Correio da Cidadania

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Como é fácil criticar hoje os bispos, padres e leigos que, à luz do Concílio Vaticano 2º e animados pelas Conferências de Medellín e Puebla, se colocaram ombro a ombro com os pobres deste país. Hoje há quem se lembre deles como seguidores da “perversa” teologia da libertação, gente em boa hora silenciada pelo Vaticano. Houve até quem, na semana passado, ousasse mandar dom Pedro Casaldáliga calar a boca, quando ele demonstrou desacordo com a censura ao teólogo Jon Sobrino, censura sem punição, diga-se de passagem.

 

Há quem faça de tudo para apagar a memória desses pastores do povo, desses profetas que peitaram as autoridades, que gritaram sem medo que o sangue de Abel clamava contra Caim, e repetiam aos torturadores a pergunta do próprio Deus ao fratricida: “O que fizeste do teu irmão?”.

 

Padres também eram muitos, no campo, na cidade... Como esquecê-los? Muitos dos que vieram como missionários ao Brasil foram expulsos.

 

Muitos outros, brasileiros ou não, foram torturados, desaparecidos, mortos, pagando pelo crime de afirmar que o rosto sofrido dos pobres era o rosto do Cristo. Muitos sofreram o martírio. Não. Nunca serão canonizados. E nem precisa. Deus tem seus nomes inscritos no livro da vida, porque acolheram os pobres, tiveram fome e sede de justiça.

 

E os leigos das Comunidades Eclesiais de Base? Que homens e mulheres de valor! Fortalecidos pela palavra de Deus e pela Eucaristia, eles mergulhavam fundo nas causas de seu sofrimento, de sua opressão, iluminavam tudo com a Palavra de Deus e buscavam juntos saídas e caminhos de libertação.

 

Como era bonito ver bispos, padres e leigos, celebrando as alegrias, as dores, as vitórias e derrotas na luta pela libertação.

 

Como era bonito ver essa gente de valor consciente de sua missão profética de anunciar o reino de Deus e denunciar as forças anti-reino.

 

É... hoje há pregadores famosos, padres e leigos, que amaldiçoam esses bispos, padres e leigos ditos “da libertação”. Jogam sobre eles a responsabilidade do êxodo de católicos para outras igrejas cristãs. Chegam mesmo a usar de ironia, afirmando que os pobres buscavam pão na Igreja Católica e Jesus Cristo nas Igrejas Evangélicas. E acusam os bispos, padres e leigos da Teologia da Libertação de não catequizarem o povo e de não orarem com o povo como fazem os novos movimentos de hoje, alguns deles fazendo um retorno não muito inteligente ao passado para resgatar dele não a riqueza perene da reflexão séria, da oração profunda, da sabedoria evangélica, mas apenas o que é secundário.

 

Um dia ainda se fará justiça aos 35, 40 anos de história da Igreja no Brasil que hoje muitos querem esquecer. Então se haverá de reconhecer que Deus suscitou as pessoas certas na hora certa e dentro de uma realidade que precisava ser mudada.

 

Eu dou graças a Deus por ter sido formado dentro da Teologia da Libertação. Foi uma bênção conviver com verdadeiros profetas como dom Hélder Câmara, dom Ivo Lorsheiter, dom Antonio Fragoso, dom Luciano Mendes de Almeida... eram muitos mais! Alguns deles, graças a Deus permanecem conosco, alguns ainda na ativa, como dom Angélico Sândalo Bernardino, dom Mauro Morelli, dom Tomás Balduíno; outros, já descansando após tantas lutas, mas com a cabeça ainda iluminada, como dom Paulo Evaristo Arns, dom Pedro Casaldáliga, dom Aloísio Lorsheider e tantos outros.

 

Façamos justiça aos bispos, padres e teólogos da libertação.

 

Foram homens e mulheres de Deus que evangelizaram como nunca, com a força da palavra e da vida. E não sejamos ingênuos em pensar que a riqueza da teologia que os animou não conta mais. Conta sim, e muito. Lá onde há alguém que não se conforma com a exclusão social, que clama não apenas pelo direito de nascer mas também pelo direito de viver com dignidade, lá onde alguém consegue enxergar o rosto desfigurado do Cristo verdadeiro Deus e verdadeiro Homem, lá onde alguém organiza o povo para que ele faça valer seu direito ao trabalho, à moradia, à saúde, à segurança, ao lazer, à vida com dignidade enfim, lá está pulsando a consciência de que a libertação que Jesus veio trazer ao homem começa aqui.

 

Fico aqui pensando comigo, se está sendo contada e como está sendo contada a história desses anos pós-concílio nas casas de formação de nossos futuros padres. Deve estar sendo contada sim, mas se não está, uma oportunidade ímpar se oferece, agora que nos preparamos para a 5ª Conferência do Celam. É hora de lembrar particularmente as três últimas conferências, para que se resgate o que houve de melhor nelas em termos de compromisso com o Evangelho e com a transformação da realidade, fazendo acontecer nela o Reino de Deus.

 

Originalmente publicado no jornal O São Paulo.

 

 

Padre Cido Pereira é diretor do jornal O São Paulo.

 

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