Correio da Cidadania

“Estamos vivendo uma aventura política liderada pela pior geração de políticos da história da República”

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À medida que se seguem as etapas para implementação do processo de impeachment da presidente Dilma Rousseff, cada vez mais se acirram as disputas e jogos políticos no país. O cientista social e professor Rudá Ricci define as negociações e conflitos como um verdadeiro “leilão” e, a partir dos últimos acontecimentos, prevê como poderá ser o cenário brasileiro nos próximos meses: “Será um toma-lá-dá-cá que pode durar todo primeiro semestre de 2016. E sangrará o país e nossa economia durante todo este tempo”.

 

Em entrevista à IHU On-Line, Ricci analisa o contexto político do Brasil nos últimos dias em perspectiva com acontecimentos anteriores. Para o professor essa crise política teve origem em uma mudança de estratégia governamental, que acabou gerando lacunas para o fortalecimento das forças oposicionistas. “O processo só prosperou em virtude do pacote econômico de natureza monetarista, ultraconservador, que rompeu com a ‘aliança tácita’ que a inclusão pelo consumo havia gerado entre governos lulistas e eleitor pobre”, explica.

 

Segundo o professor, esse movimento de busca da destituição do poder da presidente, independentemente dos resultados que virão, só trará prejuízos ao país. “Teremos que amargar com esta crise por mais dois anos e a luta fratricida que se seguirá. Não haverá pacto nacional, pacto de salvação nacional ou algo que o valha, seja lá quem sair vitorioso deste processo de impeachment. Todos sairão com feridas profundas”, alerta.

 

Rudá Ricci é graduado em Ciências Sociais pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUCSP), mestre em Ciência Política pela Universidade Estadual de Campinas (Unicamp) e doutor em Ciências Sociais pela mesma instituição. Atualmente é diretor geral do Instituto Cultiva, professor do curso de mestrado em Direito e Desenvolvimento Sustentável da Escola Superior Dom Helder Câmara e colunista Político da Band News. É autor de Terra de Ninguém (Ed. Unicamp), Dicionário da Gestão Democrática (Ed. Autêntica), Lulismo (Fundação Astrojildo Pereira/Contraponto), coautor de A Participação em São Paulo (Ed. Unesp), entre outros.

Confira a entrevista.

 

 

Como ler o episódio da – tentativa – instalação da comissão que vai avaliar o pedido de impeachment na Câmara, no dia 8 de dezembro?

 

Rudá Ricci: Um leilão. É o baixo clero tendo seus 15 minutos de fama. Os partidos políticos estão esfacelados. E é o baixo clero do PMDB que vai comandar a festa nesta primeira fase de abertura do processo de impeachment (comissão especial e, se evoluir, plenário da Câmara). Será um toma-lá-dá-cá que pode durar todo primeiro semestre de 2016. E sangrará o país e nossa economia durante todo este tempo. A fatura por este desatino tem que cair no colo do PSDB, DEM e PPS.

 

Como avalia a decisão do STF em suspender a instalação do processo de impeachment e quais os desdobramentos disso?

 

Rudá Ricci: Não há o que avaliar sobre uma decisão do judiciário. Mesmo porque, não é julgamento do mérito. Mas, evidentemente, freou o "já ganhou" que a oposição à direita esboçava. Mesmo que momentaneamente.

 

Como interpretar todo o episódio de aceitação do pedido de impeachment? O que se projeta daqui para frente?

 

Rudá Ricci: Um desgaste progressivo do governo Dilma Rousseff. O processo só prosperou em virtude do pacote econômico de natureza monetarista, ultraconservador, que rompeu com a "aliança tácita" que a inclusão pelo consumo havia gerado entre governos lulistas e eleitor pobre. Dilma rompeu com este compromisso e está levando o PT para o abismo. Enfim, por erro grosseiro do governo federal, temos o atual estágio do jogo político.

 

Quem são e como se articulam os atores desse cenário político de hoje?

 

Rudá Ricci: O principal ator político é o PMDB. Na verdade, os PMDBs. Temos, ao menos, quatro partidos em um só: o de Renan, o de Temer, o de Eduardo Cunha e o baixo clero que se movimenta ao sabor dos ganhos de momento. Os três primeiros tentam compor e recompor a base, mas é o baixo clero que joga objetivando fortalecer sua base eleitoral que estará em campo no próximo ano.

 

PSDB é coadjuvante neste momento. E DEM e PPS, assim como PSB, PTB e outros partidos menores, coadjuvantes dos coadjuvantes. O PT está totalmente acuado e, possivelmente, sofrerá defecções importantes a partir de 2016. Deve se tornar um partido médio depois das eleições municipais, perdendo o posto que tem na tríade hegemônica do sistema partidário (juntamente com PMDB e PSDB).

 

Já as organizações sociais não conseguem atingir a base eleitoral dos deputados federais de tal sorte que não alteram o jogo na Corte como fizeram no passado. Enfim, o PMDB é o principal ator e no seu interior é que os principais atores se articulam, se traem e se rearticulam diariamente.

 

Como entender a relação entre PMDB e PT, desde a aliança eleitoral até a carta de Michel Temer a Dilma Rousseff? Como compreender o pedido de impeachment no contexto de um governo como dito de coalização?

 

Rudá Ricci: Foi uma aliança de conveniência. Lula sempre se opôs ao PMDB de Quércia e de Temer. E o PMDB nunca foi confiável para nenhum governo porque ele mesmo não consegue eleger um presidente da República em função das traições internas. Explico: como se trata de um partido-federação, forjado a partir de lideranças regionais, nenhuma dessas lideranças deseja o desequilíbrio da eleição de um deles como Príncipe, de tal maneira que estaria acima de todas as regiões.

 

Assim, em toda eleição, o PMDB se divide entre a força situacionista majoritária e a força oposicionista majoritária. Nem mesmo Temer tem confiança em seu partido como um todo. Tanto que levou um drible curto de Picciani, que também driblou seu ex-aliado, Eduardo Cunha, que tenta trazer Temer e Renan para seu lado pela chantagem, e assim, sucessivamente, como a poesia de Drummond sobre a ciranda/quadrilha de amores perdidos.

 

Como o PT, no último período, se aproximou do estilo peemedebista de gerir interesses internos, a confusão é que preside os acordos desde então.

 

De que forma analisa as estratégias do governo e da oposição? Como se dá e o que está por trás, nesse cenário de articulações pró e contra impeachment?

 

Rudá Ricci: O Brasil está entregue ao baixo clero da Câmara dos Deputados, como já afirmei. Dilma só reagiu com certa inteligência nos últimos dez dias, apresentando muitas forças sociais anti-impeachment, articulação de juristas e tentando cindir o PMDB a partir do baixo clero. Mas demorou, e muito, para reagir. Imagino, inclusive, que esta reação não veio dela propriamente, mas de algum núcleo estrategista que pode ter envolvido gente do calibre de Jacques Wagner ou Franklin Martins. A questão é se reagiu com tempo suficiente para virar o jogo.

 

Já a oposição está dividida e é pouco inteligente. Só sabe agir na Corte (o palco das disputas neste momento do processo de impeachment), com exceção da ala oposicionista do PMDB, ágil e objetiva. O PSDB é um partido sem programa e sem habilidade política. Diria que é um partido livresco, acadêmico, com muita teoria e muitos conselhos a dar (como os conselhos diários de Fernando Henrique Cardoso), mas que pouco sabe se movimentar no dia-a-dia do jogo político.

 

O que a ameaça de impeachment ensina para a esquerda nacional, em especial ao PT?

 

Rudá Ricci: Primeiro, que a conciliação de interesses não interessa à classe média tradicional sulina e setores do empresariado. Há uma forte cultura reacionária focada numa cultura estamental, que refuta que recursos públicos sejam canalizados para a promoção social. Utilizam o frágil argumento da meritocracia para afirmar que os seus privilégios são fruto de seu esforço pessoal. Não são afeitos à noção de justiça equitativa. De outro lado, não se indica uma neófita política, como Dilma Rousseff, para um cargo tão alto, à sombra de um líder carismático.

 

Estamos no topo do ecossistema econômico mundial. Dilma tem perfil tecnocrata e nunca soube negociar com nenhuma força social coletiva. Finalmente, em países com forte desigualdade social, atrair entidades de mediação para o interior do Estado (como pastorais sociais, Organizações Não Governamentais e sindicatos) é apostar na orfandade das ruas.

 

A adoção da política econômica monetarista no início de 2015 destruiu todo o vislumbre de política estratégica que o lulismo havia esboçado. Agora, estamos ao sabor da queda do PIB, do aumento do desemprego e da volta à pobreza.

 

Como aparecem e como compreender as movimentações para as eleições 2016 nesse episódio do pedido de impeachment e para as eleições presidências de 2018?

 

Rudá Ricci: Imagino que o país sairá mais plural, do ponto de vista partidário, das eleições municipais. O PSOL deve crescer em Porto Alegre e Rio de Janeiro. O PT deve se encolher aos estados nordestinos e Minas Gerais. O PMDB deve permanecer grande. Fica a dúvida sobre PSB (que vinha crescendo constantemente), Rede (que oscila a partir das desventuras de sua figura maior, Marina Silva) e PSDB (que está encolhido, neste momento, a São Paulo).

 

O que se pode esperar para o Brasil no primeiro semestre de 2016, em termos políticos e econômicos?

 

Rudá Ricci: Uma crise econômica quase similar a este ano (queda de 2,5% do PIB que já terá sido reduzido em 3% neste ano). E queda de 1,5% do PIB em 2017. Teremos, contudo, Olimpíadas e eleições municipais, que podem alterar um pouco o debate público a partir de junho ou julho. Mas será a economia que contaminará os ânimos. No mais, o vencedor do processo de impeachment levará as batatas: se Dilma, governará com uma margem de manobra no Congresso ainda menor do que a atual; se a oposição, assumirá o papel de algoz da economia popular. Quem governar o país ao final do processo de impeachment dificilmente estará fortalecido em 2018.

 

Nesse cenário atual, como ficam as discussões e qual a importância de retomar o debate acerca da reforma política? E que reforma política emerge?

 

Rudá Ricci: A reforma política foi destruída pelo PT (aqui, a presidente Dilma não tem culpa) e pela oposição liderada pelo PSDB. Neste momento, trata-se de uma sugestão que aparece como prato requentado para a opinião pública. Teremos que retomar esta agenda começando do início, como se nunca tivesse se apresentado como alternativa.

 

Vislumbra a possibilidade de um novo pacto federativo? Sim ou não e em torno de quem? Do vice-presidente? Ele representa hoje o que representou Itamar no impeachment de Collor?

 

Rudá Ricci: Não há pacto federativo algum em momento de crise econômica com a dimensão que a recessão atual se impôs. Estamos mais próximos da situação da Grécia que dos Estados Unidos. Teremos que amargar com esta crise por mais dois anos e a luta fratricida que se seguirá. Não haverá pacto nacional, pacto de salvação nacional ou algo que o valha, seja lá quem sair vitorioso deste processo de impeachment. Todos sairão com feridas profundas. Estamos vivendo uma aventura política, e isto tem que ficar nítido, liderada pela pior geração de políticos da história de nossa República.

 

 

Entrevista publicada origjnalmente em http://www.ihu.unisinos.br/entrevistas/550084-a-arena-de-combates-do-impeachment-e-o-brasil-jogado-aos-leoes-entrevista-especial-com-ruda-ricci

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