Correio da Cidadania

O futuro do setor de petróleo brasileiro

0
0
0
s2sdefault

 

Existem muitos aspectos a serem comentados sobre o setor de petróleo do Brasil, como a grandeza das reservas do Pré-Sal e demais áreas brasileiras, os modelos de exploração com os respectivos beneficiários em cada caso, o grau de soberania requerida pelos modelos, o papel da Petrobrás nos diferentes modelos, o valor geopolítico do petróleo, o fim antecipado da era do petróleo em consequência do acordo da COP21, a dificuldade financeira de curto prazo da Petrobrás e os processos que existem contra ela em tribunais nos Estados Unidos. Analisarei os temas que acredito serem mais relevantes, por ser impossível tratar de todos.

 

A Petrobrás está sem recursos para investir nos seus planos originais. Alguns políticos, fazendo uso indevido do fato, complementam dizendo que os roubos lá ocorridos são a causa. Estes contribuíram para a redução dos recursos da empresa, mas não são a única e nem a maior causa. A primeira grande causa se resume ao fato que a empresa arrematou muitos blocos nos diversos leilões, que se não os arrematasse, o petróleo a ser descoberto pertenceria a outra petrolífera e, no caso, estrangeira.

 

Ela também descobriu muito petróleo nos blocos arrematados, o que a obriga a desenvolver campos, aumentando a necessidade de recursos. Ironicamente, se ela fosse incompetente na descoberta de petróleo, como são as suas concorrentes estrangeiras, não teria escassez de recursos para investir. Além disso, ela foi obrigada a subsidiar a gasolina e o diesel durante um período, para que a inflação não saísse de controle. Esta operação, sem se entrar no mérito da mesma, representou uma sangria para a empresa.

 

A direção da empresa já tomou a medida correta de reduzir a meta de 2020, de quatro milhões de barris por dia (4 mi b/d) para 2,8 mi b/d. Este número é ainda acima da demanda nacional, mas o excedente não é tão expressivo. No entanto, exportar mais de 1 mi b/d, como se objetivava antes, em uma conjuntura desfavorável ao país exportador, só poderia ser para ajudar a derrubar ainda mais o preço do barril, o que não é um objetivo brasileiro. Se ainda existirem empreendimentos no início de suas implantações, pode-se buscar reduzir os 2,8 mi b/d em 2020 para diminuir a necessidade de recursos. A Agência Nacional do Petróleo deve ratificar as modificações contratuais para se obter a redução da produção futura da Petrobrás.

 

A atual direção da empresa insiste muito nos desinvestimentos para poder equilibrar as contas. Sem negar que empresas petrolíferas podem mudar seus objetivos e, com isso, investimentos já realizados possam não ser mais desejados, o que justifica o desinvestimento, a atual diretoria excede em muito o máximo racional de desinvestimento. Ainda mais, vender sem existir concorrência entre compradores?

 

Já foi dito por inúmeros analistas, que esta diretoria da Petrobrás atende muito os preceitos do “mercado”, o que é verdade e pouco compreendido pela grande massa. Na nossa mídia convencional, que está a serviço do capital, é feita uma apologia ao “mercado”, dizendo que não há racionalidade fora dele e buscando incutir que, se a mensagem não for aceita, é porque o cidadão é atrasado. Nestes casos, dever-se-ia poder processar por bullying. Para o bem-estar da nossa população, precisamos acoplar a esta mídia um decodificador, que traduza o real interesse por trás de cada afirmação.

 

Por exemplo, baixar a nota do Brasil pelas agências classificadoras de risco é uma intromissão indevida nas ações, que deviam ser soberanas, do nosso governo. Sugiro criarmos uma agência classificadora do risco social e, quando a presidente vetasse qualquer iniciativa de corte no Bolsa Família, a agência aumentaria a nota do país. Quando fosse aprovado o aumento da parcela do PIB destinada ao superávit primário, a nota do Brasil seria rebaixada. Assim, ficaria claro para a população que a lógica do mercado é contrária, em muitos casos, à lógica social.

 

Então, deve-se registrar que se ouve, na mídia convencional, insistentemente que o país precisa do capital externo, sem se especificar em quais condições ele pode ser atraente para a sociedade do país. Para tornar mais concreto o que busco transmitir, analiso a atratividade social do arremate de uma área do nosso território por uma petrolífera estrangeira, que irá assinar um contrato de concessão. Suponha que a petrolífera estrangeira descobriu petróleo aqui, o que deveria ser algo positivo. No entanto, a atratividade desta descoberta para nossa sociedade é pequena pelas seguintes razões:

 

(1)             A petrolífera estrangeira deixará no país o royalty e, em poucos casos, a participação especial, o que é muito pouco.

 

(2)             Ela se negará a atender a qualquer pedido do governo brasileiro para o direcionamento do petróleo produzido aqui, o que impossibilita ações geopolíticas e estratégicas por parte deste governo.

 

(3)             Ela se negará a abastecer o Brasil, além do mínimo definido no contrato, mesmo que haja uma situação de desabastecimento no país.

 

(4)             Ela irá comprar poucos bens e serviços no Brasil, inclusive não comprará a plataforma, que é o maior item de investimento. Desde 1997, estas empresas atuam no Brasil e, até hoje, nenhuma delas comprou uma plataforma aqui.

 

(5)             Ela não gerará muitos empregos locais, porque a grande geração ocorre com a produção da plataforma, que ela encomenda no exterior.

 

(6)             Ela não encomendará desenvolvimentos tecnológicos aqui.

 

(7)             Ela poderá realizar produção predatória, se não for fiscalizada, porque a lógica do capital a induz a este posicionamento.

 

(8)             Ela não priorizará a segurança ambiental, devido à mesma lógica do capital. Os acidentes da Samarco e do campo de Frade da Chevron comprovam a tese.

 

(9)             Ela poderá declarar produções menores do que as ocorridas para pagar menos tributo, motivada, mais uma vez, pela ganância do lucro.

 

O jornal O Globo, no editorial do dia 20/12/15, intitulado “O pré-sal pode ser patrimônio inútil”, diz, dentre outros equívocos, o seguinte: “confirma-se que foi erro crasso do lulopetismo, movido a ideologia, suspender por cinco anos os leilões, a fim de instituir o modelo de partilha no pré-sal, com alta intervenção do Estado. Assim, o Brasil perdeu importante janela para atrair bilhões de dólares”. Este trecho se refere exatamente ao que comento no parágrafo anterior, ou seja, para O Globo, não importam as condições em que bilhões de dólares entram no país, desde que eles favoreçam a elite da nossa sociedade e as empresas estrangeiras, ambas representadas por este jornal.

 

O contrato de partilha foi adotado para corrigir vários aspectos negativos das concessões, como nos itens mostrados a seguir. Nem todo petróleo, ao ser produzido, é entregue ao consórcio contratado, pois parte dele é destinada ao Estado. Um Fundo Social foi criado para aumentar a arrecadação do Estado, com uso vinculado só a gastos sociais. Blocos muito promissores podem ser entregues diretamente à Petrobrás para maior usufruto da sociedade. A operadora será sempre a Petrobrás, o que garante tudo aquilo que as petrolíferas estrangeiras não garantem: atendimento de acordos do governo brasileiro de suprimento a países a preços de mercado, atendimento da demanda nacional em quaisquer circunstâncias, muitas compras locais, encomendas de desenvolvimentos tecnológicos, geração de emprego máxima, produção não predatória, segurança ambiental e declarações de produção confiáveis.

 

Neste exato momento, o senador José Serra quer destruir, com seu projeto de lei 131, todo este arcabouço legal, visando atender aos interesses das petrolíferas estrangeiras.

 

Retornando à questão do aperto financeiro momentâneo da Petrobrás, pode-se dizer que, se ainda existir algum empreendimento no seu portfólio não urgente para o país, ainda no início da sua implantação, ele deverá ser postergado para diminuir a necessidade de recursos no curto prazo. É completamente equivocada a afirmação de um diretor da Petrobrás de que esta empresa deverá se especializar na exploração e produção (E&P), porque são suas áreas de maior competência.

 

Em outras palavras, ele aceita a diretriz externa de o Brasil só produzir minérios, grãos e produtos da pecuária, enquanto compra produtos industrializados e com maior valor agregado. Ele quer que o Brasil se perpetue na condição de exportador de petróleo e importador de derivados. Pelo contrário, qualquer investimento adicional em E&P, que não seja para abastecer o país e signifique o aumento da exportação de petróleo, deve ser paralisado, a menos que esteja próximo da sua conclusão. Assim, refinarias e o polo petroquímico precisam ser concluídos.

 

A Petrobrás tem ainda algumas alternativas, como a ampliação do empréstimo com os chineses ou a tomada de empréstimo junto ao banco de desenvolvimento dos BRICS, recém-criado. Mais difícil de ocorrer, resta também a possibilidade de o governo finalmente fazer a auditoria da dívida, que deve diminuir a necessidade de recursos para pagamento dos juros da dívida. A diminuição da taxa de juros que remunera os papéis do governo também irá reduzir a necessidade de pagamento de juros. E, se o Estado brasileiro reconhecer que o Pré-Sal e a Petrobras são portadores de um futuro melhor para a sociedade brasileira, nada mais natural que o Estado capitalize a empresa. Trata-se, em última instância, de uma questão de prioridade.

 

No entanto, é difícil afirmar o que ocorrerá no setor, mesmo porque este futuro será função da evolução da economia e da política, no país e no exterior. Contudo, pode-se conjecturar que a estratégia da Arábia Saudita de inundar o mercado mundial com sua superprodução não durará muito mais tempo. Contudo, antes de chegar ao limite, causará razoável estrago para os investidores do fracking e de alguns campos de petróleo. Atingirá também as economias da Venezuela, Irã, Rússia e outros produtores mundiais.

 

É preciso chamar atenção para um ponto. Um argumento que é frequentemente repetido, inclusive no citado editorial de O Globo, é que o Pré-Sal poderá se tornar inviável. Realmente, se a Arábia Saudita continuar baixando o preço do barril, o custo médio de produção do barril do Pré-Sal poderá ficar mais caro, nem que seja por pouco tempo. Mas, isto não será o fim do aproveitamento desta área.

 

Primeiramente, tem-se que observar o custo médio de produção do barril da Petrobrás, uma vez que, por esta empresa estar atuando firmemente no Brasil todo, áreas mais rentáveis podem compensar outras menos rentáveis. Em segundo lugar, como o Pré-Sal alavanca inúmeros outros benefícios para a sociedade, pode-se pensar em consumir, por um período limitado, seu petróleo, mesmo sendo mais caro. Isto só é possível graças ao fato de a Petrobrás ser a única empresa que refina petróleo no Brasil.

 

Neste instante, continua a discussão, a portas fechadas, sobre como unitizar campos de blocos vizinhos que, à época dos leilões, não se tinha certeza nem da existência do petróleo e, muito menos, que os eventuais campos estariam ligados. Este processo de unitização deverá ser necessário em muitos campos do Pré-Sal. O processo de unitização, se não for bem planejado, poderá significar, através da aprovação de determinadas regras de unitização, transferências de petróleo para empresas, danosas para a sociedade. Empresas ganharem petróleo adicional sem esforço, só com a aprovação de um conjunto de regras, poderá ocorrer, unicamente graças a atos corruptos. E é difícil para os leigos os fiscalizarem.

 

Se nosso país for uma nação soberana, que deve trazer o melhor bem-estar possível para seus filhos, então, a Petrobrás é uma ferramenta valiosa para a consecução deste objetivo. No entanto, se o Brasil for um país dependente das economias centrais, a Petrobrás, assim como todo Estado brasileiro, terá que servir a seus mestres.

 

 

Paulo Metri é conselheiro do Clube de Engenharia e colunista do Correio da Cidadania.

Blog do autor: http://www.paulometri.blogspot.com.br/

0
0
0
s2sdefault