Correio da Cidadania

Irã: deputado reformista enfrenta Judiciário conservador

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No começo de novembro, o deputado reformista iraniano Mohmoud Sadeghi ousou questionar o Ministério da Justiça sobre 63 contas bancárias suspeitas do presidente do Judiciário, o aiatolá Sadeq Larijani. Havia indícios de que estas contas estavam recheadas com grossas quantias de origem ilegítima.

 

Sadeghi baseou-se em denúncia do grupo Ahmad News, que denunciara ter Larijani em suas contas pessoais nada menos do que 50 milhões de libras em recursos públicos.

 

Larijani, como se esperava, negou. O Judiciário, onde se aninham conservadores impenitentes, é uma das três instituições que governam de fato o Irã. As outra são a presidência, ocupada pelo moderado Rouhani, e o parlamento, dividido entre conservadores e os aliados reformistas e moderados.

 

O Judiciário, que é independente do presidente, tem por si o próprio Líder Supremo, o aiatolá Khamenei, que nomeia o chefe desse poder. Diante de um padrinho de tanta magnitude, o presidente Rouhani tem de ter muito cuidado se pretende questionar o chefe do Judiciário. Por sua vez, o parlamento, que é eleito, não tem poderes para fazer isso.

 

Quanto ao público, não tem meios para controlar um cidadão tão importante e seus confrades.

 

Livre e forte, o Judiciário iraniano exerce grande influência na sociedade. Postos em xeque pela atitude até ousada de Sadeghi, os aiatolás de toga mandaram prender o deputado, apesar da imunidade do Legislativo.

 

Oficiais de segurança foram até a casa dele para cumprir as ordens superiores. Sadeghi entrou em discussão com os homens da lei, dando tempo para que se reunisse um grupo de estudantes, ativistas e deputados, e protestou contra a ação policial.

 

Aí aconteceu o que é não é comum: os policiais acabaram cedendo e voltando de mãos vazias. Posteriormente, as autoridades revogaram sua autorização.

 

Mas o deputado não ficou satisfeito. Mandou ver um twitter na rede social, qualificando a decisão do Judiciário como ilegal e sua disposição de ir em frente com sua denúncia:

 

“Essas pressões não terão efeito em minha determinação, nem dos outros parlamentares, na busca de transparência e na luta contra a corrupção em todas as instituições”.

 

Foi mais uma ação dos elementos reformistas e moderados, aliados ao governo Rouhani na sua luta contra as leis medievais que ainda existem no país.

 

Desde que tomou posse da presidência, o moderado Rouhani enfrentou as forças conservadoras em uma série de questões capitais.

 

Os juízes e promotores conservadores usaram seus poderes para sabotar as promessas de liberalização do regime, através de prisões e atos autoritários.

 

Rouhani venceu algumas disputas com esses poderosos grupos, mas ainda falta muito. Ele espera conseguir uma vitória consagradora nas eleições de 2017, que lhe daria força para conseguir resultados mais rápidos na reforma da sociedade iraniana.

 

Iraniano importante defende Israel. E continua solto

 

Solto, prestigiado, publicado e ainda criticando o supremo líder Khamenei. Deu no Times of Israel, de 17 de novembro: de acordo com o site do instituto de pesquisas MEMRI (de Washington), o respeitado professor universitário Sadegh Zibakalam discordou da fala do supremo líder, Ali Khamenei, que propunha um referendo sobre o futuro de Israel.

 

Zibakalam considerou a proposta irrealista e que não é da conta do Irã. Disse que a posição do país pela destruição do regime de Israel, evidenciada nas frases “Israel tem de ser destruído”, entre outras semelhantes, inscritas nos mísseis de longo alcance, apresentados recentemente, desrespeita regras da ONU.

 

“A ONU oficialmente reconheceu Israel e o Irã como Estados membros”, disse Zibakalam. “De acordo com o artigo 1 da carta da ONU, os Estados membros da ONU não podem fazer atos de agressão contra algum outro e nem desejar a morte ou a destruição de outra nação”.

 

O professor terminou afirmando que “o Irã precisaria primeiro retirar-se da ONU, antes de cantar ‘morte a Israel’”.

 

Não é de hoje que Zibakalam condena publicamente os extremos da política anti-Israel do regime islâmico. Em fevereiro 2014, ele declarou que reconhecia o Estado de Israel porque “a ONU o reconhecia”. No começo do mês de novembro último, tomou uma atitude pública de grande repercussão.

 

Ao chegar na universidade de Teerã onde dá aulas, deparou-se com uma bandeira de Israel pintada no chão. Enquanto todos que entravam pisavam na bandeira, ele deu uma grande volta para não pisar. Posteriormente, fez o mesmo para evitar caminhar sobre uma bandeira norte-americana também pintada no chão.

 

Zibakaram é um liberal que não foge à responsabilidade de defender suas ideias, malvistas pelos conservadores islâmicos, dominantes na Guarda Revolucionária, na polícia política e na Justiça. Embora pragmático, Khamenei também é considerado conservador.

 

Apesar do moderado Rouhani ser apoiado por ele, o corajoso professor mantém sua independência e critica o presidente por eventuais omissões.

 

Em janeiro de 2014, ele enviou uma carta a Rouhani censurando-o por não ter realizado muitas das promessas democráticas e humanísticas de sua campanha, inclusive a libertação dos candidatos da oposição, ainda detidos em regime de prisão domiciliar.

 

Na verdade, Rouhani faz o que pode, pois tem de enfrentar a poderosa oposição dos radicais conservadores, frequentemente reforçada pela autoridade do próprio supremo líder Khamenei.

 

Se não fosse pelas leis e medidas liberalizantes já efetivadas pelo presidente, Zakabalam não poderia pronunciar-se do modo corajoso como tem feito, opondo-se a questões que são tabu para o regime vigente. Estaria preso há muito tempo.

 

 

Luiz Eça é jornalista.

Website: Olhar o mundo.

 

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