Correio da Cidadania

Natureza violentada

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Por qualquer ângulo que se lance o olhar, a crise ambiental pode ser vista como a expressão máxima de que a Terra é um organismo vivo que se baseia em equilíbrios extremamente sutis que, face à presença humana, foram acintosamente violentados tendo em vista fins produtivistas, condicionados, obviamente, à conquista de lucros.

 

Por essa perspectiva, a natureza, violentada pelo padrão capitalista de produção industrial global, não suporta um modelo de economia elaborado para atender uma ideologia consumista, em que parte da humanidade - especialmente os 20% mais ricos que abocanham 76% de toda a produção mundial -, mergulhou na era do “compre cada vez mais”.

 

Modelo torpe em que o “ter” se sobressai ao “ser”, essa prática consumista em escala global tem sido redutora do mundo, à medida que os recursos naturais e os ecossistemas são usados a serviço dos “organizadores” da atividade produtiva, justamente para o atendimento a esse excessivo consumo.

 

Esses “organizadores”, por sua vez, não reconhecem a finitude física da Terra; por isso estimulam a produção industrial e menosprezam as consequências, ou seja, os impactos ambientais decorrentes.

 

Para fazer “funcionar” esse modelo, a todo momento se procura estimular o consumo – por exemplo, facilitando a concessão de crédito, e ocasionando um brutal nível de endividamento das famílias - em lugar da moderação e, principalmente, da prática de reciclagem.

 

Esse último fato, ademais, além de economizar recursos naturais e diminuir a pressão exercida sobre o meio ambiente, de modo análogo diminui, metaforicamente, o tamanho da “lixeira” do planeta destinada a receber os rejeitos da produção; por sinal, característica emblemática das sociedades de consumo, emolduradas pela atual economia linear que extrai, produz, consome e descarta com muita facilidade.

 

Insistindo nesse assunto da reciclagem, é lamentável perceber que o modelo de produção global ora em curso, implantado com a finalidade de expandir fisicamente as economias, ignora por completo a relevância de se reaproveitar materiais e produtos usados que tinham o lixo como destino final.

 

Cada tonelada (t), a partir de agora, de papelão reciclado poupa 1,4 (t) de madeira; uma (t) de latas de alumínio evita a extração de duas (ts) de bauxita. Sabe-se que é de 300 anos o tempo médio que uma lata de alumínio leva para se decompor na natureza e, para cada (t) de alumínio reciclado economiza-se 95% de energia e 5 (ts) de minério.

 

No caso brasileiro, estudos indicam que somos campeões mundiais em reciclagem de latas de alumínio. Para esse produto, gastamos 5% menos de energia e emitimos 5% de gás carbônico para extrair a bauxita da natureza. Para cada (t) de plástico chega-se a economizar 650 quilos de petróleo bruto. O aço é outro produto que merece destaque. Sua produção libera 25% das emissões industriais de CO2 do mundo, apresentando 67% de economia de energia. Nesse caso, a relação na economia de emissão de carbono é de 3,7 (t) de CO2 por uma (t) de aço.

 

Por fim, convém apontar que, permanecendo a ilusão dominante de que o crescimento econômico reduzirá os níveis de pobreza e “ajustará” para melhor a vida dos mais necessitados, continuaremos a presenciar a intensiva agressão e exploração ao meio ambiente, expondo assim a natureza cada vez mais a uma frenética violência em dois específicos momentos: na extração de recursos e na devolução dos rejeitos pós-produção.

 

Ademais, insistindo na prática de outro erro comum, o de ocultar a finitude física da Terra e, de modo análogo, incentivando o estímulo ao aumento quantitativo da capacidade de produção e consumo, facilitar-se-á mais ainda a transformação já em curso do mundo num imenso hipermercado.

 

Com isso, acirrar-se-á a impossibilidade de os ecossistemas responderem de forma adequada as demandas da humanidade. As consequências? A crise ambiental se agravará e o planeta Terra continuará doente, a manter aceso o sinal de alerta.

 

Nesse momento já são alarmantes os dados que denunciam como a natureza foi e tem sido violentada: 10% da terra fértil do planeta já se transformou em deserto; 43% dos ecossistemas terrestres são utilizados à exaustão; 60 dos 227 maiores rios do mundo foram “torturados” apenas nos últimos 30 anos. No mundo, as florestas estão encolhendo mais de 9 milhões de hectares ao ano. O gelo do Mar Ático, desde os anos 1970, reduziu-se em mais de 40%.

 

Aproximadamente 25% das reservas marinhas estão superexploradas. Nos oceanos abertos, onde os barcos que praticam pesca de arrastão se movimentam sem restrições, sabe-se hoje que mais de 90% dos estoques de peixes como o atum, peixe espada e o bacalhau já foram capturados.

 

É longa a lista dos desequilíbrios ambientais. Os que aqui foram mencionados são apenas alguns dos problemas causados ao meio ambiente à medida que a humanidade violenta a natureza para “justificar” o avassalador modo de produção econômica global.

 

Marcus Eduardo de Oliveira é economista e ativista ambiental.

Contato: Este endereço de email está sendo protegido de spambots. Você precisa do JavaScript ativado para vê-lo.

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