Correio da Cidadania

Brasil e Estados Unidos: visões do golpe de Honduras de 2009

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No primeiro semestre do mandato de Barack Obama, não houve o registro de divergência de monta entre Brasil e Estados Unidos. Ao contrário, a Casa Branca indicou confiar no Planalto como seu intermediador político em solo sul-americano ou mesmo caribenho, haja vista a necessidade de se relacionar com governos atrelados ao ideário bolivariano.

 

Com a colaboração brasileira, havia a expectativa de findar-se o distanciamento diplomático entre norte-americanos e cubanos, originado na Guerra Fria, até 2012.

 

Todavia, o golpe de Estado ocorrido em um pequeno e paupérrimo território da América Central, Honduras, expôs o primeiro desentendimento entre ambos na última semana de junho de 2009. Brasília e Washington haviam condenado a derrubada do presidente Manuel Zelaya, porém, não concordariam mais tarde com qual solução dever-se-ia implementar para encerrar a crise institucional.

 

Incomum, aquela ação de ruptura havia acontecido a poucos meses do término da gestão de Zelaya, em janeiro de 2010, sob a invocação de que ele pretendia alterar a constituição, através da execução de um referendo, com o propósito de disputar mais uma eleição, a ser realizada em novembro de 2009. Modificar o texto constitucional a tão pouco tempo do pleito seria sem dúvida uma manobra casuística e temerária.

 

Lépido, o Itamaraty articulou até o além-mar o apoio ao dirigente defenestrado, ao solicitar à União Africana solidariedade a ele. Por coincidência, a entidade realizava na Líbia reunião de cúpula, com a participação especial do Brasil.

 

Anteriormente, a própria Organização dos Estados Americanos (OEA) havia instado de maneira emergencial o retorno de Zelaya ao poder, ao suspender de modo imediato Honduras no organismo. A medida baseava-se no artigo 21 da Carta Democrática, aprovada em 2001 - http://www.oas.org/OASpage/port/Documents/Democractic_Charter.htm.

 

Além do mais, ela apontou que não reconheceria o novo governo, encabeçado pelo presidente do Congresso, Roberto Micheletti, primeiro da linha de sucessão.

 

Ciente do limite da pressão política, mesmo extrarregional, o Brasil interrompeu a execução de programas de cooperação e a análise de propostas de financiamento de projetos de infraestrutura, através do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico Social (BNDES), ao passo que os Estados Unidos, não.

 

A cautela norte-americana decorreu em parte da existência de interesses militares – mais de quinhentos efetivos abrigavam-se na base aérea de Soto Cano, próxima a uma hora apenas da capital. Edificada durante a fase última da bipolaridade, ela auxilia o treinamento de oficiais hondurenhos bem como contribui para as atividades de combate ao narcotráfico.

 

Não se pode esquecer-se da proximidade ideológica entre Tegucigalpa e Washington durante a rivalidade sovieto-americana. O país foi em certa extensão o contraponto à Nicarágua sandinista.

 

Deportado para a Costa Rica, Zelaya conseguiu voltar ao torrão natal na segunda quinzena de setembro. Em seguida, refugiar-se-ia na embaixada brasileira. Esperançoso de ter o cargo, logo se frustraria, em função da falta de sustentação política. Em janeiro de 2010, ele teria de viajar para a República Dominicana.

 

A desinteligência entre Estados Unidos e Brasil – ao lado de Argentina e Chile – localizou-se na realização da eleição presidencial, ainda que na data prevista, sem o retorno dele à presidência. Após o resultado da votação, a Casa Branca anunciaria o reconhecimento do eleito, Porfírio Lobo. Com isso, rejeitaria de forma definitiva a postura do Planalto.

 

Ao aderir à Petrocaribe em 2007 e à Aliança Bolivariana dos Povos da Nossa América (ALBA) em 2008, Honduras beneficiou-se em termos econômicos por causa do acesso a petróleo subsidiado da Venezuela e do perdão desta da dívida externa; por outro, desagradou os Estados Unidos, um dos mais tradicionais aliados. Nem com o boicote da Venezuela, houve o recuo dos golpistas. Em janeiro de 2010, Honduras sairia da ALBA.

 

Zelaya ingressou no país em maio de 2011. Com isso, Tegucigalpa pôde solicitar à OEA o encerramento da punição, materializada na interrupção da participação no organismo. A despeito do revés, a postura do Brasil foi um dos momentos de maior firmeza da diplomacia de Lula da Silva.

 

Virgílio Arraes é doutor em História das Relações Internacionais pela Universidade de Brasília e professor colaborador do Instituto de Relações Internacionais da mesma instituição.

Comentários   

0 #1 TrabalhadorJoao 09-11-2015 17:59
Além de dispensável bajulação, esse artigo omite um outro "momento de maior firmeza da diplomacia Lula da Silva", que concerne exatamente à "missão de paz (sic)" patrocinada por forças armadas brasileiras no Haiti, replicando igual e lamentável participação na República Dominicana, nos anos 60.
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