Correio da Cidadania

O céu tomado de assalto: o Paraná e a luta popular contra a austeridade

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Uma nova ofensiva neoliberal


Apesar da acanhada e pouco simpática cobertura das grandes empresas de comunicação à paralisação empreendida, inicialmente, pelos trabalhadores da rede pública de ensino estadual paranaense e suas organizações sindicais, o movimento grevista tem ganhado musculatura e se fortalecido a cada dia no estado.

 

Com amplo apoio das categorias de funcionários da educação pública, inclusive das esferas federal e municipal, e também de outros estados, além da adesão crescente de categorias distintas de servidores públicos e trabalhadores, como agentes penitenciários, caminhoneiros, sindicatos de funcionários da saúde pública, estudantes, e parte da população em geral, a movimentação têm tomado contornos de greve geral nos últimos dias.

 

A perspectiva de uma resolução da crise posta no Paraná, ao menos na superfície, não se revela simplificada, e demonstra ser o resultado de uma série histórica de condutas calamitosas do atual governo estadual.

 

Independentemente de ostentar uma das cinco maiores arrecadações da União, e ter figurado em quarto lugar entre os maiores recolhimentos tributários dos estados no ano de 2012 (1), a saída política encontrada para a resolução do endividamento no caixa do governo paranaense foi o estabelecimento de um rigoroso corte de gastos sociais e a redução progressiva de investimentos nos serviços e obras públicas.

 

O governo Richa forceja transferir para a população paranaense o déficit da crise, que tem conduzido os setores da saúde e educação a condições ameaçadoras. Nesta conjuntura, têm sido as esferas mais prejudicadas pela política de austeridade adotada, como recomendam os entusiastas da cartilha neoliberal.

 

Criar o problema, diagnosticá-lo e posteriormente impor as soluções, geralmente resolvidas através da lógica mercantil. Sucatear o bem público, desvalorizá-lo e, finalmente, oferecê-lo à iniciativa privada como remédio.

 

A categoria dos funcionários da educação e sua principal representação sindical, a APP (Sindicato dos Trabalhadores em Educação Pública do Paraná), já se mostraram atentos às caminhadas sinuosas de Beto Richa em setembro de 2013, ao convocar uma paralisação pelas recorrentes quebras de promessa do pagamento de salários atrasados, reenquadramentos funcionais e benefícios vigentes pelo governador.

 

A adesão foi ainda maior na greve convocada em abril do ano seguinte, que mobilizou cerca de 30 mil professores e funcionários escolares de todo o estado, em grande protesto que tomou as ruas da capital paranaense.

 

As exigências da categoria foram praticamente as mesmas: que Richa cumprisse com as suas obrigações financeiras e acertasse as pendências e dívidas com os trabalhadores da educação.

 

Seria o início de uma série de tentativas evidentes do desmonte dos serviços públicos, promovido pela atual administração estadual. Calotes nos pagamentos de salários e benefícios do funcionalismo público, ausência de repasse de verbas para o funcionamento básico de escolas e universidades estaduais (comprometendo também o funcionamento dos Hospitais Universitários, principalmente da UEL em Londrina); a não convocação de professores aprovados em concurso; encerramento de projetos pedagógicos escolares; centenas de salas de aula desativadas, milhares de estudantes não matriculados; demissão progressiva de servidores; cancelamento de contratos de empresas terceirizadas prestadoras de serviço; cortes sumários de bolsas de pesquisa; e a ameaça constante de fechamento de quatro das sete universidades estaduais que figuram entre as melhores do país.

 

Além disso, a pilhagem foi empreendida em outras frentes. Entre estas, o saque de 613 milhões de reais do fundo de previdência pública dos trabalhadores, o Paranaprevidência, para pagamento da folha do funcionalismo em 2012.

 

Uma profunda indignação também foi despertada com o envio para a Assembleia Estadual, já no apagar das luzes de 2014, de um novo estatuto previdenciário para o funcionalismo do estado que, entre outras medidas dirigidas contra direitos trabalhistas conquistados há décadas, reduziu o teto máximo para aposentadoria dos servidores.

 

Outro fator significativo foi o ‘tarifaço’, que promoveu aumento exorbitante dos impostos estaduais como o IPVA, e o ICMS sobre combustíveis e outros produtos de consumo popular, muito acima dos índices inflacionários.

 

Também tem sido alvo de revoltas o encarecimento do preço dos pedágios, que conferiram ao Paraná a reputação de ‘ pedágio mais caro do mundo’ que, além de prejudicar o orçamento familiar de motoristas que se deslocam pelas rodovias do estado, tem provocado aumento no custeio dos fretes e o prejuízo dos motoristas de carretas e caminhões.

 

Fora uma avalanche em série de medidas que atacaram direitos historicamente adquiridos pelos paranaenses, e que a partir deste momento tem comprometido o funcionamento das empresas e instituições públicas, além da economia de forma geral.

 

E como se todos estes aspectos não fossem suficientes, integrantes do primeiro escalão do governo estadual, incluindo o próprio governador, se recusaram a abrir mão do reajuste de seus próprios salários, um dos mais altos para os cargos no país. A situação se desenha mais grave a cada momento no estado.

 

A tomada do céu: a assembleia, a greve, e a ocupação da Assembleia Legislativa. Uma retomada do protagonismo dos trabalhadores

Já em fevereiro de 2015, a cidade de Guarapuava, pertencente ao centro-sul paranaense, registrou talvez a maior das assembleias da história da categoria dos trabalhadores da educação no estado, com dez mil pessoas presentes, que decidiram por unanimidade o início da paralisação das atividades por tempo indeterminado, a partir do dia 9 de fevereiro.

 

De reivindicação inicialmente econômica, o movimento começaria a tomar proporções políticas mais acentuadas, numa vigorosa retomada do caráter de classe das manifestações. A greve foi deflagrada.

 

No dia 10 de fevereiro, milhares de professores, funcionários e estudantes montaram acampamento nos arredores da Assembleia Legislativa do estado (ALEP). Cerca de quinze mil pessoas, vindas de diversas cidades paranaenses, ocuparam o local com o apoio do sindicato (APP).

 

Neste dia, o ‘pacotaço’ seria votado na Assembleia, causando grande preocupação e inquietação nos ânimos dos acampados. Em determinado momento, alguns se lançaram contra os portões da Assembleia Legislativa do Paraná (ALEP), numa tentativa de adentrar a votação e exercer pressão sobre os deputados.

 

Houve tensão. Um grande contingente de manifestantes se dirigiu até a entrada principal do prédio, forçando a passagem. Apesar de alguns policiais presentes, não foi impedida de forma contundente a entrada dos manifestantes na Assembleia, que conseguiram adiar a votação do ‘pacotaço’. Esta foi a primeira vitória da greve.

 

A partir de então, o interior da ALEP fora ocupado por aproximadamente mil manifestantes, que levantaram acampamento e montaram barricadas. A qualquer momento os policiais entrariam no prédio. Aguardavam o comando do governador, que nas horas anteriores havia dado uma declaração pública, amplamente divulgada nas redes sociais, se referindo aos manifestantes como ‘baderneiros’. Os ocupantes resistiam e, conforme o tempo passava, alguns deixavam o local. Um oficial de justiça declarou a uma das lideranças sindicais que a APP seria multada por dez mil reais por hora enquanto estivessem no interior da ALEP. Era grande a pressão.

 

A ocupação da Assembleia já durava dois dias, até que em 12 de fevereiro, após a entrada de deputados em um anexo da ALEP, escoltados dentro de um camburão da polícia para uma nova tentativa de votação do ‘pacotaço’, houve um confronto entre os acampados do lado de fora e os policiais.

 

Os manifestantes de forma pacífica, mas não sem sofrer violência por parte da polícia, aos poucos irromperam os portões do prédio e os cordões de segurança dos policiais, e adentraram em massa na Assembleia. Apesar da repressão, houve uma confraternização inédita entre manifestantes e uma parcela dos policiais.

 

Era uma rara ocupação de massa, da qual seria quase impossível uma contenção pela polícia sem que houvesse uma tragédia. A greve obteve mais uma vitória.

 

Durante o carnaval, o prédio da ALEP fora desocupado pelos manifestantes pacificamente, e de lá permanecem acampados nas barracas no entorno do edifício.

 

A greve no Paraná continua em alerta máximo

 

Com os recém-alcançados efeitos de sua dimensão histórica, ainda reverberam vigorosas manifestações de apoio à movimentação nas cidades do interior e demais localidades do estado, além da cooperação e suporte de outras regiões do país.

 

Alguns destes protestos, igualmente inéditos, como a manifestação ocorrida no dia 23 de fevereiro em Irati, localizada na porção centro-sul do estado, testemunharam mais de três mil pessoas tomando as ruas da cidade em defesa do campus universitário ameaçado de fechamento.

 

O momento atual demonstra otimistas perspectivas de animar novas convocações para o reforço e definição dos rumos desta luta, empreendida principalmente por trabalhadores e trabalhadoras da educação estadual paranaense, ao lado de outras categorias que se identificam e colaboram com as pautas de reivindicação.

 

Personagens que neste exato momento retomam seu protagonismo histórico na cena política, um tanto coadjuvantes nas recentes manifestações urbanas irrompidas desde junho de 2013.

 

 

Andre Abreu da Silva é mestrando em História pela UNICENTRO de Irati, Paraná.

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