Correio da Cidadania

Metástase da corrupção e eleição da hipocrisia

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Na ausência de diferenças substanciais, o debate do 2º turno das eleições presidenciais tem sido dominado pelo esforço mútuo de desconstruir a idoneidade do adversário. As acusações recíprocas de malversação de dinheiro público e de aparelhamento do Estado não têm fim. A cada ataque corresponde um contra-ataque. O “mensalão” petista é rebatido com o “mensalão” tucano. O “propinoduto” da Petrobrás, com o generoso “trem da alegria” da Alstom. É cara e coroa.

 

Os candidatos defendem-se de maneira conhecida. Negam peremptoriamente qualquer malfeito e juram ir até as últimas consequências para apurar os fatos, definir as responsabilidades e punir os culpados, doe a quem doer. Até as pedras sabem que nada será feito. Os denunciados são homens-bomba. Se abrirem a boca, a casa cai.

 

O próprio conteúdo do debate revela a cumplicidade dos candidatos com o sistema da corrupção. Ao personalizar e particularizar os escândalos, associando-os a desvios de conduta individuais, lacunas na legislação e falhas nos procedimentos de fiscalização, o discurso sugere que a pilhagem do Estado decorre de problemas que poderiam ser corrigidas caso houvesse vontade política. Enquanto falam, Dilma e Aécio sabem que mentem. Não existe um chefe político brasileiro que não tenha à sua sombra a figura sinistra e misteriosa do “operador” responsável pelas finanças da campanha. Nas altas esferas do poder, o homem do dinheiro é conhecido e goza de grande prestígio entre os pares.

 

Travestida de guardiã dos interesses gerais da população e defensora da moralidade, a mídia é parte orgânica do sistema de corrupção. Sem um sistema venal e degradado de formação da opinião pública não haveria corrupção generalizada como modo de funcionamento do sistema político, pois não haveria como circular (ou deixar de circular), no momento conveniente, as denúncias, dossiês, intrigas, insinuações, ameaças e chantagens que constituem a munição pesada da guerra entre as camarilhas que disputam o poder do Estado.

 

A luz intensa lançada sobre os escândalos de corrupção não tem a finalidade de elucidar o problema, mas, antes o contrário, objetiva desviar a atenção para aspectos secundários e personagens de menor relevância, a fim de ofuscar as relações que explicitam as engrenagens que subordinam os homens de Estado à lógica dos grandes e pequenos negócios. Ventríloqua de interesses escusos que permanecem sempre na penumbra, a grande mídia manipula a opinião pública com informações parciais, distorcidas e descontínuas, gerando uma visão apocalíptica e moralista do problema. Ao reduzir as causas do assalto aos cofres públicos à fraqueza de caráter, a corrupção é naturalizada. A imprensa marrom – quase a totalidade de nossa imprensa – esbalda-se e transforma a indústria da chantagem num grande negócio. “Se ninguém tem compostura, então, nos locupletamos todos” – uma moral que calha bem com a degeneração da res pública.

 

Se houvesse realmente vontade política de enfrentar a corrupção, seria preciso mostrar à população seu caráter sistêmico e desnudar os interesses de classe que lhe dão sustentação. Para tanto, bastaria não desperdiçar as raras oportunidades abertas pelos homens bombas que quebram o pacto de silêncio e expor à população a fisiologia que rege o aparelho digestivo do sistema político brasileiro.

 

A propósito, os depoimentos recentes do ex-diretor de Abastecimento da Petrobras, Paulo Roberto Costa, e do doleiro Alberto Youssef são pérolas que deveriam ser bem aproveitadas. Seus testemunhos ao Ministério Público expõem com requintes de detalhes como funcionava e quem comandava o esquema de desvio de recursos na Petrobras. As primeiras lições são reveladoras:

 

a) A corrupção é um sistema que aprisiona os partidos políticos da burguesia e os aparelhos de Estado aos interesses do grande capital. Por trás da quadrilha que se apoderou de cinco diretorias da Petrobras, encontram-se os partidos da base de sustentação do governo federal e treze grandes empresas, entre as quais as principais empreiteiras do país - OAS, Andrade Gutierrez, Mendes Júnior e Camargo Correia;

 

b) O centro nervoso que comanda as grandes negociatas encontra-se no controle do Legislativo pelo poder econômico e no controle do Executivo pelo Legislativo. Ainda no começo do governo Lula, em 2004, uma greve parlamentar de noventa dias forçou o presidente a nomear Paulo Roberto Costa, com mandato meticulosamente definido para arrecadar recursos para os partidos da base. É a prova dos nove de que a chamada “governabilidade” requer necessariamente conivência e cumplicidade incondicionais com a corrupção;

 

c) A corrupção é um sistema que envolve todos os partidos da ordem, mesmo os da oposição. A propina paga a altos cardeais do PSDB para que colaborassem na operação abafa da CPI da Petrobrás no Senado Federal deixa patente que ninguém escapa aos tentáculos da corrupção. A guerra de acusações recíprocas é uma farsa. No jogo do toma lá dá cá, a arte da política transforma-se na arte da malandragem e da impostura.

 

O debate eleitoral da corrupção não pode ser levado às últimas consequências porque a população não pode saber que a corrupção é um pressuposto do sistema representativo. Pois a promiscuidade entre o público e o privado – seu determinante histórico – é uma das pedras angulares da organização do Estado brasileiro.

 

Comentários   

0 #6 RE: Metástase da corrupção e eleição da hipocrisiaDARCY BRASIL 31-10-2014 12:39
DARCY BRASIL RODRIGUES DA SILVA

O autor acusa Dilma de ser corrupta? Aonde estão as suas provas? Nas páginas da revista Veja? Essa "esquerda" pequeno-burguesa, falso moralista, que atira para todos os lados, jogando para a galera, ecoando o falso moralismo da direita, procurando ficar sempre bem na fita, me dá mais nojo do que a esquerda que se alia com qualquer um para assegurar a governabilidade. A política de cessão à governabilidade produziu certamente casos de corrupção no governo. Mas isso não significa que Dilma mente,que "ela sabia", como sugere o articulista. Aliás, com esse papo-furado falso moralista, que em nada contribui para politizar as pessoas, recomendo que se bata à porta da revista Veja: certamente há lugar por lá para pessoas de "esquerda" como essas.
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0 #5 PesadoCarlos Rodrigues 27-10-2014 18:04
Com a onda popular no segundo turno, a presidenta deixou de ser a “gerente”, a administradora escolhida por Lula. Dilma virou a líder de um projeto que só avançará se tiver coragem para colher nas ruas o apoio que talvez lhe falte no Congresso.
Achei o artigo do editorial muito pesado e sectário.
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0 #4 Metástase da corrupção e eleição da hipocrisiaDiana C. B. da Silva 26-10-2014 20:14
A maior verdade deste texto é esta: na política deste país não se pode governar sem aliados e, estes não atuam com base em princípios morais, éticos e dignos, antes se vendem por propinas, mensalões e subornos. E de onde vem todo este dinheiro que tanto faz falta na vida de milhões de brasileiros? Resposta: do grande capital (empreiteiras, banqueiros, doleiros, etc, etc).
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0 #3 É isso aí...Eleuterio Prado 25-10-2014 12:24
Matéria muito bem feita. A corrupção é um modo de dominação de classe no capitalismo contemporâneo, especialmente em países como o Brasil.
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0 #2 RE: Metástase da corrupção e eleição da hipocrisiaRodolfo Segabinazzi 22-10-2014 18:52
RETROCESSO é ressuscitar o lixo da ditadura como maluf, sarney, renan, barbalho, collor e etc. Soubemos agora com o PETROLÃO que Collor detem uma diretoria na Petrobras. O Maluf indicou o Secretário de Habitação do Haddad na Prefeitura de São Paulo. Mas, segundo o PRAGMATISMO PETISTA, OS FINS JUSTIFICAM OS MEIOS. Mas, dependendo dos meios escolhidos os fins permanecem apenas como SONHOS. E são esses "sonhos" que ainda embalam os que se pretendem de "esquerda".
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0 #1 RE: Metástase da corrupção e eleição da hipocrisiaValéria 21-10-2014 13:28
Concordo com o autor em as diferenças entr os candidatos são pouco significativas, porém, quanto a que eles "juram ir até as últimas consequências para apurar os fatos,", eu não concordo, pois só vi a Dilma falar isso. O Outro só faz negar a existência de qualquer erro. Aliás, da forma como fala que deixou Minas, este estado já seria a Suíça brasileira. Eu não sei como os brasileiros todos ainda não correram para lá.
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