Correio da Cidadania

Mudanças radicais na Palestina

0
0
0
s2sdefault

 

 

Pelo Acordo de Oslo, de 1993, Israel e palestinos concordavam na fundação do Estado da Palestina, em 1998, garantindo-se a segurança do Estado israelense.

 

Isso aconteceria gradualmente, através de passos definidos em negociações bilaterais. De imediato, a Cisjordânia foi dividida em três regiões, administradas por uma Autoridade Palestina (AP), sob as ordens do governador militar israelense.

 

O tempo provou que esse arranjo foi muito conveniente para Telavive. Com o moderado Mohamed Abbas na presidência da AP, foi acertada uma “coordenação de segurança” entre agentes e militares dos dois lados.

 

“Crucial para a segurança da Israel”, de acordo com declarações de diversos oficiais de Israel.

De fato, a AP fornece informações de inteligência ao serviço secreto israelense, prende ativistas do Hamas e da Jihad Islâmica e dissolve manifestações violentas contra a ocupação.

 

Mais importante: Abbas é um moderado, contrário à resistência armada. Depois de sua posse, em 2004, sua única ação para acabar com a ocupação foi insistir em negociações com o regime de Telavive.

 

Ele foi um firme defensor da “solução dos dois Estados”, consagrada pelos EUA e Europa como a única saída para o drama palestino.

 

Nos seus 11 anos como presidente da Autoridade Palestina, Abbas participou de várias negociações de paz patrocinadas pelos EUA, todas elas sabotadas por Israel.

 

No governo Netanyahu, principalmente, a oposição de Telavive a uma Palestina independente e viável, com base nos limites anteriores à guerra de 1967, ficou demonstrada pela expansão dos assentamentos.

 

Diz a ONG israelense Peace Now que, desde a reeleição do premier, houve um aumento de 40% de construções nos assentamentos. E, segundo o Birô Central de Estatísticas, no primeiro semestre deste ano o aumento foi de 54,8% em relação ao mesmo período do ano passado.

 

Se Israel aceitasse a independência da Palestina não iria fazer tantas construções em terras que passariam a ser do novo país.

 

De acordo com informações da agência de notícias Ma´An, Abbas, está admitindo o seu fracasso. Em conversas com membros do seu movimento, o Fatah, revelou que tinha desistido. Com a extrema-direita dando as cartas em Israel seria impossível conseguir a paz numa boa.

 

Ele irá à Assembleia Geral das Nações Unidas, em Nova Iorque, em fins de setembro, para declarar a saída dos palestinos dos Acordos de Oslo, alegando que Israel não cumpriu sua parte.

 

Isso, inevitavelmente, implicará numa mudança radical da estratégia dos palestinos. Segundo Nasser Laham, editor-chefe da Ma´an News, Abbas, mesmo reeleito para o comando da Organização pela Libertação da Palestina (OLP, que reúne todos os grupos pró-independência) deve dar mais poder à “geração jovem”, elementos que defendem as ideias do líder Barghouthi.

 

Mawran Barghouthi é uma unanimidade entre todos os movimentos palestinos. Ele tem um passado de lutas nos movimentos revolucionários.

 

Condenou a corrupção de certos elementos do governo de Yasser Arafat. Foi um dos principais líderes das duas Intifadas, embora condenando os atentados contra civis israelenses.

 

Seu prestígio cresceu depois de sua prisão em 2002 e julgamento em 2004. Foi condenado à prisão perpétua sob acusação de assassinato de cinco civis de Israel, fato que ele sempre negou.

 

Sobre seu julgamento, afirmou a União Inter-Parlamentar (integrada por 163 países): “numerosas brechas na lei internacional tornaram impossível concluir que não foi dado um julgamento justo a Marwan Barghouthi”.

 

Para o escritor e jornalista israelense Uri Avnery, “o julgamento dele foi um escárnio, lembrando mais uma arena romana de gladiadores do que um processo judicial (The Guardian, 2/4/2012)”.

 

Apesar de 13 anos atrás das grades, Barghouthi permanece sendo o mais popular líder político da Palestina.

 

Chamado de Mandela palestino, mesmo na prisão, ele não para de enviar mensagens públicas, criticando pontos como a ocupação, as violações de direitos humanos, a proliferação dos assentamentos e o massacre de Gaza.

 

Sua posição estratégica foi exposta em 2013, em documento propondo a “resistência civil”, o fim de toda cooperação dos palestinos com Israel. Os serviços de segurança da Autoridade Palestina deveriam acabar com todo tipo de colaboração com o exército e o governo de Israel e retirar-se da gestão da administração na Cisjordânia, incluindo dos serviços públicos. Boicote total dos produtos, instituições e comércios israelenses na região.

 

Na área internacional, todo apoio ao BDS (Boicote, Desinvestimento e Sanções), que propaga, em todo o mundo, o boicote econômico, cultural e científico, atingindo importações, exportações, produtos, instituições e eventos israelenses, enquanto durarem os assentamentos e a ocupação. Cujos efeitos já são sensíveis. Segundo relatório da ONU, em 2014, os investimentos estrangeiros em Israel caíram pela metade. Para analistas, em parte devido à campanha de boicote.

 

O cancelamento unilateral do Acordo de Oslo e a desistência de continuar buscando a independência através de negociações, aliados à entrada dos seguidores de Barghouti na direção do OLP, indicam uma provável adoção da resistência civil.

 

Se Abbas cortar mesmo a colaboração com Israel na segurança e na administração da Cisjordânia, as coisas ficarão pretas para o governo Netanyahu.

 

As forças de ocupação perderão as importantes informações de inteligência até agora fornecidas pelo aparelho de segurança palestino. Terão de aumentar consideravelmente suas incursões na Cisjordânia.

 

Sem a ajuda dos policiais palestinos, a situação na região poderá se deteriorar e forçar o exército de Israel a assumir a responsabilidade pela segurança na região.

 

Tudo isso, além de piorar a segurança no próprio território de Israel, ainda trará muito desgaste, causado por mais choques dos soldados com o povo e as vítimas que inevitavelmente serão produzidas.

 

Há ainda mais prejuízos para o governo de Telavive. Com a resistência civil em curso, acaba a Autoridade Palestina e Israel teria de retomar a administração da Cisjordânia.

 

Seus cofres serão forçados a se abrirem para pagamento de funcionários municipais e das despesas originadas pela operação dos sistemas de água e de esgoto de toda a Cisjordânia, ora a cargo da Autoridade Palestina.

 

O volume dos problemas de segurança e o montante dos novos gastos que o governo Netanyahu teria de encarar não serão nada desprezíveis. Assustadores, considerando a situação pouco confortável das finanças de Telavive.

 

Talvez obrigue o premier a adotar uma postura mais conciliadora, interromper os assentamentos, libertar prisioneiros palestinos, admitir por atos e não palavras que aceita uma Palestina independente.

 

Há quem diga que esse é o verdadeiro objetivo das ameaças de mudança radical de Mohamed Abbas.

 

Leia também:


Os frutos da impunidade

 

 

Luiz Eça é jornalista.


Website: Olhar o Mundo.

 

0
0
0
s2sdefault