Correio da Cidadania

Se não temos sinais, sejamos um sinal

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Deus é um nome para se pronunciar quando não há razões para esperar, nem mesmo para sorrir. (Rubem Alves)

 

Tenho percebido nesses últimos meses um forte desconforto com relação ao futuro que se descortina para o Brasil que tanto amamos. O quadro político é caótico, a economia agoniza e os problemas ecossociais se avolumam. Mesmo os mais otimistas não conseguem fugir à sensação de que a coisa não anda bem.

 

É verdade que há indicadores positivos que acabam ficando escondidos nos escombros das leituras rápidas deste presente estridente, polarizado, que não tem ouvidos e olhos para importantes conquistas cidadãs que com tanto suor foram feitas nos últimos anos.

 

O Brasil parece ser uma grande boca a gritar a dor da sua história de injustiças. Talvez que devamos mesmo ser, neste momento, esta grande boca a achincalhar nossa sorte. Unamuno já dissera que não basta curar a peste, há que sabê-la chorar. Mas, em algum momento, além do grito forte, será fundamental o ouvido atento e o olhar transparente, fundamentais ao pensamento, sem o qual não se vai a lugar nenhum.

 

Se entendermos que a esperança se alimenta de sinais positivos, transformadores, abridores de horizontes, é fato que neste tempo ela anda em baixa. Mas me pergunto se a esperança nascida da memória de Jesus de Nazaré está condicionada aos sinais positivos e milagres do presente.

 

Este momento de poucos avanços transformadores, e mesmo de retrocessos em importantes conquistas democráticas, pode ser fértil para repensarmos a nossa noção de esperança.

 

E aqui evoco o teopoeta Rubem Alves com sua inquietante releitura da intuição paulina de que esperamos contra toda a esperança. Ou seja, a esperança judaico-cristã não é uma esperança que se dá em função de, em razão de, por causa de. É esperança a despeito de, apesar de, ainda que. Por isso ela é teimosa, ousada, mantendo-se viva mesmo quando não há sinais positivos que a justifiquem.

 

Para Rubem, Deus é o nome que pronunciamos no vácuo da conjunção todavia. Deus é um nome para se pronunciar quando não há razão para esperar. Deus aqui não como substantivo, mas como uma estranha conjunção a fazer a ligação entre a morte que se anuncia e a vida que brota.

 

Tais voos teopoéticos de Rubem podem nos ajudar neste momento. Fico pensando na noção de esperança que precisa de sinais para se alimentar. Sua condição de possiblidade é a presença dos sinais positivos. Creio, se tenho sinais que deem sustentação ao crer.

 

A esperança do profeta Habacuque, também paulina, parece apontar para outra direção. Ela cresce não por causa, mas a despeito da presença de sinais exteriores. Ainda que a figueira não floresça, nem haja fruto na vide... Eu todavia me alegrarei em Deus.


Essa esperança profunda, que espera apesar de, é ela mesma um grande sinal, um grande milagre. Ela se expressa na arte de lutar pela vida sem garantias de que nossos esforços serão recompensados. Então, se não temos muitos sinais positivos no horizonte do presente, sejamos um sinal de esperança nos diversos campos em que lutamos por esta frátria que, a julgar pela estridência, ainda está a nascer.

 

 

Edson Fernando de Almeida é pastor da Igreja Cristã de Ipanema e pós-doutorando no Programa de Ciências da Religião da UFJF.

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