Correio da Cidadania

Agressões da Guarda Municipal marcam os atos contra o aumento da tarifa em Aracaju

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Com poder de polícia, Guarda Municipal de Aracaju (GMA) vem praticando
diversos atos de agressão contra os manifestantes nos protestos públicos.

Na última sexta-feira, 23, por volta das 19h, no centro de Aracaju, os militantes que participavam de mais uma manifestação contra o aumento da tarifa do ônibus se organizavam para o final do ato e a dispersão segura dos manifestantes. Neste momento, algumas pessoas já alertavam sobre o perigo de sair sozinho dos atos e a necessidade de andar em coletivo. Sendo assim, grupos foram formados por ciclistas e passageiros a fim de se protegerem do braço armado do prefeito João Alves (DEM) – a Guarda Municipal de Aracaju (GMA).

 

O alerta serviu como um prenúncio do que viria a acontecer depois da partida dos manifestantes. Logo na saída de um grupo pela avenida Ivo do Padro (a rua da frente), perto do Museu da Gente Sergipana, três pessoas de bike foram paradas pelos guardas municipais. Para não confundir a compreensão dos fatos e preservar a integridade das fontes, vamos identificar este primeiro grupo com a letra A. Segundo os integrantes do Movimento Não Pago, aconteceram, no mínimo, cinco abordagens truculentas da GM naquele dia. Com o grupo A, os guardas encontraram um baseado com um dos manifestantes e o encaminharam para a Delegacia Plantonista. Ao chegar na delegacia, os guardas plantaram três buchas de maconha prensada, com a finalidade de enquadrar o militante como traficante.

 

Ao ver o grupo A tomando baculejo, seis militantes desceram do ônibus para ajudar os companheiros, foi quando outros guardas, que seguiam o ônibus, realizaram a segunda abordagem truculenta da noite. De acordo com informações de um militante, menor de idade, quando eles desceram do buzú a GMA mandou logo eles botarem a mão na cabeça e encostarem na parede.

 

“Dois agentes fizeram a revista – ambos sem identificação. Logo quando nos pegaram, um deles (irei chamar de Agente 01) veio apertando meu pescoço, me fazendo abrir as pernas de forma violenta, chutando-as. Fazia-me virar o rosto com tapas na nuca. Tentei falar algo em relação à identificação deles e o Agente 01 me deu um soco no lado do meu rosto, fazendo meus óculos e meu chapéu caírem. Eu sorri de forma irônica, este mesmo agente gritou nos meus ouvidos dizendo que “ele não era palhaço”, me dando novamente um tapa na nuca. Pedi meus óculos e o Agente 01 me mandou virar o rosto com outro tapa agressivo”, conta.

 

O adolescente relata que, após todos do grupo B terem ficado alguns minutos com as mãos na cabeça e os braços levantados, um segundo guarda veio revistar os bornais de forma mais pacífica. “Antes de nos liberarem eles ficaram falando para nós do movimento ter mais respeito, dizendo que poderíamos protestar, xingar o prefeito e o que quiser, mas devemos obter o respeito em relação a esses guardas. Minha revista foi violenta, seguidas de chutes, tapas, socos e apertos na nuca. Além de me agredir verbalmente com xingamentos agressivos e preconceituosos”, acrescenta.

 

Uma outra manifestante, que também estava no grupo B, afirma que tinha duas meninas entre os abordados e que não havia mulher na viatura para fazer a revista. “Enquanto os meninos diziam que as meninas não poderiam ser revistadas, um deles agredia com socos, tapas e humilhava em cada baculejo que fazia nos rapazes. Analisaram as mochilas e pediram pra desbloquear os aparelhos celulares. Teve um guarda que começou a chamar um dos meninos de “viadinho” e insinuou, de forma bem direta, que dois rapazes mantinham relações sexuais, constrangendo-os e invadindo a privacidade dos mesmos”.

 

Não se contentando com a agressão feita pela GMA, um agente da Superintendência Municipal de Transportes e Trânsito (SMTT) aproveitou o ensejo para humilhar mais o grupo. “Esta é uma atitude que demonstra a ditadura disfarçada dos tempos atuais. Sei que esse embate é forte, mas, devemos nos juntar contra essas práticas fascistas, machistas e opressoras”, analisa a manifestante.

 

A concepção militar da GMA

 

A GMA foi criada em 1991 com o intuito de preservar o patrimônio público das ações dos “vândalos”. A ideia de que guarda é apenas um protetor da coisa pública deixou de ser prioridade das guardas municipais do Brasil a partir de agosto do ano passado, quando a presidenta Dilma Roussef sancionou a Lei 13.022/2014, dando a eles um poder de polícia.

 

Em Aracaju, desde 2012 – ano em que João Alves (DEM) assume a prefeitura -, a guarda municipal começa a exercer atividades de policiamento, fiscalização e vigilância. Para tanto, cursos de capacitação com representantes policiais do estado e até do Batalhão de Operações Policiais Especiais (BOPE), do Rio de Janeiro, são ofertados regularmente para a corporação.

 

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Paradoxalmente, no dia 23 de janeiro, mesmo dia das cinco abordagens violentas da GMA, o Ministério Público de Sergipe se reuniu com o prefeito João Alves (DEM) para discutir uma recomendação expedida em outubro do ano passado, em que condena atos exclusivos de policiais realizados por guardas. De acordo com o MP/SE, compete à GMA: proteção de bens, serviços, logradouros públicos de Aracaju, proteção do patrimônio cultural e dos eventos culturais e patrulhamento preventivo.

 

Para justificar os atos abusivos da GMA, o prefeito afirmou que a guarda está com uma nova visão de segurança pública, sendo assim, a corporação não tem a função apenas de preservar o patrimônio público municipal, mas de, sobretudo, proteger a população aracajuana. É importante frisar que a recomendação foi motivada pelo Comando Geral da Polícia Militar de Sergipe, acreditando que as ações da GMA estão extrapolando os direitos constitucionais.

 

A criminalização que vem desde o tempo dos Palmares

 

A criminalização, por parte do estado, aos movimentos sociais é uma prática antiga no território brasileiro. Desde os primeiros focos de resistências dos negros africanos, que foram trazidos para cá no período escravista, o governo sempre utilizou da repressão e da violência para estabelecer a ordem pública. A violência de Estado continuou nos anos que sucederam a escravidão e hoje ela é institucionalizada e livremente praticada, principalmente, pelos órgãos da segurança pública.

 

De acordo com o relato de uma das manifestantes, que estava em outro grupo, ela foi obrigada a descer de um ônibus com outras duas meninas, no bairro Sol Nascente. “Eles entraram no ônibus falando que tinha algumas meninas no ônibus portando arma branca e com entorpecentes. Com isso, as pessoas que estavam no ônibus se assustaram com a nossa presença, achando que seríamos criminosas”.

 

Ela, pertencente ao quinto e último grupo abordado, ainda coloca que um dos guardas exigiu que elas fornecessem os números dos celulares e que assinassem um documento duvidoso. “Além disso, gravaram um vídeo meu pedindo desculpa à corporação pelas músicas cantadas nos atos e pelos vídeos denúncia compartilhados pela página do Movimento Não Pago. (Veja vídeo em que a GMA atropela manifestante em ato público)

 

Conforme Flávio Marcel, integrante do Não Pago, o movimento acredita que os atos praticados foram de tortura, ferindo os direitos humanos. “Os guardas levaram camisas, bottons, materiais, panfletos do movimento e roubaram pertences. No dia 9 de janeiro, a GMA atropelou uma ciclista, usou cassetetes e arma de balas de borracha multimpact contra os manifestantes. Mesmo a GMA negando o acontecido, temos vídeos e provas que confirmam nossa acusação. O movimento já procurou a Defensoria Pública do Estado para denunciar os recentes casos.”, afirma.

 

“A Defensoria garantiu que irá encaminhar uma ação que garanta o direito de manifestação e a segurança dos manifestantes nos atos. Também ficou acordado que a Defensoria irá proibir o uso de armas não letais por parte da GMA e entrar com um pedido de habeas corpus coletivo”, fala Flávio, acrescentando que este mesmo procedimento foi tomado nas grandes manifestações de 2013. “Na quinta-feira, dia 29, o Não Pago irá para o MP/SE para fazer mais uma denúncia para sensibilizar os órgãos quanto a esta questão. Não podemos perder nosso direito de ir às ruas para protestar contra esse aumento abusivo”, conclui.

 

Na próxima sexta-feira, 30, às 15h, um novo ato contra o aumento está marcado para acontecer no terminal do DIA. “Eles querem intimidar e calar nossa voz, mas não vamos silenciar. Vamos continuar nas ruas, lutando por uma vida sem catracas e sem opressão”, conclui Flávio.

 

 

Geilson Gomes é jornalista e coordenador da Revista Rever, onde esta matéria foi originalmente publicada.

Créditos das fotos: Foto 1 – Jadilson Simões / Foto 2 – Jéssica Dias

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