Correio da Cidadania

Energia eólica e os desafios socioambientais

0
0
0
s2sdefault

 

 

 

 

 

A partir de 2007, ano a ano, o crescimento da geração eólica no país chama a atenção. Se há nove anos a potência instalada era de 667 MW, em 2015 chegou a 8.120 MW, ou seja, um aumento de 12 vezes. Verifica-se também que vários municípios brasileiros sofreram mudanças radicais com alterações bruscas em suas paisagens e no modo de vida de suas populações. Essas mudanças representam o início de um novo ciclo de exploração econômica, o chamado “negócio dos ventos”.

 

Várias são as razões que tem atraído estes empreendimentos a nosso país, para além da crise econômica mundial de 2008, que provocou uma capacidade ociosa na Europa, e assim equipamentos chegaram até nós com preço vantajosos; sem dúvida, a “qualidade dos ventos”, em particular na região Nordeste, é outro grande atrativo. E é neste território onde se concentram 75% de toda potência eólica instalada no país.

 

Determinados estados criaram políticas próprias de incentivo à energia eólica, com isenções fiscais e tributárias, concessão de subsídios, flexibilização da legislação ambiental (p. ex. Pernambuco aboliu os estudos e relatórios de impactos ambientais, EIA/RIMA). Associados aos financiamentos de longo prazo do BNDES (e mais recentemente da Caixa Econômica Federal), e ao preço irrisório da terra, estas tem sido as razões principais para atrair os empreendedores.

 

É o resultado da combinação de tais fatores que possibilita à energia eólica oferecer preços imbatíveis nos leilões realizados pela Aneel, tornando-se, assim, a segunda fonte energética mais barata. Esta situação esconde o fato de os custos ambientais e sociais decorrentes da implantação dos complexos eólicos serem altos, embora não sejam contabilizados nos "custos" da geração, pois não são pagos pelos empreendedores e, sim, por toda a sociedade.

 

Ao mesmo tempo em que esta atividade econômica teve uma rápida expansão, gerou impactos, conflitos e injustiças socioambientais. São visíveis os impactos provocados por esta fonte renovável, chamada por muitos de energia limpa. Define-se por energia limpa aquela que não libera, durante seu processo de produção, resíduos ou gases poluentes geradores do efeito estufa e do aquecimento global. Ou ainda que apresente um impacto menor sobre o ambiente do que as fontes convencionais, como aquelas geradas pelos combustíveis.

 

Todavia nas “definições” de energia limpa não são levadas em conta as questões sociais e mesmo ambientais causados pela produção industrial da eletricidade eólica, que necessita de grandes áreas e um volume considerável de água, devido ao alto consumo de concreto para a construção das bases de sustentação das turbinas. Impactos sobre o uso de terras são quantificados pela área ocupada, sendo que, em geral, as turbinas eólicas ocupam 6 a 8 hectares por megawatt (ha/MW), a um custo médio de R$ 4,5 milhões/MW.

 

Sem dúvida, poderia ser argumentado que estas áreas sejam compartilhadas, como ocorrem em outras partes do planeta, ou seja, utilizadas concomitantemente para outros propósitos, como agricultura e criação de pequenos animais. Mas isto não vem acontecendo.

 

Logo, o modelo adotado de implantação dessa atividade econômica no Brasil é, em si, causador de inúmeros problemas ao meio ambiente e às pessoas. Os parques eólicos têm deixado profundos rastros de destruição na vida das comunidades atingidas (exemplos não faltam). Não somente com a instalação dos aerogeradores, mas desde a obtenção do terreno (pela compra ou pelo arrendamento), sua preparação (desmatamento, terraplanagem, compactação, abertura de estradas de acesso dos equipamentos), até a construção das linhas de transmissão.

 

Destrói territórios, desconstitui atividades produtivas e desestrutura modos de vida de subsistência. Tem agravado a situação a velocidade com que os parques eólicos estão sendo instalados, sem o devido acompanhamento e fiscalização, sem que requisitos socioambientais sejam atendidos e cumpridos.

 

Na questão da terra necessária para produzir energia em larga escala, os empreendedores vão comprando ou arrendando as terras da população local. São, na verdade, desapropriações feitas pela iniciativa privada como parte de estratégias agressivas para implantação dos complexos eólicos, que acabam inviabilizando a sobrevivências de outras atividades econômicas locais, como a pesca artesanal, a cata de mariscos, a agricultura familiar, a criação de animais...

 

Assim, comunidades inteiras são afetadas na sua relação com o território e muito pouco, ou quase nada, recebem em troca.

 

Várias situações marcaram e ainda marcam a presença de empresas eólicas. O discurso do ambientalmente correto esconde práticas socialmente injustas das empresas do grande capital, evidenciadas cada vez mais com o passar do tempo. Para implantação dos parques e complexos, as empresas utilizam de diferentes expedientes como a celebração de contratos draconianos com proprietários e posseiros, a compra de grandes extensões de terras, a apropriação indevida de áreas com características de terras devolutas e de uso coletivo.

 

Os contratos celebrados põem em dúvida os princípios de lisura e transparência da parte das empresas. Os trabalhadores se sentem pressionados a assinarem os contratos, sendo proibidos de analisarem o conteúdo de maneira independente, sempre induzidos por algum funcionário das empresas.

 

Quem continua a viver nessas regiões quase sempre enfrenta a impossibilidade de continuar a produção local, de manter seu modo de subsistência. A atividade eólica, tanto costeira como interiorizada, acaba com as condições de sobrevivência no lugar e em seu entorno, gerando poucos empregos de qualidade para os moradores da região e deixando lucros bem limitados.

 

Tudo isso depois da euforia da etapa de instalação dos equipamentos, com as obras civis, que acabam atraindo por tempo determinado trabalhadores locais e de outras regiões. Depois de concluídas as obras, vem à rebordosa com as demissões. Assim tem acontecido. Cria-se a ilusão de prosperidade com o apoio da propaganda enganosa. O discurso da geração de renda e emprego faz parte da estratégia.

 

Com relação à agressão ambiental, têm sido atingidas áreas costeiras com a destruição de manguezais, restingas e a remoção de dunas, provocando efeitos devastadores para pescadores, marisqueiras e ribeirinhos. Tais situações têm sido constatadas no Ceará e Rio Grande do Norte.

 

Em estados como Bahia, Piauí e Pernambuco, a exploração desta atividade ocorre no interior, em áreas montanhosas, de grande altitude, no ecossistema Caatinga e Mata Atlântica (ou o que sobrou dela). E também nos brejos de altitude, existente em Pernambuco e na Paraíba, há verdadeiras ilhas de vegetação úmida em meio ao ecossistema seco da Caatinga, onde a vegetação existente é resquício da Mata Atlântica primária e proliferam mananciais de água que formam os riachos abastecedores de bacias hidrográficas. Portanto, são áreas onde se deveria incentivar a conservação, a preservação e a recuperação destes ecossistemas naturais, dos seus mananciais e cursos de água.

 

Todavia, o movimento das administrações municipais, estaduais e federal caminha em sentido contrário ao de proteger estes santuários da vida. Além da omissão e conivência incentivam e promovem o desmatamento de áreas de proteção permanente em nome do “desenvolvimento econômico”, da geração de emprego e renda, justificando a destruição ambiental e da vida das populações nativas em nome do interesse público (?).

 

A produção de energia elétrica a partir dos ventos, hoje, é uma atividade econômica cujo modelo de exploração implantado causa inúmeros problemas e afeta diretamente a qualidade de vida das pessoas. Contribui mais e mais para ampliar um fenômeno que já atinge em uma parte importante do território nordestino: a desertificação. A produção de energia eólica é necessária, desde que preserve as funções e os serviços dos complexos sistemas naturais que combatem as consequências previstas pelo aquecimento global. Mas também preserve as populações locais e seus modos de vida.

 

Afinal, a quem serve este modelo de implantação em que o Estado cooptado se omite e não fiscaliza? O que se constata são aspectos negativos que poderiam ser evitados, desde que houvesse o interesse e uma maior preocupação dos governantes quanto aos métodos e procedimentos, uma avaliação mais rigorosa dos licenciamentos, que levasse em conta a análise de alternativas locacionais e tecnológicas, assim minimizando os impactos desta fonte energética.

 

Portanto, não se pode considerar, levando em conta como estão sendo implantados os atuais projetos eólicos, nem que sejam socialmente responsáveis e nem que sejam ambientalmente sustentáveis. Longe disso.

 

 

Heitor Scalambrini Costa é professor da Universidade Federal de Pernambuco.

0
0
0
s2sdefault