Correio da Cidadania

Leilão de energia solar e a campanha “Energia para a Vida”

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Grande expectativa foi criada com o que se convencionou chamar de “leilão da energia solar”, pois seria o primeiro certame em nível nacional em que a fonte solar seria vendida sem competir com outras fontes. Depois de alguns adiamentos, no último dia 31 de outubro foi realizado o “6º Leilão para Contratação de Energia de Reserva”.

 

É importante mencionar que o estado de Pernambuco, em dezembro de 2013, já havia realizado um leilão específico para a fonte solar. Na oportunidade, o preço teto estabelecido foi de R$ 250 o megawatt/hora (MW/h). O leilão foi exitoso, possibilitando a contratação de 122 MW a um preço médio de R$ 228,63 MW/h, com ofertas entre R$ 193,00 MW/h (da empresa Sun Premiere) e R$ 246 MW/h (da empresa Kroma).

 

No leilão nacional, a Empresa de Pesquisa Energética (EPE) cadastrou 1.034 empreendimentos, uma oferta total de 26.297 MW de capacidade instalada, para serem entregues a partir de outubro de 2017. Com contratos que preveem o suprimento por 20 anos.

 

Os projetos de energia eólica predominaram mais uma vez, com 626 empreendimentos (15.300 MW), seguidos pelos 400 projetos de energia solar fotovoltaica, e 8 projetos de térmicas a biomassa utilizando resíduo sólido urbano – lixo e biogás (151 MW). O número de projetos fotovoltaicos totalizou 10.800 MW, ou seja, comparável a toda a atual potência instalada do sistema CHESF.

 

No leilão, cada fonte vendeu energia em separado, sendo os preços máximos estipulados para serem praticados pelos vendedores: R$ 262 MW/h para a energia solar, R$ 144,00 MW/h para a eólica e R$ 169 MW/h para as termelétricas a biomassa.

 

Foram selecionados 62 projetos, sendo 31 eólicos e 31 solares (nenhum a biomassa). Foi contratada uma capacidade instalada de 889,7 MW em energia solar, a um preço médio de R$ 215,12 MW/h, com um deságio de 17,9%, bem maior que os 5% projetado pelos analistas. O estado da Bahia teve o maior número de projetos vencedores: 14 no total. Pernambuco, que se destacou realizando o primeiro leilão específico para energia solar, apesar dos 43 projetos apresentados, decepcionou, pois não teve nenhum selecionado.

 

O leilão mostrou a vitalidade do setor fotovoltaico pelo número de projetos apresentados e, destaque-se, pelos preços ofertados. A geração de energia solar mostrou-se competitiva frente a outras fontes energéticas a curtíssimo prazo. Os preços oferecidos pelos empreendedores foram muito abaixo daqueles apregoados pelos gestores do planejamento energético, que tentam assim justificar o baixo aproveitamento desta fonte energética na matriz elétrica brasileira.

 

O próprio Plano Decenal de Expansão de Energia (PDE), com horizonte em 2023, produzido pela Empresa de Pesquisa Energética (EPE), prevê que a energia solar alcance potência instalada de 3.500 MW ao fim desse horizonte decenal, quando deverá atingir participação de cerca de 2% da capacidade instalada total. Agora, deveria ser refeito diante dos números apresentados no leilão que acabou de ocorrer. A EPE cita a Agência Internacional de Energia ao estimar que somente em 2020 a energia solar será competitiva frente às demais fontes. Esse argumento é falso – como indicam os valores obtidos no leilão.

 

Lamentavelmente, falta ambição e sobra discurso àqueles que hoje estão à frente da gestão energética brasileira. Os números arrolados no Plano de Expansão Decenal de Energia – que prevê os rumos energéticos do país para a próxima década, ou seja, entre 2014 e 2023 –, publicados pela EPE e pelo Ministério de Minas e Energia, mostram uma previsão de investimentos de R$ 1,263 trilhão até 2023. Destes, mais de ¾ dos recursos irão para os combustíveis fósseis e apenas 9,2% para as fontes renováveis – como PCH, eólica, solar e biomassa. É fácil concluir então que as fontes renováveis no país estão sendo ignoradas, em particular, a energia solar.

 

Falamos até aqui de geração elétrica solar centralizada em grandes usinas. Ao nos debruçarmos sobre a geração descentralizada desta fonte energética, verificamos o total fiasco da Norma Resolutiva 482/2012 da Agência Nacional de Energia Elétrica (ANEEL), no que concerne ao apoio e incentivo à instalação de micro e mini-geradores no país. O ano de 2013 (início da vigência da norma) mostrou um número irrisório de instalações solares em residências e pequenos comércios. Dados da própria ANEEL mostram que até abril de 2014 menos de 300 sistemas fotovoltaicos haviam sido instalados no país. Ao compararmos com o 1,5 milhão de residências na Alemanha, vemos que este é um número insignificante diante do potencial solar existente em nosso país.

 

O sucesso desta fonte de energia, em outros países, se deve basicamente à implementação de políticas públicas. No Brasil, o poder público tem ignorado esta fonte energética, que hoje está presente na matriz elétrica com menos de 0,1% do total (vale repetir: menos de 0,1% do total de energia gerada no país vem da fonte solar).

 

Diante dessa constatação e da atual política de oferta de energia, que privilegia megahidroelétricas, termelétricas a combustíveis fósseis e usinas nucleares, foi lançada, em agosto de 2014, por mais de 80 organizações e entidades da sociedade civil, a Campanha “Energia para a Vida”, cujo objetivo é promover uma nova política para o setor elétrico no Brasil, baseada em princípios de uso de fontes renováveis (em particular, a energia solar descentralizada), eficiência energética, justiça social, participação democrática e sustentabilidade ambiental.

 

Para saber mais, consulte: www.energiaparavida.org.

 

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Heitor Scalambrini Costa é professor associado da Universidade Federal de Pernambuco.

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