Correio da Cidadania

‘Dia 26 de outubro não reserva possibilidade de avanço nos direitos humanos’

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Continua a contagem regressiva para o segundo turno mais tenso e equilibrado, ao menos até a data desta publicação, desde 1989. A despeito de algumas semelhanças entre ambos os cenários, hoje o clima de empolgação popular é muito menor. Já se passaram 30 anos do fim do regime militar e nosso atual modelo de democracia segue desiludindo milhões de corações, como mostra a entrevista ao Correio da Cidadania da jornalista e militante feminista Luka Franca.

 

“Em 2014, conseguimos um debate um pouco superior a respeito do que seria política LGBT, política para mulheres etc. Mas outros assuntos acabaram passando ao largo e não ganharam tanto espaço nos debates, como a questão racial. A questão indígena quase não apareceu. Ainda temos de avançar bastante para tais assuntos serem pautas efetivas nas eleições”, resumiu Luka.

 

Como se pode notar, a entrevistada faz um balanço crítico a respeito da abordagem dos direitos humanos e também daqueles referentes à esfera privada nas candidaturas deste ano, além de demonstrar grande preocupação com a nova composição do Congresso Nacional, “a mais conservadora desde 1964”.

 

“Todas as conquistas obtidas foram arrancadas por nós. E são conquistas que quase não saíram por conta das alianças do PT com as bancadas conservadoras. Eu compreendo o medo que se tem da possibilidade de ter um presidente como o Aécio, mas não existe empolgação para o segundo turno”, afirmou.

 

A entrevista completa de Luka Franca, gravada nos estúdios da webrádio Central3, pode ser lida a seguir.

 

Correio da Cidadania: Uma das principais frentes do debate público atual se refere aos direitos de grupos específicos e a questões de comportamento, moral e costumes da vida privada do cidadão, e à legitimidade de serem regulados pelo Estado (direitos das mulheres, dos grupos LGBT, raciais e indígenas, são exemplos eloquentes nesse debate). Em linhas gerais, como você enxergou a abordagem de tais temas nas campanhas eleitorais que correram o Brasil?

 

Luka Franca: Tivemos um salto. Em 2010, a questão ainda era muito identitária, apenas, porque teríamos a primeira mulher a presidir o país, fator que “pegou muito” no debate. Em 2014, conseguimos um debate um pouco superior a respeito do que seria política LGBT, política para mulheres etc.

 

Mas outros assuntos acabaram passando ao largo e não ganharam tanto espaço nos debates, como a questão racial, colocada apenas en passant por candidaturas minoritárias, como da Luciana Genro e do Eduardo Jorge. A questão indígena quase não apareceu, não se falou de demarcação de terras e da relação com o agronegócio.

 

Ainda temos de avançar bastante para tais assuntos serem pautas efetivas nas eleições.

 

Correio da Cidadania: Com a nova composição do Congresso Nacional, como pensa que tais assuntos, e os direitos humanos de modo mais amplo, serão tratados?

 

Luka Franca: Logo na semana posterior à eleição, já vimos pesquisas afirmando se tratar do Congresso mais conservador desde 1964. E isso vale pra tudo. Os ruralistas estão mais fortes e têm uma aliança muito grande com o PT. A “bancada da bala” aumentou - em São Paulo, suas principais figuras foram para a Assembleia Legislativa, o que é preocupante, pois isto tem a ver com todo o debate de segurança pública, encarceramento em massa...

 

O que vem por aí é a necessidade de muita resistência e luta na rua. Se formos lembrar, foi assim, com pressão, que conseguimos nossas poucas vitórias. Agora, com o cenário que está colocado, vai ser mais difícil.

 

Correio da Cidadania: Outro assuntou que esquentou os debates foi a homofobia, inclusive manifestada por alguns candidatos. Como pensa que ficarão as questões LGBT nas mãos do próximo legislativo e executivo?

 

Luka Franca: As questões LGBT estão meio travadas no Congresso, e já há bastante tempo. O kit anti-homofobia foi retirado, além da própria criminalização da homofobia não andar.

 

No geral, a situação é de dificuldade. Se no passado tivemos uma luta enorme e não conseguimos tirar o pastor Marco Feliciano da Comissão de Direitos Humanos da Câmara, nesse momento será pior. Porque se formos pensar, de todas as bancadas, só existe um parlamentar LGBT, de fato, que é o Jean Wyllis. Ele tem aliados, como a bancada do PSOL e a Erika Kokay do PT, mas é muito pouco frente à gama de direita que está no Congresso de hoje.

 

Correio da Cidadania: Após o primeiro mandato presidencial de uma mulher, como analisa o tratamento e as políticas dispensadas aos direitos das mulheres, principalmente quanto ao aborto?

 

Luka Franca: Com a Dilma presidente, conseguimos avançar em debates colocados desde os anos 80, por conta do marco da Margareth Thatcher, que nos fez afirmar “não basta ser mulher, é preciso pensar políticas para as mulheres”. E, já no primeiro ano de mandato, tivemos um corte de orçamento justamente em setores em que as mulheres são mais atingidas: educação, saúde etc.

 

A própria pasta da Secretaria de Políticas para Mulheres foi a primeira a perder investimentos, sofrendo cortes brutais e tendo muita dificuldade em implementar políticas de combate efetivo à violência contra a mulher. Também tivemos dificuldade no processo de legalização do aborto, a exemplo do recuo do Ministério da Saúde sobre uma norma técnica que apenas assegurava o que já está previsto em legislação.

 

Porém, ao mesmo tempo, houve algumas ações pontuais visando o empoderamento das mulheres, que inclusive ajudam, do ponto de vista geral, na questão da emancipação coletiva etc.

 

Acredito que o governo Dilma fecha seu mandato podendo ter feito bem mais. Seja do ponto de vista da legalização do aborto, bloqueada pela bancada conservadora, seja do ponto de vista de efetivamente conseguir combater a violência contra a mulher e promover outros direitos básicos, como creches, postos de saúde etc.

 

Correio da Cidadania: A laicidade do Estado será mais ameaçada a partir de 2015?

 

Luka Franca: Já está ameaçada, pois já estamos vindo de um pensamento menos laico, e mais à direita, há bastante tempo. A esquerda brasileira e o próprio PT têm culpa por não conseguirem dar respostas, como se fossem temas menores. E hoje eles estão se reorganizando, numa direita superconservadora e religiosa, interferindo até em debates gerais, como no tema do Banco Central, da economia etc.

 

Já estamos ameaçados e o navio segue afundando.

 

Correio da Cidadania: Como era de se prever, as mais diversas correntes políticas tentam analisar os resultados à luz dos protestos de junho de 2013. Para você, que efetivamente fez parte da construção de tais manifestos, desde o início, é possível dizer que as bandeiras e sentimentos expressados em junho de 2013 estiveram, em algum momento, representados nas campanhas eleitorais?

 

Luka Franca: Junho mostrou que existe uma despolitização muito grande no Brasil. Ao mesmo tempo em que tínhamos pautas muito progressistas, havia pautas reacionárias, a exemplo da redução da maioridade penal, que hoje está na boca do Aécio, além de ter sido pautada pelo Everaldo e o Levy. O próprio Padilha, em São Paulo, deu uma ponderada no debate sobre a redução, com o projeto apoiado pelo Suplicy, de mudança efetiva no tempo de internação dos adolescentes.

 

Tanto as pautas mais progressistas quanto as mais conservadoras de junho apareceram nas candidaturas. Isso demonstra como o processo de construir a consciência de classe da população é um desafio muito grande e necessário para nós. Porque não é só a elite que está votando mais à direita. São as pessoas mais oprimidas que estão votando mais à direita e é isso o que mais me preocupa.

 

Correio da Cidadania: Diante de tudo que foi debatido, os grupos sociais aqui mencionados têm motivo para se animar ou tomar algum lado no segundo turno?

 

Luka Franca: Não. Não têm motivo pra ficarem animados. Todas as conquistas obtidas foram arrancadas por nós. E são conquistas que quase não saíram por conta das alianças do PT com as bancadas conservadoras. Eu compreendo o medo que se tem da possibilidade de ter um presidente como o Aécio, mas acho que empolgação não existe. Dia 26 de outubro não reserva nenhuma possiblidade de mudança real para nós.

 

Ouça aqui o áudio da entrevista.

 

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Gabriel Brito e Leandro Iamin são jornalistas.

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