Correio da Cidadania

2015, um ano turbulento

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Olhando em retrospectiva, numa dessas trapaças costumeiras da história real, pode-se comprovar que, no Brasil, 2015 teve início em junho de 2013. Desde então se tornou evidente que a disputa pelos rumos do país se tornaria cada vez mais acirrada, e que as políticas governamentais, para terem sucesso, deveriam ser balizadas ainda mais fortemente pelas prioridades das camadas populares.

 

Foi nessa linha que a presidenta Dilma Roussef, logo após as manifestações massivas de 2014, embora sem uma discussão conveniente com o partido a que pertence, sugeriu um “pacto nacional”. Nele incluiu a garantia da responsabilidade fiscal, a reforma política através de uma constituinte exclusiva, convocada por um plebiscito, e o aumento dos investimentos em saúde, transportes, e educação.

 

A proposta de reforma política foi fortemente bombardeada não apenas pela oposição, mas também por setores conservadores da própria coalizão governamental. Contra ela, erigiram todo tipo de argumentos jurídicos e políticos, com o propósito claro de evitar uma maior participação popular direta nos rumos do país. E a favor dela, pouco se ouviu, embora seus pontos fossem ao encontro das demandas sustentadas nas manifestações de rua.

 

O mais provável, porém, é que a “constituinte”, ainda mais “exclusiva”, estivesse fora de tempo e de lugar. Naquele momento, e nos momentos seguintes, os problemas políticos estavam centrados na corrupção, especialmente no financiamento privado de partidos e campanhas eleitorais, e nas prioridades de desenvolvimento econômico. Nessas condições, o “pacto nacional” proposto pela presidenta, embora sugerindo grandes investimentos sociais, deixava de lado questões centrais do debate.

 

Por outro lado, naquela ocasião, pouca gente deu atenção ao item propondo “garantia da responsabilidade fiscal”. Por que tal item, um procedimento governamental corrente, deveria fazer parte de um pacto que prometia, além de investir alguns bilhões de reais em saúde, transportes públicos e educação, a ampliação da participação democrática no governo e no Estado?

 

Na verdade, o debate ficou truncado e focado na participação popular, algo inconcebível para a plutocracia que domina economicamente o país. Por isso, voltou com truculência durante a campanha que reelegeu a presidenta Dilma. Para vencer, esta se viu obrigada a se comprometer na manutenção dos programas sociais, eximindo-se de explicar melhor o significado da “responsabilidade fiscal”, assim como seus planos de desenvolvimento econômico.

 

No entanto, tão logo tomou posse e organizou seu ministério, no início de 2015, a “responsabilidade fiscal” foi corporificada numa política econômica de “ajuste fiscal”. Um dos pretextos para isso eram as ondas da crise financeira e econômica internacional, iniciada em 2008 e até agora sem solução, que vinham causando ruínas e perdas materiais em todo o mundo. O “ajuste” passou a ser a questão central do governo, tudo o mais se tornando secundário.

 

Embora muita gente do campo político popular e democrático tenha alertado ao governo que tal “ajuste”, prometido como rápido e indolor, deveria se transformar num “desajuste” prolongado e doloroso, os ouvidos do Planalto permaneceram moucos. Não levaram em consideração que o problema econômico central consistia em elevar os investimentos, públicos e privados, reduzindo os juros, administrando o câmbio e dando maior rentabilidade aos investimentos produtivos do que à jogatina no sistema financeiro.

 

Também não levaram em conta que o parlamento nacional que tomara posse em 2015 era muito mais conservador e reacionário do que o anterior, reforçando as condições para a direita continuar sua ofensiva contra o PT e o governo, mesmo sendo um governo de coalizão. Nessas condições, o que não conseguira no voto, a direita iria tentar no tapetão golpista, incluindo ações no sentido de agravar o “desajuste” fiscal e econômico. “Desajuste” que também tendia a ser agravado em virtude do envolvimento do cartel das empreiteiras, e da própria Petrobras, nos casos de corrupção envolvendo altos executivos dessas empresas.

 

Os resultados do “desajuste” governamental no desenvolvimento econômico e nas políticas sociais tornaram-se cada vez mais evidentes na queda do ritmo de crescimento econômico, no aumento do desemprego e da inflação, e no desarranjo das verbas públicas destinadas à saúde, transportes e educação. Grande parte do empresariado brasileiro continuou preferindo “investir” no sistema financeiro, enquanto outra parte “mais produtivista” preferiu investir em outros países. Nessas condições, em termos econômicos, 2015 se pareceu cada vez mais com 1998.

 

É verdade que emergiram alguns sinais positivos. O STF considerou constitucionalmente ilegais as contribuições financeiras empresariais para as campanhas eleitorais, isso já valendo para as eleições de 2016. O PT começou a dar sinais, embora ainda muito débeis, de que pode retomar sua postura ética e a bandeira anticorrupção, que também estiveram nas bases de sua fundação.

 

No campo inimigo da direita, por outro lado, embora todas as suas correntes tenham o objetivo estratégico de destruir o PT e suas principais lideranças, inclusive apelando para diferentes tipos de “golpes”, elas não conseguiram unificar as diferentes táticas com as quais pretendem alcançar tal objetivo. Além disso, alguns de seus setores foram profundamente encalacrados nos casos de corrupção, seja da Operação Lava-Jato, seja de outras operações policiais e judiciais em curso.

 

O exemplo mais escrachado da desfaçatez e do caráter moral dessa direita brasileira ficou estampado na figura de Eduardo Cunha, cuja capacidade de mentir sem piscar deixou no chinelo o “pobre” Aécio Neves. As mentiras do atual presidente da Câmara Federal se tornaram em algo publicamente tão escabroso que incapacitaram o “partido da mídia” de escondê-las. Nessas condições, ficou difícil promover grandes manifestações de rua pelo impedimento da presidenta e contra o governo e o PT.

 

Positivo também foi o esforço recente para a elaboração de um projeto de desenvolvimento econômico distinto tanto dos velhos modelos nacional-desenvolvimentistas, nacionalistas ou entreguistas, quanto dos novos modelos social-desenvolvimentistas, que acham possível realizar o desenvolvimento social sem ter por base um forte desenvolvimento econômico.

 

Um projeto desse tipo, combinando desenvolvimento econômico e desenvolvimento social, investimentos e consumo, oferta e demanda, crescimento industrial e ampliação dos serviços públicos etc., deu sinais de que pode contribuir para reunificar, sob uma mesma bandeira estratégica, diferentes correntes de esquerda e também de centro-esquerda e de centro, contra a direita a serviço, consciente ou inconscientemente, dos interesses dos magnatas do dinheiro.

 

Portanto, o 2015 brasileiro foi não só abalado pelas ondas da crise financeira e econômica internacional, pelo “desajuste” fiscal, econômico e social, e pelo “golpismo” da direita. Depois de anos sem qualquer projeto de país, diferente tanto do neoliberalismo quanto dos desenvolvimentismos particularistas, isso começou a ser debatido, apontando para sinais positivos no horizonte.

 

Ao mesmo tempo, o PT também começou a emitir sinais de que pode entrar na batalha contra a corrupção, enquanto várias forças de esquerda começaram a se dar conta de que a destruição desse partido pode representar um grave retrocesso, mesmo para  as conquistas apenas formais da Constituição de 1988.

 

Wladimir Pomar é escritor e analista político.

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