Correio da Cidadania

Por um “comitê de salvação”

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Os acontecimentos envolvendo o senador Delcídio do Amaral trouxeram à luz alguns fatos que merecem atenção máxima daqueles que estão preocupados com o futuro do PT. Entre eles merece destaque, em primeiro lugar, que algumas das tramas do referido senador, gravadas em áudio, apontam que estamos diante de um meliante aloprado, capaz de realizar “negociações” criminosas sem qualquer pudor. Assim, embora até se possa alegar que sua prisão feriu algum preceito constitucional, também se pode alegar que não feriu porque ele foi preso em flagrante delito.

 

Um personagem desse tipo, da mesma linhagem de André Vargas e de alguns outros personagens que passaram pelo PT, certamente ingressou no partido por oportunismo puro. O que reforça a conclusão daqueles que, pelo menos desde 2005, avaliam que o PT não deveria ter abandonado os cuidados indispensáveis à aceitação de adesões ou filiações. Em outras palavras, o PT baixou a guarda quanto à sua própria proteção.

 

No caso específico do senador Delcídio, era sabido que ele fora diretor da Petrobras e filiado ao PSDB durante o governo FHC. E que continuou mantendo relações estreitas com pessoas da nata tucana, inclusive gente envolvida no “mensalão” de Minas Gerais. Somente o abandono dos cuidados que norteavam o PT pode explicar que uma figura desse naipe tenha sido aceita no partido e chegado a líder do governo no Senado.

 

Mais grave é que não faltaram sinais de alerta. Por um lado, dos inimigos do PT, que jamais esconderam seu objetivo e seu empenho de destruí-lo, e a seu principal líder, como instrumentos de luta dos trabalhadores. Por outro, que o afrouxamento e, às vezes, o atropelamento daquilo que o partido chamava de “ética política” passara a ser o principal flanco através do qual era atacado, visando desgastá-lo, desmoralizá-lo e destruí-lo.

 

Na crise de 2005, por exemplo, a judicialização e a criminalização da política conseguiram transformar o crime de “caixa 2” em crime do “mensalão de compra de votos”. Apesar da gravidade da crise, o PT não tomou as medidas necessárias para mudar a forma de captação de recursos, baseada na “legalidade” das contribuições financeiras empresariais, nem para punir exemplarmente alguns filiados capazes de realizar ações alopradas. Por um lado, numa fantasiosa ilusão de classe, acreditou que, se tal “legalidade” valia para todos, deveria valer também para os petistas. Por outro, sua vitória eleitoral em 2006 o fez acreditar que as pechas jogadas pelos inimigos não fariam mossa nas grandes camadas da população.

 

Assim, o PT não deu o valor necessário à estratégia adversária de permanente campanha de demonização e desmoralização contra si e contra suas lideranças, levada a cabo principalmente pelo “partido da mídia”. Não avaliou adequadamente a natureza e os resultados das campanhas eleitorais de 2010 e 2014, transformadas em batalhas de morte frente ao reacionarismo escrachado. Nem deu a atenção devida aos vazamentos seletivos, destinado a envolver dirigentes e parlamentares do partido, produzidos tanto pelo julgamento do “mensalão” quanto pela “Operação Lava-Jato”. Neste último caso, na ilusão de que tal operação estava voltada apenas contra os casos comprovados de corrupção empresarial.

 

O PT e o governo que formalmente dirige, apesar dos alertas de diversos setores sociais e políticos, também não deram atenção devida ao fato de que, logo após a vitória de 2010, grande parte do empresariado iniciou um lockout em relação aos investimentos produtivos. Lockout facilitado pelas altas taxas de juros pagas pelos títulos do governo no mercado financeiro, assim como pelas desonerações. E que aumentou à medida que a ofensiva da direita política crescia, e que os sinais de crise econômica se tornavam ainda mais evidentes, contribuindo para agravar ambas.

 

Diante dessa sucessão de acontecimentos e sinais negativos, com tonalidades tenebrosas, ninguém deveria se declarar “perplexo” com o crime do senador. Já era tempo de estar alerta para tais possibilidades e de haver tomado medidas de salvaguarda do partido, de modo a não ser surpreendido por qualquer tipo de ataque ou de maluquice interna. Será que vai ser preciso algo ainda mais tenebroso e destrutivo do que a ação aloprada e criminosa de um senador, para que a “perplexidade” ceda lugar a medidas extremas de correção de rumos e salvação do partido?

 

Não adianta dizer que as “tratativas” daquele senador não têm “qualquer relação com sua atividade partidária”. Ele as realizava sob o manto de sua condição “partidária” e na condição de “parlamentar” do partido, com o agravante de que era o líder do governo no Senado. Ele foi apanhado em “flagrante” montando uma operação criminosa, ainda por cima pretendendo envolver juízes da corte suprema e altas figuras do governo e do parlamento. Nesse sentido, o voto da bancada do PT no Senado foi de um “legalismo” infantil gritante e de uma “solidariedade” de fato.

 

Diante de tudo isso, não se trata mais de afirmar que “o PT não se julga obrigado a qualquer gesto de solidariedade”. Aliás, cabe perguntar: alguém chegou a sustentar a possibilidade de um “gesto de solidariedade” ao senador? Este personagem merece ser expulso imediatamente porque, qualquer que tenha sido a motivação profunda que o levou a tramar a fuga de seu ex-colega, tal trama causou prejuízos indeléveis ao PT. E não há malabarismo que possa transformar suas palavras, gravadas nitidamente, de crime confesso em qualquer outra coisa.

 

Além disso, no momento em que a “corrupção” se tornou o principal item político das preocupações sociais, e em que o prestígio do PT baixou ao nível mais baixo de sua história, não bastam paliativos. São necessárias medidas extremas para salvar o partido. Talvez seja imperioso estabelecer um “comitê de salvação”, eleito através de um encontro ou congresso de emergência, tanto para fazer uma investigação criteriosa e profunda das ações dos representantes do partido nos parlamentos e nos governos, quanto para estabelecer uma estratégia que retire o PT do poço.

 

O PT precisa tomar a iniciativa de se livrar dos oportunistas, aloprados e meliantes, que porventura tenham ingressado nele. Isto, antes que a justiça do Estado o faça e leve tais criminosos a serem confundidos com o próprio partido, causando-lhe um prejuízo ainda mais incomensurável. E antes que as camadas trabalhadoras e populares acabem aceitando como verdadeira a pecha difundida pela direita de que o PT é um “partido de corruptos”.

 

É provável que o PT esteja diante da última oportunidade que lhe resta para tomar um rumo que o leve a ser novamente considerado coerente com os preceitos de sua fundação. E este é, muito provavelmente, o momento de saber se a militância e os dirigentes do PT ainda têm garra para virar o jogo. Se tal oportunidade for perdida, não adianta pensar que a história absolverá tanto os que, à direita e à esquerda, resistiram ou impediram que tal reconversão, ou salvação ocorresse, quanto os que foram incapazes de convencer aos demais que o precipício estava a um passo, como parece ser o meu caso.

 

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