Correio da Cidadania

Dinamismo econômico sem retrocesso social

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A discussão sobre a sucessão presidencial tem suscitado opiniões dos mais diversos tipos sobre a economia brasileira. Entre tais opiniões têm se destacado as do professor Delfim Netto, que não perde qualquer oportunidade para alfinetar os adversários em disputa. Segundo ele, defendendo a si próprio, tucanos e petistas estariam se confrontando com o que chama “desagradável verdade”. Isto é, que “primeiro é preciso produzir para depois distribuir”.

 

O bordão que tucanos e petistas sintetizaram na luta contra os governos ditatoriais não foi exatamente esse. Basta consultar os textos do período para comprovar que o que estava na pauta da disputa era “primeiro crescer o bolo para só depois distribuir”. Além disso, não é verdade que tucanos e petistas tenham apresentado um mesmo tipo de proposta para solucionar a “desagradável verdade” de que não se pode deixar o bolo crescer demais sem se distribuir sequer migalhas.

 

Talvez por isso o professor venha se esforçando em destacar as tolices econômicas do que chama "socialismo real", onde em lugar de "manteiga pode-se produzir canhões", porque se separa o consumo do investimento. Na verdade, ao invés de procurar exemplos dos anos 1980, essa tolice, cujo bordão de “canhões” ao invés de “manteiga” foi criado por Hitler para reerguer o capitalismo alemão dos anos 1930, poderia ser demonstrada com mais eficiência através de exemplos do “capitalismo real” dos Estados Unidos, Inglaterra e França. É aí onde consumo e investimento se encontram em descompasso cada vez maior.

 

Por outro lado, ao contrário do que afirma o professor, se era mentira que, em 1973, os metalúrgicos estavam comprando Volkswagens, também “não era verdade física elementar” que não se podia distribuir o que ainda não havia sido produzido, “a não ser ganhando ou tomando emprestado do mundo". Em 1973, havia um volume considerável de Volkswagens sendo produzidos, mas a maior parte dos metalúrgicos não podia comprá-los porque seus salários estavam submetidos a um arrocho desmesurado. O que tinha isso a ver com ganhar ou tomar “emprestado do mundo”?

 

Assim, não é por acaso que o professor escorrega no neoliberalismo de FHC, que teria reconhecido que só se pode distribuir primeiro produzindo, ou ganhando ou tomando emprestado do mundo. Na verdade, o governo FHC renunciou a realizar a produção, promoveu uma destruição do parque produtivo instalado antes, e decidiu que o país poderia viver tomando emprestado do mundo financeiro, abdicando de sua soberania como forma de continuar eternamente atrelado a essa ciranda. Não deu certo!

 

Apesar dessas vacilações, o professor está certo em reconhecer que o "vento de cauda" de 2003-2010, que ajudou a empurrar o crescimento da economia brasileira, se transformou em "vento de frente" a partir de 2011. No entanto, tal reconhecimento fica pela metade quando ele supõe a existência de uma “cointegração entre a taxa de crescimento do PIB do Brasil com o PIB mundial”. E que “um aumento, ou uma queda, da economia mundial de 1%” deva levar, inevitavelmente, a “um crescimento, ou uma queda, parecido com 0,3% da economia brasileira”.

 

Olhando o mundo, há uma forte tendência de queda e crise nos Estados Unidos e na Europa, enquanto no sudeste e leste da Ásia se mantém uma forte tendência de crescimento. Então, as previsões do professor podem ser verdadeiras se o Brasil continuar atrelado às “cadeias globais de valor” das potências capitalistas centrais, com as quais nosso comércio tem um déficit constante. Ou podem ser diferentes se o Brasil se inserir nas “novas cadeias globais de valor” dos países asiáticos.

 

O professor tem razão quando alerta que “não estamos... em condições normais”. É verdade que o “FMI estima, para 2015, um aumento do PIB mundial da ordem de 3,8%, de 5% no volume de exportação”. Essa previsão, porém, sofre de uma distorção anormal ao misturar regiões com tendência de queda, ou crescimento pífio do PIB, com regiões com tendência de alta e crescimento firme do PIB. Com isso, indica uma média global enganadora, e nos atrela a ela.

 

Apesar disso, está certo ao prever que “nossa receita de exportação da agropecuária” deve crescer menos e que “vamos sentir falta da exportação de manufaturados”. Neste caso, não só por havermos deixado de valorizar nossa taxa de câmbio para usá-la como instrumento de combate à inflação, mas também por não termos elevado a produção de alimentos e manufaturados como os instrumentos mais seguros para combater e inflação e resolver a dicotomia entre consumo e investimento.

 

O professor Delfim, embora esteja no bom caminho ao alertar a emergência da  “revolução demográfica”, que fará o país contar apenas com um aumento de 1% a 1,2% da força de trabalho nos anos vindouros, comete porém um engano ao supor que “absorvemos o nosso "exército de reserva". Enquanto uma parte desse “exército” foi realmente absorvida, desempenhando papel importante na inclusão social e na melhoria da distribuição de renda, outra parte permaneceu como lumpen-proletariado e base principal do aumento da violência urbana.

 

Nessas condições, o crescimento do PIB não é um problema trivial apenas porque se criou o paradoxo da taxa de desemprego não aumentar no mesmo ritmo da redução da taxa de crescimento do PIB. Também não é trivial porque também não bastará aumentar a produtividade da força de trabalho empregada para obter altas taxas de crescimento do PIB. Assim como não bastará “cooptar o setor privado para dar ênfase à educação técnica no próprio ambiente de trabalho, devolver-lhe o "espírito animal"  com a expectativa gerada pela ampliação das concessões de infraestrutura e criar as condições para o funcionamento eficiente dos mercados”.

 

Com uma economia oligopolizada e convivendo com altos juros impostos pelo sistema financeiro, o “espírito animal” do setor privado prefere jogar nos altos preços administrados e no cassino rentista, tornando quase impossível alcançar taxas anuais de investimento de 23% a 25% do PIB, o que permitiria taxas de crescimento de 4% a 5%.

 

Nessas condições para restabelecer o dinamismo da economia brasileira sem sacrificar os avanços sociais já conseguidos, parte considerável da poupança pública terá que ser efetivada através da redução firme dos juros e, portanto, do endividamento público. Outra parte terá que ser obtida através da administração da taxa de câmbio, cuja desvalorização deve elevar a competitividade dos manufaturados e permitir maior lucratividade. Outra parte também pode e deve ser obtida através de uma reforma tributária progressiva, que taxe o capital fictício e premie o capital investido na produção.

 

Com as medidas acima, o setor privado pode ser atraído para aumentar o investimento na produção e na infraestrutura, produzindo um ambiente econômico de maiores oportunidades e concorrência. Como complemento, o Estado pode criar empresas que sirvam como locomotivas orientadoras para impulsionar o adensamento das cadeias produtivas nacionais e dar maior consistência às exportações. Assim como pode e deve, como já demonstrou, realizar uma redistribuição de renda menos desigual.

 

Isto, de modo que o aumento da produção sirva não só como instrumento de centralização do capital em poucas mãos, como também da melhoria das condições de vida da maior parte da sociedade.  Ou seja, torne agradável a “verdade” de que produzir é essencial para distribuir, e que é possível realizar uma distribuição adequada à medida que a produção se dá, evitando conflitos sérios entre consumo e investimento.

 

Talvez por isso, o professor tenha se preocupado, no frigir dos ovos, em que o restabelecimento do dinamismo econômico ocorra sem retrocesso dos avanços sociais. O que só pode ocorrer se as propostas tucanas forem enterradas nas urnas  de 26/10.

 

Wladimir Pomar é escritor e analista político.

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