Correio da Cidadania

Campanha da Fraternidade 2016 e sustentabilidade (2)

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O discurso da sustentabilidade ou do desenvolvimento sustentável daqueles/as que apoiam e defendem o sistema capitalista neoliberal é “marketing e simulacro” (Marques Casara; “O discurso do desenvolvimento sustentável, marketing e simulacro”; Vida Pastoral, janeiro-fevereiro/16, p. 11). Seu objetivo, consciente ou não, é reformar (retocar) o sistema capitalista neoliberal, pintando-o de “verde”, para torná-lo - ao menos nas aparências - mais aceitável. Na realidade, apesar do discurso bonito, é uma enganação do povo, sobretudo dos pobres. A questão fundamental, que é a desumanidade e imoralidade estrutural do sistema, não se toca. Que sustentabilidade é essa!

 

No sistema capitalista neoliberal a única coisa sustentável são os lucros dos bancos e grandes empresas. “A racionalidade estreita do mercado capitalista, com seu cálculo imediatista de perdas e lucros, é intrinsecamente contraditória com uma racionalidade ecológica, que toma em consideração a temporalidade longa dos ciclos naturais. Não se trata de opor os ‘maus’ capitalistas “ecocidas” aos ‘bons’ capitalistas verdes: é o próprio sistema,  baseado na concorrência impiedosa, nas exigências de rentabilidade, na corrida atrás do lucro rápido, que é destruidor do meio ambiente” (Michael Löwy e Frei Betto. Ecossocialismo: espiritualidade e sustentabilidade III, 26/08/2011).

Como medidas históricas conjunturais - sobretudo em situações de emergência - podem ser necessárias (e é preciso lutar por elas) reformas no próprio sistema capitalista neoliberal, tendo consciência, porém, de suas ambiguidades e contradições. De um lado, as reformas aliviam o sofrimento dos excluídos e excluídas da sociedade e estabelecem alguns limites à depredação do meio ambiente (o que é positivo); de outro lado, servem para cooptar os movimentos populares e os sindicatos de trabalhadores e trabalhadoras, amortecer a luta política e - como diz o Documento de Aparecida (DA, 385) - legitimar um “sistema econômico iniquo” (o que é negativo).

 

Sabemos que o processo histórico é contraditório (dialético). São nas contradições e na superação dessas mesmas contradições que acontecem as mudanças estruturais, abrindo caminhos para a sociedade do “bem viver” e um “outro mundo possível”, que - à luz da Fé - é o projeto de Jesus de Nazaré, é o Reino de Deus na história.

 

A respeito da sustentabilidade ou desenvolvimento sustentável, “o sistema hegemônico (capitalista neoliberal) encontrou mecanismos de escape. Enquanto as organizações ambientais têm o mesmo discurso há décadas, as megacorporações responsáveis pela devastação ambiental mudaram muito nos últimos anos. Passaram a adotar as mesmas falas do movimento ambientalista, trazendo o problema para si, incorporando os conceitos de ‘desenvolvimento sustentável’ e deixando o ativista em paz com o seu megafone, pois o seu discurso agora está a serviço das corporações, a serviço da propaganda do ‘consumo sustentável’, ‘ecológico’, ‘verde’, ‘responsável’, meras mercadorias”.

 

Na sociedade mediática do século XXI, “o consumo aparece como amálgama para unir as diferenças e colocar empresas predatórias e organizações ambientais no mesmo saco. Ambas querem um mundo ‘sustentável’, com ‘qualidade de vida’, ‘democracia’, ‘respeito à natureza’. Das 290 mil organizações não governamentais existentes no Brasil (IBGE, 2010), dezenas de milhares têm suas ações articuladas em torno da ‘sustentabilidade’. Não há ONG ‘contra’ a sustentabilidade, assim como não há empresa ou governo. A causa é um sucesso! É impossível encontrar uma grande marca de produto que não tenha ‘a busca incondicional pelo desenvolvimento sustentável’ como ‘alinhamento estratégico’ de sua conduta”.

 

O contexto do mundo atual “é o de produzir mais, mais e mais, cada vez mais rápido, a ponto de o próprio sujeito se ver a si próprio na condição de mercadoria, vendendo a si mesmo na bacia das almas da visibilidade mediática, pois ‘aparecer’ é condição primordial para estar vivo, para que o sujeito-objeto tenha ‘valor’. Para projeto de tamanha envergadura é preciso energia, pois sem ela o sistema colapsa. Mais energia, mais petróleo, mais gases do efeito estufa, mais consumo, mais ‘desenvolvimento’, mais velocidade, mais ‘sustentabilidade’”.

 

No “consumo pintado de verde”, “há sustentabilidade para todos. A temática encaixa muito bem em diferentes plataformas” (Marques Casara, artigo citado, p. 14-15). Dentro desse contexto, se há uma contradição intrínseca entre capitalismo neoliberal e sustentabilidade, falar de desenvolvimento sustentável não é um discurso de mera conveniência oportunista? Cuidado! Podemos ser enganados.

 

Com palavras muito claras, o Papa Francisco afirma: “O ambiente humano e o ambiente natural degradam-se em conjunto; e não podemos enfrentar adequadamente a degradação ambiental, se não prestarmos atenção às causas que têm a ver com a degradação humana e social. De fato, a deterioração do meio ambiente e da sociedade afetam de modo especial os mais frágeis (os pobres, os excluídos/as) do planeta” (Laudato Si’, 48). É uma agressão social e ambiental, que muitas vezes coexiste com um discurso “verde”.

 

Hoje, “não podemos deixar de reconhecer que uma verdadeira abordagem ecológica sempre se torna uma abordagem social, que deve integrar a justiça nos debates sobre meio ambiente, para ouvir tanto os clamores da terra como o clamor dos pobres” (ib., 49).

 

Ora, como podemos falar de sustentabilidade ou desenvolvimento sustentável, se o sistema capitalista neoliberal é - continua o Papa Francisco - “um sistema de relações comerciais e de propriedade estruturalmente perverso”? (ib., 52).

 

E ainda, como podemos falar de sustentabilidade ou desenvolvimento sustentável, se “qualquer realidade que seja frágil, como o meio ambiente, fica indefesa face aos interesses do mercado divinizado, transformado em regra absoluta”? (O Evangelho da  Alegria - EG, 56)

 

A sustentabilidade ou desenvolvimento sustentável que pretende somente “reformar” o sistema capitalista neoliberal é superficial e fica só nas aparências. No fundo, é um paliativo que serve para encobrir uma injustiça social e ambiental estrutural muito mais profunda.

 

Enfim, essa sustentabilidade, não é uma hipocrisia? Não é uma farsa? Não é uma armadilha? Não é uma manipulação? Não é uma enganação?

 

Pensemos!

 

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Campanha da Fraternidade 2016 e sustentabilidade (1)

 

 

 

Frei Marcos Sassatelli, frade dominicano, é doutor em Filosofia (USP) e em Teologia Moral (Assunção – SP), professor aposentado de Filosofia da UFG.

 

 

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