Correio da Cidadania

O compreendedor

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Em muitos ambientes profissionais, criou-se a idéia fixa, com a ajuda de revistas, livros, sites e palestras, de que você deve tornar-se um empreendedor.

 

O empreendedor corre riscos. É aquele que não se deixa escravizar pela burocracia. Enxerga mais longe. Não teme novos desafios. É aquele que vence, custe o que custar. Com ele, é tudo ou nada. Ele planeja, manda ver, dono de um otimismo imbatível.

 

Esse “campeão” faz e acontece. Tem respostas prontas para todos os problemas. Toma decisões importantíssimas em situações de impasse. Reinventa o trabalho a cada minuto. Dorme pouco para empreender mais. Faz da dificuldade uma oportunidade. Do tropeção, um novo avanço...

 

Contudo, o empreendedor acaba se cansando e cansando os outros com essa obsessão empreendedorística. Um belo dia, o empreendedor perde o pique ou sofre sério revés. Cai a máscara e revela-se o homem comum de rosto comum, de medos e anseios comuns. Revela-se talvez o homem desiludido, a sombra daquele brilhante empreendedor, o fantasma daquele empreendedor que empreendia com os pés nas costas.

 

Não quero ser um empreendedor. Prefiro ser um compreendedor.

 

O compreendedor quer compreender, antes de correr o maior dos riscos. O maior dos riscos é arriscar-se sem compreender o porquê, o para quê, sem saber exatamente o que está em jogo. Talvez o maior dos riscos seja, afinal, tentar compreender.

 

O compreendedor compreende a burocracia e a ela se submete para dela se livrar o mais rápido possível. Compreende o burocrata, e lhe dá a atenção necessária. Também o burocrata é filho de Deus.

 

O compreendedor nem sempre enxerga tão longe. Não é futurólogo. Não é guru. Não entende de prognósticos. Já é tão difícil entender o que está a um palmo do nosso nariz!

 

O maior desafio para o compreendedor é não perder o fio da meada. O compreendedor não está competindo com ninguém. Vencer quer. Vencer a incompreensão, leão que nos ronda, armadilha que nos aguarda, abismo que nos ameaça.

 

Com ele, é compreender... ou nada feito. O seu dosado ceticismo conversa com a esperança. E quando tropeça, o compreendedor cai ao chão, e quase morre de rir.

 

O compreendedor não se leva tão a sério. Porque a tarefa está sempre acima de nossas forças. A tarefa de compreender também é cansativa. Por isso o compreendedor vai dormir. Para compreender melhor, quem sabe, no dia seguinte.

 

 

Gabriel Perissé é doutor em Educação pela USP e escritor.

Web site: www.perisse.com.br

 

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