Correio da Cidadania

A “Marcha do Silêncio” ficou pequena

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Terminou a marcha convocada pra 18 de fevereiro, a um mês da morte do fiscal da República Alberto Nisman. A primeira coisa que se pode dizer é que os fiscais e os políticos opositores convocadores, mais Jose Piumato (secretário geral do Sindicato dos Empregados do Judiciário) e a multimídia, como a TN e a CNN em nível internacional, não conseguiram transpor a habitual composição social dos “panelaços” da burguesia e das classes médias altas. Não se tratou de uma marcha multitudinária e nem popular. O centro de gravidade da marcha esteve marcado pelo pessoal hierárquico do Poder Judicial, em uma assistência que ficou pequena em relação às ambições dos organizadores.

 

Um número realista sobre a participação é que estiveram presentes cerca de 100 mil pessoas, não mais. Não se compara com o panelaço de novembro de 2012, que encheu não só a Praça de Maio, mas todo o entorno do Obelisco, pela imensa Avenida 9 de Julho.

 

A realidade, portanto, é que a mobilização não conseguiu transpor outras camadas sociais, ou seja, chegar aos setores populares. Tampouco no interior do país a marcha foi massiva. Houve importantes concentrações, mas não se viveu nenhum panelaço histórico.

 

Os organizadores, quiçá, se protegem atrás da chuva que atingiu a cidade de Buenos Aires. Mas isto não explica o porquê de no interior tampouco chegar a ser massiva como se esperava. Outro argumento é que estamos ainda nos meses de verão. Mas esta justificativa não resiste à análise, porque os grandes eventos históricos não respeitam o calendário.

 

Talvez, a razão mais profunda de o movimento ter ficado pequeno seja a limitação do programa que encarna. Os lemas da “marcha do silêncio” cantados pelos manifestantes eram “justiça”, “somos todos Nisman”, “presentes”, e estrofes do hino nacional argentino. Isto não é suficiente para ir mais além das classes médias altas. Nem ao menos para iniciar a “revolução das classes médias”, que segundo Elisa Carrió havia começado.

 

Outro problema da mobilização foi sua composição geracional: de maneira mais marcada do que nos panelaços, a média de idade foi muito alta, entre 50 e 60 anos, ou talvez pouco menos. Não apenas não houve a participação de setores populares como menos ainda de trabalhadores. Tampouco participaram os jovens, salvo no final da manifestação e de maneira isolada.

 

A realidade, portanto, é de que o governo teve certo êxito na sua política de polarização a respeito da marcha.

 

De um lado, estão a pauta abstrata de “República” e a defesa corporativa de uma suposta “independência” do Poder Judiciário. Poder este que é um dos mais oligárquicos, antidemocráticos e atrelados ao passado da ditadura militar.

 

Do outro lado, está o governo kirchnerista, que se apresenta reivindicando as “conquistas” da última década, como a superação do desemprego de massas. Algo que, na realidade, foi subproduto da rebelião popular de 2001, sob pena de que a Argentina capitalista terminasse explodindo pelos ares.

 

Mas também temos de advertir que vivemos um fim de ciclo cujo conteúdo massivo é a raiva ao governo Kirchner entre amplos setores populares e de trabalhadores, por conta da precarização das condições de vida: queda do salário real, tendência de aumento do desemprego, imposto sobre o salário e outras reivindicações populares. Contudo, estes sentimentos reais não alimentaram a marcha do dia 18 de fevereiro, entre outros motivos porque essa convocatória não levava em conta, como assinalamos, nenhum apelo ou problema operário e popular.

 

A situação em torno do caso Nisman colocou uma crise global, onde meteram os dedos setores do imperialismo ianque e do sionismo internacional, em concomitância com a reacionária islamofobia que pregam mundialmente. Mas isto parece não ser suficiente para gerar uma mobilização da sociedade em seu conjunto. O programa reacionário da “República”, abstrato e de reivindicações supostamente “democráticas”, mas de conteúdo igualmente retrógrado, de “fortalecer as instituições existentes”, não comoveu setores mais amplos.

 

Isto deixa um ensinamento, também, àqueles setores da esquerda que vêm levando adiante uma política “seguidora” dos mandos e desmandos da oposição de direita, como é o caso do Partido Obrero, líder indiscutível da FIT (Frente de Esquerda dos Trabalhadores).

 

A saída para se levantar à esquerda deve ser independente de todo bando patronal. Para acabar com a impunidade em casos como o atentado à AMIA (Associação Mutual Israelita-Argentina), em 1994, é preciso pautar uma comissão investigadora independente; também há que se pressionar pela dissolução efetiva da ex-SIDE (Secretaria de Inteligência de Estado), e não a sua substituição por um novo mecanismo de inteligência, como a AFI. Ao mesmo tempo, o Poder Judiciário deve ser reformulado de cima a baixo, a fim de liquidar seu caráter de corporação oligárquica.

 

Porém, mesmo tudo isso não basta. Frente a uma crise que aqui não termina, pois é global, cuja “dialética” seguirá sendo dada pelos golpes e contragolpes no lodo da política patronal, é necessária uma saída realmente democrática: uma Assembleia Constituinte Soberana. Uma saída que combine o apelo contra a impunidade e a luta contra o caráter antidemocrático deste Estado patronal, e sua “democracia” dos ricos, com as reivindicações mais sentidas dos trabalhadores e dos setores populares.

 

Porque o que está em crise é o ordenamento econômico, social e político do conjunto da Argentina: um ordenamento que só poderá realmente ser mudado pelas mobilizações dos trabalhadores que sejam independentes de ambos os bandos das classes superiores e do imperialismo. Isso é o que tem de ser discutido neste final de ciclo do kirchnerismo.

 

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Nuevo Mas – Movimento ao Socialismo – Argentina.

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