Correio da Cidadania

Quem está protestando nas ruas?

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Mais de cem mil pessoas estiveram nas ruas de São Paulo no último domingo (4) para expressar sua insatisfação com a “solução” encontrada para a crise política, econômica e institucional que vivemos. A “saída” Michel Temer e a coalizão que o sustenta foi claramente rechaçada aqui e em várias outras cidades do país por milhares de pessoas. No feriado de 7 de setembro, outras 250 mil pessoas fizeram o mesmo em todo o país.

 

Quem estava nas ruas? Como uma das arenas fundamentais por onde passou – e passa – a articulação que colocou Michel Temer na presidência tem sido os meios de comunicação, é importante examinar como os eventos foram apresentados pelos grandes jornais e redes de televisão para quem não estava nas ruas.

 

Desde as primeiras manifestações após a votação do impeachment, a imagem mobilizada pelos meios de comunicação foi a da violência. Segundo esses veículos, a Polícia Militar aparece combatendo a ação de “baderneiros” e “vândalos” para garantir a ordem. Desta forma, a voz das ruas, aquilo que as pessoas que foram se manifestar estavam dizendo, é totalmente abafada e silenciada, prevalecendo a imagem de que se trata de ação de “black blocs”.

 

Participei do ato no domingo: ele transcorreu tranquilamente por horas e por um longo trajeto e, após já ter sido oficialmente encerrado, os manifestantes que tentavam voltar para casa usando transporte público foram agredidos com jatos d’água com sabão para que caíssem ao tentar correr, gás de pimenta, balas de borracha e gás lacrimogêneo, as armas químicas ditas não letais, que torturam e ferem gravemente os atingidos.

 

Mais uma vez, apesar de 100 mil pessoas estarem se manifestando nas ruas, a PM construiu a cena da violência e provocou medo, com o claro objetivo de desencorajar as manifestações e o possível apoio por parte de quem não está nas ruas.

 

Para além das flagrantes ilegalidades cometidas pela PM, que antes mesmo de o ato começar na capital paulista prendeu 26 jovens e os manteve quase 24 horas sem acesso a advogados ou contato com familiares, ou da presença (ou não) de quebra-quebras nos atos, que também merece reflexões, o que quero apontar é o que a presença da violência como tema central dos protestos encobre: o que querem dizer os que estão protestando nas ruas?

 

Posso afirmar que a marca dessa voz é a multiplicidade. Multiplicidade de palavras de ordem e de formas de expressão. O Fora Temer é forte, claro; mas também há o “Diretas Já”, “Eleições Gerais”, “Volta, Dilma”, “Eu quero o fim da Polícia Militar”. Os cartazes e bordões ainda afirmam a contrariedade em relação à perda de direitos conquistados e demandam liberdades e respeito de toda ordem: sexuais, de gênero, pela cor da pele, afirmando uma visão não apenas formal da democracia.

 

Eram militantes muito jovens, muitos adolescentes, que chegavam às ruas com seus próprios cartazes, roupas, performances, canções. Sim, misturados às centrais sindicais, principalmente à CUT, a partidos políticos como o PT, o PC do B, e o PSOL, e a movimentos sociais como MTST, a Central de Movimentos Populares e outros.

 

Por isso, e este é meu segundo ponto sobre a “cobertura” da manifestação, é mentiroso e reducionista dizer que quem se manifesta são pessoas ligadas ao PT ou à CUT, que lutam politicamente para sobreviver. Sim, é verdade que o Partido dos Trabalhadores, assim como os movimentos sociais e sindicais ligados historicamente a ele, está nas ruas, e não poderia ser de outro jeito diante da derrota política sofrida nos últimos meses.

 

Mas quem estava nas ruas testemunhou que a “máquina” dessas organizações – com suas palavras de ordem centralizadas e, muitas vezes, militantes pagos como tem sido prática crescentemente utilizada por todos os partidos em disputas eleitorais – não era mais a mesma. É possível ver nas ruas uma renovação geracional, cultural e política.

 

Nas múltiplas vozes que estão nas ruas, valores como a justiça social, o combate à desigualdade, os direitos humanos e as liberdades individuais e coletivas estão não somente presentes, mas também renovados. É um imaginário social que sobrevive ao ataque cultural e simbólico que todo o processo de impeachment da presidenta armou ao relacionar diretamente a rejeição ao PT com a repulsa aos valores identificados nos movimentos historicamente representados pelo partido, assim como pela esquerda em geral.

 

São valores renovados especialmente pela ação das mulheres, pela negritude, pelos indivíduos representados na sigla LGBTT e por novos grupos, agremiações, coletivos e tribos que emergiram na última década, questionando as próprias formas de organização e representação política.

 

Quem está nas ruas quer algo muito mais radical do que se queria antes, porque está insatisfeita(o) com o que foi entregue. O que se quer é mudar as estruturas de Estado e da política.

 

É uma geração que está apenas começando e, portanto, tem muitos anos de luta pela frente.

 

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Raquel Rolnik é urbanista e relatora da ONU pela Moradia no Brasil.

Publicado originalmente no portal Yahoo!

 

 

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