Correio da Cidadania

A educação em Mészáros: trabalho, alienação e emancipação, de Caio Antunes

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Os revolucionários devem proclamar suas ideias corajosamente, definir seus princípios e
expressar suas intenções de forma que ninguém se iluda, seja amigo ou inimigo.
(Fidel Castro Ruz)

 

István Mészáros é um autor que há muitos anos se dedica a uma tarefa imprescindível: utilizar o ferramental teórico criado por Marx para compreender a sociedade do capital e, com base nisso, fornecer elementos para a elaboração de uma estratégia capaz de revolucionar o atual modo de controle do metabolismo social. Seu intento fundamental é bastante claro e visível em todos os seus escritos: envidar esforços para a realização da comunidade de homens e mulheres verdadeiramente emancipados, o comunismo, e evitar assim que a barbárie capitalista comprometa o futuro da humanidade. Mas apesar de o filósofo húngaro possuir uma vasta e reconhecida produção intelectual e escrever há pelo menos seis décadas, são poucos os estudos sistemáticos sobre o seu pensamento. Nesse sentido, a obra do professor Caio Antunes, A educação em Mészáros: trabalho, alienação e emancipação (Campinas, SP: Autores Associados, 2012), vem ajudar a suprimir essa lacuna, trazendo uma importante contribuição para todos os que no Brasil se interessam pelas questões que envolvem a relação entre educação e revolução.

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Em seu livro, Caio Antunes discute o tema da educação de maneira articulada com outros elementos essenciais da teorização do filósofo húngaro: o trabalho, a alienação, a emancipação humana. Com rigor e habilidade, o autor se debruça sobre tais pontos, tratando-os dialeticamente, de forma a fazer com que se iluminem e se esclareçam mutuamente.

 

A compreensão do trabalho é, aqui, primordial. O trabalho, constituinte fundamental do ser da humanidade, composto por um determinado conjunto de mediações responsáveis por assegurar o metabolismo social, quando submetido às exigências do capital, assume um caráter eminentemente contraditório, dando à luz novas mediações que se contrapõem de forma hostil aos sujeitos do trabalho e configurando a dinâmica da alienação, que se expressa de maneira devastadora: a atividade produtiva deixa de ser determinada pelos seus responsáveis diretos e, como desdobramento, os homens se tornam estranhos uns para os outros, para a sociedade, para a própria realidade sensível que por eles é criada. De ser autônomo e com a possibilidade de se desenvolver omnilateralmente, o homem é relegado à condição de entidade fragmentada, parcial, mecânica, coisificada. Os indivíduos particulares com que se defronta em seu dia-a-dia, as relações sociais mais comezinhas, o gênero humano como tal, convertem-se em meios para os seus fins pessoais. E ele, solitário, isolado, diminuído, desprezado, não encontra modos de não se converter também em meio para fins que lhe são alheios: os fins delineados pelas necessidades e produção e reprodução do sistema do capital.

Diante dessa situação, o que importa urgentemente é uma transformação radical do atual estado de coisas: a transcendência da alienação e da exploração capitalistas e a plena efetivação da emancipação humana, a sociedade dos produtores livres e associados de que falavam Marx e Engels. Isso exigirá, por um lado, a negação completa das mediações que compõem o ser do capital, e, por outro, o estabelecimento de uma nova forma sócio-metabólica, na qual o desenvolvimento das forças humanas (e não o desenvolvimento do capital) seja afirmado como um fim em si mesmo. Ora, para Mészáros, como bem sublinha Caio Antunes, somente uma revolução social pode levar a cabo esse intento, a realização da transição socialista para além do capital e a consequente superação da destrutividade barbarizante que tal sistema preconiza em seu devir auto-constitutivo.

 

Nesse contexto, a educação tem um papel fundamental, na medida em que os sujeitos revolucionários precisarão, necessariamente, de uma formação adequada para a corporificação de seus propósitos superiores. Eles carecerão saber o que é o capital, entender a complexidade de seu movimento crítico, conhecer a composição e o antagonismo irreconciliável entre todas as manifestações de vida de todas as classes da sociedade contemporânea, aprender a rica experiência histórica de luta e de organização revolucionária dos trabalhadores e, sobretudo, compreender as possibilidades abertas no presente passíveis de serem utilizadas para a total superação do atual modo de controle sócio-metabólico. Numa palavra, deverão saber fazer na prática a “análise concreta da situação concreta” e extrair, daí, do ponto de vista do trabalho, as elaborações estratégicas consequentes com seu objetivo principal. Este é o papel da consciência comunista de massa, que o filósofo húngaro defende em suas obras e que constitui o foco da educação transformadora – a educação para além do capital–dentro do movimento de luta de classes e de transcendência positiva da auto-alienação do trabalho. Educação e práxis revolucionárias mantêm, assim, uma relação de integração permanente e de reciprocidade dialética.

 

Note-se que a proposta educacional do filósofo húngaro, enquanto militante comunista, revela-se muito mais radical e coerente do que a pedagogia contemporânea dos ideólogos que se esforçam em defender as vias institucionais como meio estratégico para a luta anticapitalista, os neófitos do desenvolvimentismo que hoje influenciam na formação das “políticas públicas”, os baluartes da democratização do Estado, dos “10% do PIB para a educação”, os bastiões do “acúmulo de forças”, das alianças de classe oportunistas etc. Para Mészáros, como dissemos, está claro que a superação do jugo do capital não depende de medidas institucionais, mas de uma revolução. Uma revolução, por suposto, se efetiva quando a classe dominada consegue construir órgãos de poder autônomos capazes de rivalizar e de suplantar os órgãos de poder utilizados pela classe dominante. Daí a importância estratégica da luta extraparlamentar, extra-institucional, extra-estatal, assinalada pelo filósofo húngaro e que constitui o cerne da sua estratégia de ofensiva socialista. A educação transformadora serve, fundamentalmente, a esse propósito.

 

Por outro lado, as ações que se circunscrevem ao âmbito das instituições burguesas conseguem, quando muito, uma atuação de caráter defensivo. É preciso transcender essa postura defensiva se se quer de fato implementar a ordem sócio-metabólica alternativa, na qual impere verdadeiramente o princípio da igualdade substantiva, qual seja: de cada um conforme sua capacidade, a cada um conforme sua necessidade. A luta defensiva deve estar, nesse sentido, necessariamente atrelada e subordinada à luta ofensiva, isto é, à luta pela destruição completa das mediações que compõem o sistema do capital.

 

Por nos lembrar constantemente dessas verdades, por proclamá-las de maneira clara e corajosa a ponto de não permitir a ilusão de amigos ou de inimigos e, finalmente, por não nos deixar esquecer nunca de que “a emancipação política não é a emancipação humana”, em tempos de mistificação deliberada e de renhida conciliação democrático-popular (1), a classe trabalhadora saúda e acolhe obra crítica de István Mészáros, assim como saúda e acolhe o belo estudo realizado por  Caio Antunes como uma arma útil e necessária na batalha das classes.

 

Ficha do livro:

 

Título: A educação em Mészáros: trabalho, alienação e emancipação

Editora: Autores Associados (Campinas)

Ano de publicação: 2012

Número de páginas: 130

Preço: R$ 39,00

Sobre o autor: Caio Antunes é Licenciado em Educação Física, mestre e doutorando em Filosofia da Educação pela Unicamp. Atualmente leciona na Faculdade de Educação Física da Universidade Federal de Goiás.

 

Nota:

(1) - A respeito da estratégia democrático-popular vigente, ver IASI, Mauro Luís. O PT e a Revolução Burguesa no Brasil (s/d. em: https://docs.google.com/file/d/0B_s4202oxQXfNzkxN2hWb2VQSlE /edit?pli=1), e IASI, Mauro Luís. Democracia de cooptação e o apassivamento da classe trabalhadora (2013. Em: https://docs.google.com/document/d/1K86ouShh6qJtaqMN0NxOm7IGWKNgXZba23jXBU 6145k/edit?pli=1).

 

Demétrio Cherobin é cientista social, doutorando em Educação pela Universidade Federal de Santa Catarina.

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