e que já se encontra bastante degradado, com inúmeros e flagrantes desrespeitos à lei. E ainda sofrerá, em breve, sob o ponto de vista dos problemas ambientais, com a construção das hidrelétricas do Madeira. Vamos ver que tipo de “empresários” irão candidatar-se a explorar a floresta. Talvez os mesmos responsáveis pelo aumento de 600% no desmatamento em setembro (quando comparado ao mesmo período do ano passado).

 

Este é, da nossa perspectiva, um resumo geral do ano que passou. Infelizmente, mais um que não deixará muitas saudades, do ponto de vista ambiental.

 

Rogério Grassetto Teixeira da Cunha, biólogo, é doutor em Comportamento Animal pela Universidade de Saint Andrews; Rodolfo Salm, doutor em Ciências Ambientais pela Universidade de East Anglia e pela Universidade Federal de São Carlos, é pesquisador do Museu Paraense Emílio Goeldi; Danilo Pretti Di Giorgi é jornalista.

 

Email dos autores: Este endereço de email está sendo protegido de spambots. Você precisa do JavaScript ativado para vê-lo.
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