Correio da Cidadania

Não acabou!

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A manifestação de sexta-feira, no centro da cidade de São Paulo, organizada pelo MPL e contando com a integração de diversos coletivos, cada vez mais atuantes, ao contrário da anterior, realizada no bairro do Tatuapé, não chegou ao final, mas nem por isso foi menos bonita e empolgante. Aliás, a água tão em falta em São Paulo, em razão de reiteradas irresponsabilidades administrativas, deu o ar de sua graça em forma de chuva, expondo o espetáculo das contradições.

 

Com efeito, em cena digna de filme de Fellini, parecia que só chovia nos manifestantes, mas não como punição e sim como um prêmio pela realização do ato, já que a água se tornou esse bem extremamente raro e caro em nossa realidade. Assim, quanto mais chovia mais eram regadas as esperanças dos manifestantes e mais animados e fortes eram os gritos que expressavam.

 

Em volta, as pessoas que olhavam a manifestação passar, escondendo-se da chuva, pareciam esturricadas e tristes. Quanto aos policiais não integrados à tropa de choque, que acompanhavam os manifestantes lado a lado sem ar de muita coisa, por mais que chovesse não se molhavam, talvez porque só chovesse mesmo sobre os manifestantes, talvez porque estivessem em outra dimensão, quem sabe acumulando a visualização dos “bicos” que ainda teriam que fazer, saindo dali, para compensar os baixos salários.

 

Depois de quase duas horas de manifestação, um tumulto, provocado por uma bomba cuja autoria do lançamento ninguém ainda conseguiu esclarecer, foi o suficiente para que a tropa de choque resolvesse finalizar o ato: saiu atirando bombas de gás em todo mundo e para todo lado.

 

Com a dispersão, andando pelas ruas e no metrô, foi interessante ver a separação muito nítida que se estabeleceu entre quem tinha participado do ato, que estava encharcado, e quem estava, digamos assim, vivendo a sua vida normal, sem muito contato recente com a água, carregando certa desesperança.

 

A diferença do estado físico refletia claramente uma distinção no estado de espírito. Uma hipótese para isso é que a falta d’água, aliada às premências da sobrevivência, anestesia a mente, e mentes anestesiadas sequer são capazes de se indignar contra a falta d’água, que dirá, então, lutar por direitos alheios, como fazem os integrantes do MPL e dos demais grupos que participam das manifestações, notadamente no que se refere às causas da classe trabalhadora.

 

Nesse quadro sobressai ainda mais a importância das manifestações, que acabam se apresentando como um rio entrecortando a cidade de concreto, seca e ao mesmo tempo quente e fria, irrigando as consciências e os necessários sentimentos de indignação e de solidariedade.

 

 

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Jorge Luiz Souto Maior é professor livre-docente de Direito do Trabalho da Faculdade de Direito da USP.

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