Correio da Cidadania

‘2015 já começou e os trabalhadores devem se preparar para lutar pelos seus direitos’

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Em mais uma entrevista com representantes da esquerda, entrevistamos a dirigente do PSTU Mariucha Fontana, que fez uma análise da participação do partido nas eleições e também da atual conjuntura geral. Apesar dos poucos votos somados, Mariucha acredita que o partido conseguiu ampliar sua inserção em setores populares e alinhados aos interesses dos trabalhadores. Por outro lado, também mostrou que o partido tem a percepção de que uma reforma política não necessariamente atenderá aos anseios da maioria.

 

“A esquerda não pode ter como prioritária a ação eleitoral. Esta deve ser uma ação subordinada, subsidiária, na disputa pela consciência e organização da maioria dos explorados e oprimidos. Mesmo assim, nós defendemos muitas medidas de democratização das eleições e ampliação das liberdades democráticas”, afirmou.

 

Ao fazer uma análise da atual construção política transformadora, inclusive em respeito dos direitos humanos mais básicos, a socialista defende, no atual estágio de subordinação do Brasil ao capitalismo transnacional, que qualquer emancipação humana passa obrigatoriamente pelo enfrentamento do sistema e suas lógicas. Quanto ao futuro, prognostica um ano difícil para os trabalhadores, o que não é surpresa alguma para quem já esperava que o novo governo petista reiterasse seus acordos com o mercado.

 

“Basta olhar o ministério escolhido para vermos quem pagará o preço da crise. Vemos as ameaças de demissões na Volks e Volvo, as propostas de diminuição de salários. Um governo que vive dando subsídios para empresários, mas não tem coragem de impor uma lei que garanta estabilidade no emprego para os trabalhadores, que às vésperas do Natal estão ameaçados de irem para a rua”, analisou.

 

A entrevista completa com Mariucha Fontana pode ser lida a seguir.

 

Correio da Cidadania: Qual a sua avaliação sobre o resultado obtido pelo PSTU nas urnas? Era esse resultado o esperado, ele representa o partido?

 

Mariucha Fontana: Nós consideramos que o PSTU fez, de norte a sul do país, uma campanha eleitoral extraordinária e saiu desta batalha orgulhoso, com uma avaliação de missão cumprida. Nosso resultado eleitoral nacional, em relação ao número de votos que obtivemos, é inferior à real inserção do partido entre os trabalhadores e a juventude, embora tenhamos tido também alguns bons resultados eleitorais em diversos estados. Mas, certamente, nossa votação presidencial é inferior ao peso que temos.

 

Isto se deve, em primeiro lugar, ao fato de que as eleições não são verdadeiramente democráticas. A desigualdade levada ao limite é o que prima na disputa, controlada pelo poder econômico e agências de publicidade e pela mídia. E o eleitor é cada vez mais encarado como um “consumidor”, para quem as diversas campanhas “vendem” um produto. O poder econômico, a manipulação e a falta de democracia (escasso tempo na TV/rádio e proibição de participação nos debates) controlam este processo. Numa eleição polarizada, além do mais, também entra a lógica do “mal menor”, na qual as pessoas acabam votando não em quem os representa, mas no que lhes parece menos pior, para evitar um “mal maior”. Este voto, que representa mais um voto contra o que lhe parece pior, é chamado erradamente de “voto útil”. Na verdade, é inútil, porque legitima candidaturas que não representam o que realmente necessitam e desejam os trabalhadores e a maioria do povo.

 

Em função destes limites estruturais, não avaliamos nossa participação centralmente pelo número de votos, mas principalmente pelo critério da construção e implantação militante do partido entre a classe operária, nas fábricas, canteiros de obras, refinarias, escolas, demais locais de trabalho e bairros populares. E nesse quesito tivemos um resultado extraordinário, muito positivo.

 

Correio da Cidadania: Considerando-se a já relativamente longa participação nas eleições, por que o PSTU não alcança um resultado eleitoral mais substancial a seu ver? O que este resultado diz sobre os erros e acertos da estratégia política e eleitoral que vocês têm perseguido?

 

Mariucha Fontana: Pensamos que a votação do PSTU, no contexto atual, representa uma combinação de dois fatores: o primeiro é a falta de democracia do processo eleitoral, completamente controlado pelo poder econômico e pelo sistema (basta ver o orçamento e financiamento de campanhas), agregado ao pouco tempo de TV, ao boicote e grande desigualdade de aparição da mídia e proibição de participação nos debates. O que cria uma situação quase de semilegalidade, porque a população chega a pensar que existem apenas os candidatos que participam dos debates.

 

Por outro lado, ainda há ilusões dos trabalhadores em organizações da esquerda que não se propõem a mudar o sistema capitalista e nem atuar além da ordem atual das coisas. O PSTU acredita que a mudança necessária e desejada pela maioria não virá das eleições, mas das lutas dos trabalhadores e do povo. A participação nas eleições, portanto, desde um ponto de vista de uma esquerda revolucionária, precisa estar subordinada ao avanço das lutas, da consciência e da organização da classe trabalhadora, para que seja ela a mudar o país através da sua ação direta. Desde este ponto de vista, o PSTU tem orgulho de manter uma estratégia revolucionária e não meramente eleitoral. Foi a inversão desta estratégia que levou o PT a estar onde está hoje: conseguiu muitos deputados, governadores e até a presidência do país, mas às custas do abandono de uma estratégia de mudança substancial, em troca de uma atuação “possibilista” nos marcos do capitalismo e da ordem.

 

O PSTU confia que a classe trabalhadora vai encontrar os caminhos para libertar-se deste sistema e o PSTU estará ao lado dela, ajudando-a neste caminho. Não vale a pena abandonar a estratégia da revolução e do socialismo por uma estratégia eleitoral. Quem sucumbiu a isto, passou a ser financiado por empresas e, longe de mudar o Estado, o regime e o sistema, foi mudado por eles.

 

Correio da Cidadania: Batendo um pouco na mesma tecla, o monopólio da mídia e dos recursos pelos partidos da ordem é parte essencial das eleições burguesas. A priorização da opção eleitoral nessas circunstâncias, com participação nas corridas para os cargos majoritários e para tal tipo de parlamento, não cria handicaps negativos, reforçando o que muitos chamam de farsa eleitoral? O que fazer para superá-los?

 

Mariucha Fontana: Sem dúvida. A esquerda não pode ter como prioritária a ação eleitoral. Esta deve ser uma ação subordinada, subsidiária, na disputa pela consciência e organização da maioria dos explorados e oprimidos. Mesmo assim, nós defendemos muitas medidas de democratização das eleições e ampliação das liberdades democráticas, entre elas:

 

1) o fim do fundo partidário. Defendemos que os partidos sejam sustentados por seus filiados, com um teto de contribuição (para que os partidos burgueses não levem bilhões de empresas). O PSTU defende a independência dos trabalhadores e de suas organizações da burguesia e do Estado. Por isso, não concordamos com o fundo partidário e defendemos a sua extinção, da mesma maneira como somos contrários ao imposto sindical dentro dos sindicatos;

 

2) ao mesmo tempo, defendemos o financiamento público das campanhas, com verba igual para todos os partidos e proibição de financiamento de empresas. Nós, por princípio, não aceitamos dinheiro de empresas e pensamos que todo partido de esquerda que aceite o mesmo começa a trilhar o caminho do PT - pois, como diz o ditado popular, quem paga a banda escolhe a música;

 

3) tempo igual de TV e rádio no horário eleitoral gratuito e participação de todos os candidatos nos debates;

 

4) salário de deputado, vereador ou presidente igual ao salário médio de um trabalhador especializado (um metalúrgico ou um professor) e revogabilidade de mandato;

 

5) fim do monopólio privado dos meios de comunicação, verdadeira democratização dos meios de comunicação, para que as organizações da classe trabalhadora possam ter TV e rádio.

 

Estas medidas, entre outras, garantiriam mais democracia. Porém, não vemos que este Congresso, nos limites da ordem, vá aplicá-las. Ao contrário, as sucessivas reformas políticas em todo o mundo têm tido um viés reacionário, impedindo ainda mais que partidos como o PSTU possam participar, criando dificuldades adicionais e aprimorando o que a própria pergunta coloca: farsa eleitoral.

 

Correio da Cidadania: Sobre a exclusão dos debates, o que você tem a dizer da marginalização do PCB e PSTU? Houve algum tipo de denúncia dessa situação, por parte dos próprios partidos, ou outras organizações políticas e sociais?

 

Mariucha Fontana: Pensamos que a marginalização do PCB e PSTU dos debates reflete a situação antidemocrática da qual falamos acima. Sem dúvida, denunciamos esta situação, mas o alcance de tal denúncia, diante do monopólio dos meios de comunicação vigente, atinge muito menos pessoas do que estes mesmos meios atingem.

 

Correio da Cidadania: Quanto à possibilidade de uma reforma política conservadora colocar fora do páreo partidos menores, como poderia ser o caso do próprio PSTU, qual é a base eleitoral do partido para prosseguir com sua atuação militante?

 

Mariucha Fontana: Nós denunciamos que seguem ocorrendo ataques duríssimos a nós e maiores restrições às liberdades democráticas. De acordo com regras já aprovadas, nas próximas eleições teremos ainda menos tempo de televisão do que temos hoje e a liberdade de participação vai ficando cada dia mais formal e desigual. Acreditamos que há a possibilidade real de que tentem tornar nossa participação totalmente invisível, ou seja, que, além de nos tirarem dos debates, retirem mesmo o exíguo tempo que hoje temos na TV e rádio.

 

O PSTU vai seguir denunciando e lutando contra esta situação. Porém, em qualquer circunstância, o PSTU vai prosseguir e seguir crescendo na sua atuação militante. Nem a ditadura conseguiu calar ou dobrar muitos dos que hoje conformam o PSTU, não será isto que vai fazer com que deixemos de existir, de atuar, de lutar por um Brasil e um mundo sem explorados e exploradores, por uma estratégia socialista. Nós não queremos pouco, queremos mudar o mundo.

 

Correio da Cidadania: E a intelectualidade de esquerda, qual é a estratégia do partido para trazê-la para dentro de sua organização? Houve, nas eleições, movimento de seu partido para atrair e organizar esses setores, em boa parte fora de qualquer partido?

 

Mariucha Fontana: Pensamos que a intelectualidade de esquerda, marxista, necessita ligar-se ao movimento operário e às suas lutas, inclusive porque, já dizia Marx, nas suas famosas Teses de Feuerbach, que os filósofos até então tinham se dedicado apenas a explicar o mundo, e a questão é que se tratava de transformá-lo.

 

O PSTU organiza em seu interior uma parte da intelectualidade de esquerda e, sim, buscamos debater e organizar a parcela não organizada. Acreditamos que os intelectuais, ao se ligarem ao movimento operário e a um partido marxista, estabelecerão uma relação dialética, porque poderão ensinar e aprender.

 

Correio da Cidadania: Qual é o espaço de debate e formação existente hoje dentro do PSTU?

 

Mariucha Fontana: O espaço de formação e de debate no PSTU é grande e fundamental. A formação é parte essencial da garantia de verdadeira democracia dentro de uma organização, de um partido. O PSTU adota o centralismo democrático como regime de organização. Isto quer dizer que há a mais ampla democracia na discussão e a mais ampla unidade na ação. Neste sentido, todos os militantes do PSTU, estejam na direção ou sejam figuras eleitas, possuem os mesmos direitos e deveres de qualquer militante e são controlados pela base. No nosso partido não existe a possibilidade de que a base decida uma coisa e a figura pública faça o que bem entenda, como acontece em muitos partidos.

 

Correio da Cidadania: E qual é a reflexão que o partido faz hoje sobre a formação social e a ideia de “revolução brasileira”? Existe algum programa, mesmo geral, para essa revolução brasileira?

 

Mariucha Fontana: O partido opina que o Brasil é um país subordinado ao capital internacional e aos países imperialistas, e a classe dominante brasileira é associada e atrelada a este capital externo. De maneira que não há qualquer possibilidade de transformação social profunda no Brasil em aliança com a burguesia brasileira e seus partidos. Acreditamos, ademais, que o Brasil é cada dia mais semicolonial e menos independente, ao contrário do que propagam o governo petista e mesmo uma parte da esquerda que dá apoio crítico ao governo do PT. Nós pensamos que, para acabar com a subordinação do Brasil ao imperialismo, é necessária uma revolução, que só interessa aos trabalhadores e à maioria do povo oprimido e explorado, e que não há como fazê-la sem enfrentar também a classe dominante brasileira.

 

Pensamos que, sim, há um programa geral para a revolução brasileira, que começa por atacar essa subordinação do país ao capital internacional, mas que não para aí. Ou seja, para garantir as mudanças que os trabalhadores e todos aqueles que foram às ruas em junho de 2013 desejam é preciso uma série de medidas que se enfrentam com os privilégios e os lucros de bancos, multinacionais, grandes empresas e agronegócio, começando por suspender o pagamento da dívida aos banqueiros, que consome mais de 40% do orçamento da União.

 

Não há como garantir coisas básicas, como transporte público de qualidade com tarifa social rumo à tarifa zero, educação e saúde públicas, gratuitas e de qualidade, pleno emprego, salário mínimo do Dieese, aposentadorias dignas, tarifas sociais de água e luz, moradia para todos, fim da especulação imobiliária, preservação ambiental, defesa das reservas indígenas e fim do machismo, do racismo, da homofobia, bem como da violência e do verdadeiro genocídio ao povo pobre e negro das periferias, sem atacar os capitalistas e os governos que preservam seu sistema.

 

Mudar de verdade a vida do povo exige um conjunto de medidas anti-imperialistas e anticapitalistas, tais como o não pagamento da dívida e a nacionalização e estatização do sistema financeiro, sem indenização e sob controle dos trabalhadores. O Brasil precisa de um governo dos trabalhadores, sem patrões, ou seja, sem donos de bancos, do agronegócio, das empreiteiras, da grande indústria, do grande comércio, disposto a governar para a maioria, apoiando-se na mobilização da classe trabalhadora.

 

Correio da Cidadania: Como enxerga o país sob o governo Dilma em 2015, com toda a arquitetura política e econômica que já se insinua pela frente, agora envolta no escândalo Petrobras?

 

Mariucha Fontana: Pensamos que o governo Dilma fez uma campanha na reta final dizendo uma coisa, mas, como prevíamos, está fazendo outra. Basta olhar o ministério escolhido para vermos quem pagará o preço da crise. Vemos as ameaças de demissões na Volks e Volvo, as propostas de diminuição de salários. Um governo que vive dando subsídios para empresários, mas não tem coragem de impor uma lei que garanta estabilidade no emprego para os trabalhadores, que às vésperas do Natal estão ameaçados de irem para a rua.

 

Acreditamos que 2015 já começou e os trabalhadores devem se preparar para lutar em defesa dos seus direitos. E nessa luta devem saber que enfrentarão o governo e também a oposição de direita, seja o PSDB e seus aliados, seja a ultradireita, que anda defendendo golpe militar e tem como um dos seus expoentes o deputado Jair Bolsonaro, que deveria ter seu mandato cassado.

 

Correio da Cidadania: Finalmente, como o PSTU enxerga a sua relação de hoje com a esquerda e com os movimentos sociais? Como isso deve seguir na complicada conjuntura do segundo governo Dilma?

 

Mariucha Fontana: O PSTU tem uma atuação importante junto aos trabalhadores, nos sindicatos e nos movimentos sociais. Nós acreditamos, defendemos e fazemos um chamado para que o conjunto da esquerda, dos movimentos sociais e das organizações dos trabalhadores se coloque num campo de classe, ou seja, independente e contra o governo. E também contra a oposição de direita. Infelizmente, hoje, uma parte das organizações dos trabalhadores e do movimento está completamente atrelada ao governo, como é o caso da CUT, fazendo propostas de redução de salários, como fizeram na Volks, e mobilizando-se apenas contra uma parte da direita, sem denunciar que outra parte dela é aliada ao governo do PT.

 

Há outros companheiros que seguem acreditando que o governo Dilma está em disputa, que mesmo tendo Kátia Abreu no Ministério da Agricultura, por exemplo, é possível fazer reforma agrária, ou defender os movimentos indígenas, ribeirinhos e os povos da floresta. Nós pensamos que não. Pensamos que uma condição para mudarmos de verdade o Brasil é com a classe trabalhadora e os oprimidos independentes destes laços com a burguesia brasileira e multinacional. Isso exige lutar contra a oposição de direita, mas também contra o governo que está aliado e representa os interesses de uma parcela grande e expressiva destes setores.

 

 

Leia também:

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Gabriel Brito é jornalista; Valéria Nader, jornalista e economista, é editora do Correio da Cidadania.


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