Correio da Cidadania

Manifestação contra Temer é reprimida à base de ilegalidades e restaurante palestino é atacado

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Na noite de 31 de agosto, duas manifestações que diziam respeito ao impeachment da presidente Dilma Rousseff foram chamadas para a Avenida Paulista. Os favoráveis ao impeachment armaram um jantar em frente à Fiesp e os contrários uma marcha que se concentrou por volta das 16 horas no vão do MASP. Houve repressão no ato contrário ao impeachment.

Levando em conta que na segunda-feira houve forte repressão policial a fim de afastar os contrários a Temer do prédio da FIESP, os mesmos decidiram marchar para o lado oposto nesta quarta-feira. Cerca de 10 mil pessoas caminharam (veja o vídeo) pela Avenida Paulista, para virar à direita na rua da Consolação. Ao descer a via, na altura da rua Maria Antônia, começou a repressão.

 

A justificativa oficial para o uso das armas ditas não letais naquele momento era o de que a manifestação não havia comunicado o trajeto para a PM e autoridades em geral. Esse discurso faz lembrar exatamente o que ocorreu nos últimos anos em manifestações do Movimento Passe Livre, a velha tática de proibir os trajetos e de responder com bombas e balas o mínimo ladrilho pisado além do território concedido.

 

A marcha era pacífica até o início da repressão. Era composta em grande parte por estudantes universitários, ainda que não apenas por eles. Estavam lá setores da militância petista, PSOL, PSTU, outros partidos de esquerda e movimentos de juventude, negro e LGBTT. Os setores críticos ao lulismo pareciam marcar maior presença do que setores governistas.

 

Mutilação e prisões ilegais

 

Embora muitas vezes alguns setores governistas tentem taxar as manifestações de 2013 do MPL como a gênese do impeachment e de um recrudescimento do conservadorismo na sociedade, ontem entenderam o erro da ex-presidente ao assinar a Lei 13.260, poucas semanas antes de ser afastada. Policiais atacaram pessoas e deixaram pouco a desejar ao famoso 13 de junho de 2013, que marcou o ponto de viragem do que já está na história com Jornadas de Junho.

 

Assim como Sérgio Silva em 2013, a manifestante Debora Fabri foi ferida por estilhaços de bombas no olho esquerdo e perdeu a visão. Passou a madrugada em cirurgia para minimizar os danos em sua saúde. “Sofri uma lesão e perdi a visão do olho esquerdo, mas estou bem”, declarou Debora, antes de agradecer o apoio que recebeu nas redes.

 

E enquanto trabalhavam, por volta das 10 horas da noite, dois fotógrafos (outra semelhança com Sério Silva, veja só) foram presos, agredidos e colocados dentro de um camburão. William Freitas foi preso na rua Princesa Isabel e apanhou, mas não tanto quanto Vinícius Gomes, que tomou quatro pontos na cabeça por conta de uma cacetada. Detidos, foram para uma primeira viatura. Vinícius teve seu equipamento quebrado.

 

“Esmigalharam a câmera dele, daí colocaram os dois dentro de uma viatura e apagaram as fotos do William. Trocaram eles de viatura por pelo menos duas vezes”, relata Luiz Guilherme Ferreira, um dos advogados que acompanharam o caso.

 

Rodaram pela cidade com os dois no caminho da delegacia, e segundo os próprios detidos porque os policiais que os estavam conduzindo não eram os mesmos que os prenderam. Relataram que eles “passavam rádio” para saber o que dizer na delegacia.

 

Chegaram ao 2o DP, no Bom Retiro, pouco depois das 23h. O delegado não aceitou a ocorrência, pois um deles estava ferido e mandou os dois para o pronto-socorro. Enquanto estavam no pronto-socorro, os advogados estavam na 2a DP. Assim, o delegado afirmou aos advogados que não sabia se eles seriam trazidos de volta para aquela delegacia ou levados ao 78o DP, nos Jardins. “Isso aconteceu entre meia noite e uma da manhã. À 1h10, o advogado Guilherme Perissé, que estava no 78o DP, viu a chegada dos dois fotógrafos e avisou o pessoal que estava no Bom Retiro”, relatou Ferreira.

 

Ferreira aponta que se os policiais que conduziram os fotógrafos não viram os fatos não têm como oferecer uma acusação. Já os advogados poderiam confrontá-los com as provas disponíveis: “uma câmera estraçalhada e uma cabeça literalmente rachada”, afirmou Ferreira.

 

“O policial chegou de moto, desceu da moto, olhou pra mim e disse: é você! E então começou a me bater. Chegou um outro policial, me bateu com o cassetete na cabeça e eu apaguei”, contou Vinícius à imprensa após ser liberado. “Não estava acontecendo nada. Eles caíram da moto, viram que estávamos gravando e vieram pra cima da gente”, disse William, que não parou por aí: “em uma das trocas de viatura, o policial disse que dessa vez ele não faria nada, mas que na próxima vez que me visse ele terminaria o serviço. Era um ROCAM, de capacete e sem identificação, não saberia identificá-lo”.

 

Foram liberados por volta das 5h30. “Consta que as partes estariam incitando a violência contra policiais militares atirando na sua direção pedras e garrafas. Nenhum policial ou viatura foi atingido pelos objetos que teriam sido arremessados pelas partes. Os policiais militares presentes nessa delegacia não presenciaram os fatos e apenas conduziram a parte e a vítima por determinação do seu superior hierárquico”, diz o Boletim de Ocorrência. Vinícius constou como vítima, um PM e um fotógrafo como testemunhas e o segundo PM como condutor.

 

“Foram presos por nada, conduzidos por nada e por policiais que sequer eram testemunhas da suposta agressão. Foram agredidos gratuitamente, tiveram equipamento quebrado e no final chegaram à delegacia sem que a PM pudesse formalizar uma acusação. É uma baita ilegalidade, já que foram presos de forma ilegal por não haver um crime configurado”, avalia Ferreira.

 

Ataque a restaurante: sobrou para os palestinos

 

Ironias à parte, os acordos bélicos entre Brasil e Israel são um dos fatores desta escalada brutal de violência policial, como Marcelo Buzetto relatou para este Correio (link no final). E o restaurante Al Janiah, localizado próximo à Avenida 9 de julho, foi literalmente atacado, sem mais nem menos, pouco antes da meia noite.

 

O Al Janiah é gerido pela comunidade palestina presente em São Paulo e um dos principais pontos de apoio a refugiados na cidade. Na ocasião ocorria um sarau e as pessoas não estavam na manifestação.

 

Posicionados em cima do Viaduto Nove de Julho, policiais alvejaram o restaurante. “Não acontecia nenhum tipo de protesto ou movimentação na rua e apenas nosso estabelecimento sofreu o ataque. Quando alguns membros da nossa equipe saíram e avisaram aos policiais que ali era um bar e restaurante, eles mandaram mais duas bombas. A jam session, com músicos de diversos países do mundo, foi brutalmente interrompida. A situação foi tensa e pegou a todos, equipe do Al Janiah e clientes, desprevenidos. Ficamos cercados. Um clima que não tem nada a ver com a nossa proposta de ser um espaço aberto às diferenças e debates; de cultura, política e gastronomia”, declarou o restaurante nas redes sociais.

 

“Era só uma noite agradável de quarta. Crianças, mulheres, turistas estrangeiros e muitos jovens curtiam um belo sarau, apresentações musicais e tomavam cerveja com comidas típicas árabes. Quem bebia e fumava cigarro do lado de fora sentiu o gás levemente, mas não encontrou a origem do ataque. Quando todos se acalmaram veio o grande ataque dos bandidos fardados. Mais de 10 bombas de gás lacrimogêneo e algumas de efeito moral foram atiradas em direção ao bar e todo o perímetro. Era um toque de recolher. Quem estava do lado de dentro do bar, ficou preso numa nuvem de gás lacrimogêneo sem validade. Afinal, se está na validade, por que os dados estão todos raspados? Quem mandou atirar isso nas pessoas?”, questionou o jornalista Fernando Moura, presente no local.

 

 

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Relatos:

Fernando Moura


O saldo sanguinolento do último ato na Paulista mostra que não se pode protestar em SP (Revista VICE)

Al Janiah


Fotógrafos William e Vinícius, em vídeo da CHOC Documental

Vídeo: Ato Fora Temer. Avenida Paulista, 31 de agosto de 2016.

Fotos:
Rolê na cidade.

 

Raphael Sanz é jornalista do Correio da Cidadania.

 

 

 

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