Correio da Cidadania

Condições necessárias para superação da crise econômica

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Quando este artigo sair publicado, possivelmente algumas de suas conjecturas poderão ter sido superadas. Mas de qualquer forma, vale considerar este mês de abril como termômetro político para o ‘dia seguinte’, qual seja momento posterior à decisão do Congresso sobre o impedimento ou não da presidente da República eleita.

 

O dia seguinte, qualquer que seja a decisão tomada, inicia um novo governo. Se da presidente Dilma, com exigências populares bastante legítimas para reversão do quadro social muito perigoso, de agravamento do desemprego involuntário, sem perda de direitos sociais à base da pirâmide social. Por sua vez, se o governo vier a ser encabeçado pelo vice-presidente Michel Temer, as exigências do seu programa econômico vão em sentido diametralmente oposto, qual seja, o do aprofundamento do "ajuste fiscal” nos termos em que o PMDB assim o promete no programa "Ponte para o Futuro".

 

Mas é preciso atentar para uma realidade essencial, que infelizmente não está ao alcance direto da percepção pública. Qualquer seja a decisão política sobre continuidade ou ruptura do mandato presidencial em curso, somente é possível a governabilidade da crise e, portanto, sua potencial superação, com acordos e compromissos mínimos sobre o futuro imediato. Sem isto não há possibilidade de governar a economia, a sociedade e a própria política com o mínimo de previsibilidade. E romper o mandato presidencial com os argumentos ora esgrimidos pelos promotores do processo de “impeachment”, absolutamente não melhora o quadro de incertezas políticas, antes pelo contrário.

 

Conjecturo, para efeitos analíticos, com a tese do não impedimento e vejo no dia seguinte a necessidade de organização de um governo de “salvação pública” com vistas a estancar e reverter, nos planos econômico e social, as tendências perversas ao prolongamento indefinido da recessão e à ruptura da coesão social interna, parte reflexo da crise econômica, parte produto dos fortes antagonismos ideológicos fermentados desde 2013.

 

A meu ver, não há no campo estritamente econômico sinais impeditivos sérios à recuperação da crise. A inflação está em queda, o déficit externo praticamente revertido e as possibilidades de ataque especulativo externo, a exemplo do ocorrido nas crises de 1982 e 1999, praticamente descartadas.

 

As questões do “ajuste fiscal”, da dívida interna e da paralisia dos investimentos públicos e privados que ora constrangem a produção e o emprego são essencialmente decorrentes do jogo da economia política interna, ou seja, da divisão das fatias da renda social, permeadas por jogadas estratégicas internacionais, o que não significa que sejam questões triviais.

 

Vale a pena enunciar algumas dessas questões, que aparentemente estiveram equacionadas até 2013 e agora despontam como fermento de divisão no esquema hegemônico em crise:

 

1) a manutenção da política social de Estado (constitucionalmente provisionada de recursos fiscais);

 

2) o investimento público e privado em infraestrutura e a relação do Estado com as empresas de engenharia pesada;

 

3) a forma de o país tratar e remunerar sua Dívida Pública interna nas condições críticas ou mesmo fora delas.

 

Esses três vetores de crescimento, distribuição e regulação econômica entraram em crise, aparentemente irreconciliável. Nesse contexto, o papel da política em sociedade razoavelmente civilizada seria de articular algum consenso para arbitragem dos interesses e das necessidades públicas, mediante compromisso político. Mas isto está em xeque na conjuntura, com risco evidente de naufrágio coletivo, se prevalecer visão fundamentalista daqueles que ainda apostam na tese do “quanto pior melhor”.

 

 

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Guilherme Delgado é economista e pesquisador.

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