Correio da Cidadania

A economia brasileira em 2015: fortes decepções

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Desde o início de 2015 sabia-se que seria um ano difícil na economia brasileira. Com a nomeação de Joaquim Levy para o Ministério da Fazenda, no final de 2014, estava muito claro que, além de aumento da taxa básica de juros (a Selic), haveria cortes de gastos e aumentos de impostos a prejudicar a atividade econômica, que já em 2014 vinha se enfraquecendo. O governo optava, contra seu discurso de campanha (e para decepção de grande parte do seu eleitorado), pelo ajuste ortodoxo, apostando que com isso reverteria a sensível queda da confiança empresarial que havia debilitado a atividade econômica no ano da reeleição.

 

Ao se encerrar o ano, porém, o que se constata é que a nomeação de Levy não impediu que a queda da confiança se aprofundasse. Tampouco impediu que a economia mergulhasse numa recessão bem forte: o PIB deverá fechar o ano com queda da ordem de 3,5% (desempenho radicalmente pior do que aquele previsto no início do ano por bancos e consultorias: de acordo com o boletim Focus do Banco Central, a expectativa média dessas instituições era de que, como em 2014, em 2015 o PIB se manteria praticamente estagnado, subindo apenas 0,5%).

 

A surpresa negativa não se limitou ao comportamento da atividade econômica. O dólar subiu muito mais do que se previa, saltando de R$ 2,66 no final de 2014 para as redondezas de R$ 4 desde setembro (a expectativa no início do ano era de que essa cotação fechasse 2015 a R$ 2,80).

 

Impulsionada por esse pulo do dólar e pelos reajustes excepcionalmente fortes dos preços monitorados pelo governo (em particular a energia elétrica, cuja tarifa subiu mais de 50% para viabilizar a interrupção das bilionárias transferências de recursos com que o governo vinha compensando as empresas do setor por seus prejuízos), a inflação também escalou. Depois de encerrar 2014 com alta de 6,4%, o IPCA deverá subir mais de 10% até o fechamento de 2015 (muito além dos 6,6% projetados no início do ano).

 

A recessão, portanto, não impediu um nítido agravamento da inflação. Mas impediu que o esforço de ajuste fiscal trouxesse resultados mais claros: a arrecadação de impostos desabou (deverá recuar quase 5% no ano, descontada a inflação), dando razão, mais uma vez, à tese de que tentar fazer ajuste fiscal em ambiente recessivo é como enxugar gelo.

 

E os números ruins das contas públicas estão levando à piora da nota de crédito do país: uma das três maiores agências de classificação de risco já deixou de considerar os títulos do Tesouro Nacional do Brasil um investimento de baixo risco, e é geral a avaliação de que logo as outras seguirão, configurando a tão falada perda do grau de investimento (evento que vai tornar mais cara a rolagem da dívida publica, pois muitos grandes investidores institucionais estrangeiros não mais poderão financiar o governo brasileiro).

 

Nesse ambiente tão negativo, é claro que as condições de vida da população tiveram piora nítida. O desemprego saltou de um nível ineditamente baixo em 2014, 4,8%, para 7% na média de 2015, e o poder de compra médio dos trabalhadores caiu, pois os salários não acompanharam o salto da inflação.

 

Quais as razões de tantas decepções?

 

Há que se reconhecer que o setor de construção civil foi bastante afetado pela Operação Lava-Jato, que abalou as maiores empresas do setor. Mas, embora tenha sofrido um tombo muito forte (estima-se que o PIB do setor tenha caído 8% em 2015), a construção civil responde por apenas 5% do PIB; assim, a crise do setor fica longe de responder pela crise da economia como um todo.

 

Certamente, o quadro político muito conturbado é o ingrediente crucial do coquetel de decepções. É bastante raro que um governo recém-eleito perca popularidade no ritmo brusco que o governo Dilma perdeu. Em rigor, no entanto, existe um antecedente até recente: no início do seu segundo mandato, também marcado pela adoção de medidas de política econômica que haviam sido rechaçadas na campanha eleitoral, FHC se tornou muito impopular. A grande diferença é que a relação de FHC com o Congresso não se deteriorou – ao passo que o atual governo tem tido enormes dificuldades para obter do Parlamento a aprovação às medidas que propõe.

 

Essas medidas são essencialmente de corte de gasto e de aumento de impostos. Sobretudo em relação ao aumento de impostos, a resistência do Congresso tem se revelado bem grande – e bem maior do que nas rodadas anteriores de ajuste recessivo (como o início dos anos 80, no final da ditadura militar; o início dos anos 90, sob Collor; o início do segundo mandato de FHC, em 1999; e o início do governo Lula, em 2003).

 

Nessas sucessivas rodadas de ajustamento, foram aprovados vários relevantes aumentos de impostos, que elevaram a carga tributária da faixa de 20% do PIB para a vizinhança de 35%.

 

Em parte esses aumentos de impostos serviram para custear os sempre pesadíssimos pagamentos de juros sobre a divida pública; e em parte eles têm custeado os aumentos de gastos de alcance social, vários dos quais ligados à extensão de direitos preconizada sobretudo pela Constituição de 1988: aposentadoria rural, Bolsa Família, seguro-desemprego, universalização do acesso à saúde via SUS – a lista é extensa.

 

Dado que a rolagem da dívida pública continua cara e que o sistema político está vetando aumentos de impostos, a “saída” para fechar as contas do governo – defendida de forma cada vez menos disfarçada pelos setores conservadores – é reduzir ou mesmo reverter tais conquistas recentes da cidadania.

 

Mas aí já começamos a entrar no tema do artigo da próxima edição, sobre as perspectivas para 2016.

 

 

Jurandyr O. Negrão é economista.

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