Correio da Cidadania

Sauditas mudando lei dos EUA

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Na semana passada, o primeiro veto dos 8 anos de governo Obama foi derrubado no Senado (97 x 1) e na Câmara (348 x87). No entanto, sob ataques da Arábia Saudita e do presidente norte-americano, há chances de a lei aprovada pelo Congresso tornar-se letra morta.

 

A Lei Contra Patrocinadores do Terrorismo (JASTA) dá direito às famílias das 3 mil vítimas do 11 de setembro processarem a Arábia Saudita por envolvimento nesse atentado.

 

Até então, os familiares dos mortos em ações terroristas nos EUA só tinham direito de processar países designados pelo departamento de Estado como patrocinadores do terrorismo, ou seja, o Irã, a Síria e o Sudão.

 

A nova lei retirou essa imunidade dos demais países: a partir de agora qualquer deles poderá também ser levado às barras da Justiça por atentados terroristas, como o verificado em 11 de setembro de 2001.

 

Em 2001, foi criada uma comissão para investigar as circunstâncias dessa ação criminosa.

 

Desde então, a imprensa vem publicando fatos envolvendo suspeitas de colaboração saudita, o que alimentou uma imagem do Reino cada vez mais negativa junto aos estadunidenses. Isso apesar de a comissão de investigação, em 2001, não o ter inculpado.

 

Somente 15 anos depois, evidências circunstanciais de colaboração de figuras e funcionários da Arábia Saudita (inclusive o embaixador, príncipe Bandar) com os autores do atentado foram reveladas ao público, pelas 28 páginas do relatório da comissão, até então mantidas secretas pelos governos de George W. Bush e Barack Obama.

 

Christopher Davidson, no Middle East Eye, de 30 de setembro, acrescenta: “mas também existem textos de documentos desclassificados recentemente, matérias vazadas, transcrições de interrogatórios e intimações judiciais que indicam uma conexão muito mais substancial e a existência clara de financiadores sauditas do 11 de setembro e a operação de uma célula saudita nos EUA que prestou assistência logística aos sequestradores (dos aviões)”.

 

Todos estes fatos certamente são do conhecimento da Casa Branca. Por que, dessa forma, mesmo a par das culpas sauditas, Obama defende ardorosamente a causa do governo de Riad?

 

Seus argumentos são dois:

 

1º- A JASTA seria um precedente perigoso, pois outras nações poderiam reciprocamente aprovar leis similares, autorizando seus habitantes a processarem os EUA por ações militares condenáveis e pelo financiamento de grupos armados estrangeiros, autores de delitos. O que acabaria resultando em inúmeros processos contra os EUA no Exterior, considerando o grande número de países onde eles estão presentes, com intervenções militares ou fornecimento de armas a aliados.

 

As razões de Obama não deixam de ter seus fundamentos.

 

Os advogados da CIA e das forças armadas teriam um imenso trabalho no Paquistão, na Síria, no Afeganistão, no Iêmen, no Iraque e em Gaza, além de vários países da África.

 

E a imagem dos EUA sofreria consideráveis danos.

 

Mas os promotores da JASTA respondem que apresentarão emendas para livrar os sobrinhos de Tio Sam destas situações embaraçosas.

 

2º- A JASTA prejudicaria profundamente as relações EUA-Arábia Saudita, que Washington reputa do maior interesse nacional.

 

Nos dias de hoje, contar com a amizade saudita talvez não seja mais tão imperativo.

 

É verdade que, desde a Segunda Grande Guerra, os EUA contaram com o fornecimento seguro de petróleo saudita, imprescindível para atender a suas grandes necessidades energéticas.

 

Mas, depois do desenvolvimento do processo para obter petróleo a partir do xisto, os EUA tornaram-se autossuficientes na produção de combustíveis. Não dependem mais da Arábia Saudita.

 

Há outros motivos favoráveis à importância desse país na constelação norte-americana. A aliança com o Reino seria necessária para se contrapor ao Irã na luta pela hegemonia no Oriente Médio.

 

Daí o apoio armado dos EUA ao impiedoso bombardeio saudita das cidades do Iêmen controladas pelos houthis, gente ligada pela religião xiita e por interesses políticos ao insubmisso Irã.

 

Tio Sam também preza sua amizade com a Arábia Saudita, pois ela lidera os riquíssimos emirados do Golfo, além de ser ouvida com respeito pela Liga Árabe, onde o Egito e muitos países africanos dependem de substanciais financiamentos e mesmo de doações sauditas.

 

Valeria a pena ter a seu lado nas disputas internacionais um país capaz de influenciar tantos outros. Mas certos observadores acham que Obama estaria sobreavaliando o poder saudita no jogo do Oriente Médio.

 

A vertiginosa queda do preço do petróleo e os gastos excessivos dos inúmeros príncipes da família real começam a assustar Riad. Sem falar nos valores aplicados nos lobbies internacionais.

 

Com sua imagem na Europa e na América descendo ladeira abaixo, o Reino tem sido obrigado a financiar pesadamente lobbies não só nos EUA, mas também no Reino Unido e outros países da União Europeia, cada vez mais críticos das abundantes violações dos direitos humanos pelas autoridades sauditas, além da guerra do Iêmen, que exige vultosas compras de armamentos devido à inesperada defesa houthi. Hoje, a Arábia Saudita precisa mais dos EUA do que o contrário.

 

Ela não teria a menor condição de romper com Washington, pois ficaria sozinha diante do Ocidente e pressionada pela atitude hostil da maioria dos seus povos.

 

Não exatamente sozinha, já que as indústrias de armas norte-americanas estão do seu lado, pois o Reino é atualmente o maior importador de armamentos do mundo.

 

A maioria desses equipamentos mortíferos vem das indústrias dos EUA, em cujo poderoso lobby estão constantemente trabalhando os congressistas para preservar a altamente lucrativa amizade com os sauditas. Mas eles não tiveram êxito na luta para impedir a aprovação da inconveniente JASTA.

 

Estamos em tempos de eleições e os nobres deputados e senadores temem desagradar seu povo, manifestamente solidário com familiares dos que tombaram no brutal atentado das Torres Gêmeas.

 

Votar contra o JASTA poderia lhes tirar muitos votos. Mas, depois das eleições, tudo pode mudar.

 

O agressivo lobby saudita, lastreado em argumentos financeiros, ao lado do seu sócio, o lobby das armas, já está envolvendo os membros do Congresso. Os líderes dos partidos nas duas Casas começaram a “consertar” a lei, elaborando emendas que a tornariam inofensiva. Conversas e reuniões se sucedem entre pessoal do governo e do Congresso.

 

Alguns deputados e senadores têm afirmado que se Obama e seguidores próximos tivessem explicado adequadamente suas razões, os nobres congressistas não teriam aprovado o JASTA. É brincadeira, pois a Casa Branca cansou-se de fazê-lo.

 

Outros congressistas dizem que, sendo garantidos os direitos das famílias das vítimas, concordariam em votar uma emenda que “consertasse” o JASTA.

 

À medida que se aproxima a data das eleições, 9 de novembro, declarações congressuais vão aparecendo, cada vez mais próximas do desejado pela tríade Riad-Washington-indústria de armas.

 

Confiante, o embaixador saudita declarou em 29 de setembro: “é nossa esperança que a inteligência prevalecerá e o Congresso tomará os necessários passos para corrigir esta legislação a fim de evitar sérias e inesperadas consequências que poderão resultar”. A imprensa norte-americana não tem dúvidas de que isso acontecerá. Só não se sabe quando.

 

As correções poderiam ser aprovadas logo após a próxima reunião desse congresso de Patos Mancos (lame ducks) ou pelo próximo, a ser eleito em 9 de novembro.

 

Por isso mesmo, as pessoas que tiveram parentes sacrificados em 11 de setembro, com a provável colaboração saudita, estão se apressando para iniciar seus processos antes de a JASTA ser mudada.

 

A legislação estabelece que o procurador-geral pode pedir 180 dias para sua análise, antes da abertura dos processos. Tempo mais do que suficiente para a JASTA virar letra morta.

 

Caso ímpar na história dos EUA: um país estrangeiro forçando direta e indiretamente a alteração de uma lei congressual que o prejudica. E o que é mais grave: contra cidadãos dos EUA, em particular, e a vontade majoritária do seu povo. Parece que, mais uma vez, os interesses imperiais dos EUA vão ficar acima dos direitos humanos.

 

Na atual reunião da ONU, Obama terá talvez sua última chance de fazer algo que justifique seu prêmio Nobel da Paz. Se não a aproveitar, irá terminar mal um governo que começou tão bem.

 

 

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Comissão parlamentar inglesa quer suspender vendas de armas aos sauditas

 

Luiz Eça é jornalista.

Website: Olhar o mundo.

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