Correio da Cidadania

Luaty

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Angola, como bem se sabe, é uma ditadura, materializada no “presidente” José Eduardo dos Santos, o Zédu, no poder há 36 anos. O apoio e as interações comerciais do Brasil com a cúpula não são menos vergonhosos ou ao menos dúbios que qualquer crítica ao imperialismo do norte com África, Ásia e Oriente Médio.


O último crime contra os direitos humanos da turma que gere Angola como se fosse seu quintal foi uma detenção de 15 jovens, sob absurdas acusações de planejamento de golpe de Estado, porque estavam, vejam só, reunidos como um grupo de estudo para ler o livro Da Ditadura à Democracia, do pacifista estadunidense Gene Sharp.


Tive a chance de conhecer 8 dos 15 jovens, agrupados sob o movimento Central Angola 7311, em fevereiro de 2014. Minha impressão foi muito positiva, ativistas com mais amor que ódio, com o norte claro e sobrevivendo com muita dificuldade em muitos aspectos, sob uma repressão brutal do governo prepotente e totalitário de seu país. A situação é de abuso de poder e transgressão inegável dos direitos humanos destes jovens ativistas.


Um destes jovens é Luaty Beirão, conhecido como Ikonoclasta, rapper angolano e ativista pela democratização do país, que já foi vítima de muitos abusos, como agressões físicas, ameaças e até a tentativa de plantar cocaína em seus pertences para forçar sua prisão durante uma viagem à Portugal.


Desde sua prisão, em 11 de maio deste ano, passou 85 dias em uma cela solitária e, entre a preocupação com seu envenenamento e a luta por seus direitos, mantém uma greve de fome desde 22 de setembro, chegando a quase 30 dias, e se mantém vivo sob cuidados e à base de soro.


Em homenagem a este grande artista-ativista, deixo o texto a seguir.

 

Luaty, nome-poesia

 

Tive a sorte de te conhecer numa (obviamente) calorosa tarde em Luanda, com os manos da Central. A conversa sobre mídia e ativismo em Angola começou tensa, com o cuidado próprio de quem se sabe perseguido. E acabei com uma sensação muito forte e boa, até meio perplexo.

 

Até que entendi por quê: é que você, Luaty, tem um quê diferente no olhar. É um olhar que parece que está sempre focado no horizonte, sempre mirando mais adiante do que as gentes. É um olhar transparente, que denuncia a injustiça, que não tem medo, que não conhece limites. Este olhar é o sintoma mais visível de sua extraordinária patologia: a convicção dos justos.

 

Luaty, nome-anagrama, quase Luta. Y?

 

Para enfrentar os monstros do fascismo, a história já comprovou: só a força infinita do amor fraternal e humanista tem o poder de continuar movendo os frágeis corpos humanos diante dos obstáculos. E Angola, meu caro, está mais pra obstáculo com caminho que pra caminho com obstáculo. Se o fascismo é pedreira, o humanismo é água mole em pedra dura: fura, sem que a pedra perceba a força da disciplina e da paciência do militante convicto, pois a semente da mudança germina em lugares impensados e momentos improváveis.

 

Luaty, nome-artista.

 

Um artista não cria obras, cria mundos. Tem gente que fala que é a pessoa que escolhe o caminho. Luaty: fostes escolhido pelo caminho, o caminho da paz, da igualdade, da fraternidade, dos espíritos livres. Com ou sem pressa, este definitivamente será o caminho de Angola. Um dia.

 

Ikonoclasta, nome-rebelde. Até na caligrafia.

 

Rompe imagens. Mas romper não é um ato de violência. Romper com o silêncio em Angola é um ato de valentia, inevitável para quem vê as coisas com a profundidade da alma, muito além da TV estatal. E aí, manos, nenhuma maquiagem sobrevive à festa. Muito menos um festim de 37, 38, 39 anos...

 

Beirão, nome-força.

 

Mano, se você soubesse tantos e quantos estamos neste momento pensando em ti, orando por ti, lutando por ti. Mas, espera, você sabe! Desde a certeza da convicção não tem solidão.

 

Força, mano, que estás acompanhado.

 

Nota:

 

Mais sobre o contexto nesta excelente reportagem na Pública

 

 

Marcelo Luis B. Santos é consultor e educador em Comunicação e Democracia.

Twitter: @celoo

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