Correio da Cidadania

Impactos na coalizão anti-ISIS

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O primeiro impacto que a coalizão sofre é de ordem ética.

 

Ao anunciar sua nova estratégia para aniquilar o ISIS, o presidente Obama informou que bombardearia alvos no Iraque e na Síria.

 

Quanto ao primeiro, sem problemas – o governo de Bagdá já havia autorizado ataques aéreos americanos no seu território.

 

Mas  não o governo sírio – que, aliás, sequer foi consultado.

 

Os russos logo protestaram: sem o consentimento do governo de Damasco ou um mandato do Conselho de Segurança da ONU, os bombardeios americanos seriam “uma grande violação da lei internacional”.

 

Estaríamos diante de um desrespeito à soberania da Síria.

Respondendo em nome da Casa Branca, sua porta-voz, Marie Harf, veio com uma declaração curiosa: “Acho interessante que a Rússia subitamente importou-se com a lei internacional, considerando  seu comportamento em situações anteriores”.

 

Claro, era uma evidente menção à intervenção russa na Ucrânia.

Harf esqueceu-se de que, em matéria de intervenções, ninguém é páreo para os EUA.

 

Somente neste século, eles violaram a soberania de duas nações.

Isso aconteceu no Iraque - invadido e ocupado militarmente - e no Paquistão – com os drones que já mataram centenas de civis inocentes.

De qualquer modo, o raciocínio de Harf é discutível.

 

O fato de Moscou agir ilegalmente na Ucrânia não perdoa Washington por fazer o mesmo na Síria.

 

Ken Gude, do Centro Para o Progresso Americano, um think tank próximo ao governo Obama, afirma: “Depois da violação russa da lei internacional, nós deveríamos nos empenhar em respeitar a lei internacional, não em violá-la”.

 

Continuando suas declarações, a porta-voz da Casa Branca fornece uma justificação “lkegal” para os EUA bombardearem a Síria sem permissão do governo Assad.

 

“O presidente tem autoridade como comandante em chefe, sob a Constituição dos EUA, para agir na proteção do nosso povo. Em qualquer ação, evidentemente, teremos base legal internacional”.

 

Ela se apoia no princípio da autodefesa, uma exceção para dispensar a permissão do governo sírio ou do Conselho de Segurança da ONU.

De acordo com o Direito Internacional, essa exceção só poderia ser invocada caso existisse uma ameaça iminente  ao povo americano e o governo sírio não pudesse ou não quisesse impedir.

 

O que não existe, vários generais e autoridades da inteligência dos EUA asseguraram que o ISIS não está a fim de praticar qualquer tipo de atentado no território americano.

 

Ele se acha totalmente focado nos combates no Iraque e na Síria.

Portanto, não há aquela “ameaça iminente” que justificaria o bombardeio do território sírio, sem permissão de Assad.

 

Falando sério, esse “impacto ético” na coalizão não chateia nem um pouco o governo americano, acostumado a desrespeitar leis internacionais, cujo cumprimento exige dos desafetos, aos quais até aplica sanções.

 

O efeito sobre a opinião pública, no momento, pode implicar num certo prejuízo à imagem da cruzada anti-ISIS. Que tende a ir diminuindo com o desenvolvimento das operações bélicas.

 

Mais preocupante é a atitude dos “bons rebeldes” do Exército Sírio de Libertação (ESL).

 

Conforme disse o secretário de Defesa, Chuck Hagel, durante audiência no Senado, “destruir o ISIS vai exigir mais do que os esforços militares, vai exigir progresso político na região, e parceiros efetivos no Iraque e na Síria”.

 

O ESL, Exército Sírio de Libertação (pró-Ocidente), formado por elementos seculares moderados, seria um desses parceiros.

Esse grupo anti-governo Assad vem recebendo  recursos financeiros, inteligência, equipamentos de comunicação e armas leves dos EUA há vários anos.

 

O governo Obama pretende treinar cinco mil rebeldes do ESL e (mais importante) lhes fornecer armas pesadas para lutarem contra o ISIS.

Acontece que seu comandante, o coronel Riad Assad, acaba de declarar que seu grupo está fora da coalizão.

 

Não vão participar de ataques contra os hiper-terroristas.

 

Explicou que o objetivo do ESL, derrubar o governo Assad, nada tem a ver com o que pretende a coalizão anti-ISIS.

 

Na verdade, ESL e ISIS são até circunstancialmente aliados contra o regime de Damasco na região ao redor da cidade de Arsaf, fato admitido por Bassel Idriss, um comandante de brigada local.

 

O coronel Riad não quer brigar com o pessoal do ISIS, para não perder um eventual aliado contra seu inimigo número 1.

 

Se o ESL sair fora, o governo Obama ficará sem seu parceiro sírio na guerra ao ISIS. A quem, então, irá enviar as armas americanas?

 

A perda do ESL poderia ser um impacto severo nos planos da Coalizão.

Vai exigir muito trabalho dos EUA para convencer o coronel Riad e seus companheiros a aderirem.

 

Acredito que vão acabar dobrando esse pessoal, o ESL não vive sem o apoio de Washington.

 

Na busca de parceiros sedentos do sangue dos terroristas do ISIS, haveria um plano B: os grupos islâmicos menos radicais.

 

Eles fazem da parte da chamada Frente Islâmica, um conjunto de forças não muito confiável por ser integrado até mesmo pelo Nussra, filial síria da al Qaeda.

 

Oficiais americanos mantiveram anteriormente contatos com esses milicianos islâmicos, tendo em vista uma ação contra o inimigo comum, o presidente Assad.

 

Poderiam ser também aliados na guerra ao ISIS, contra quem, recentemente, já travaram vários combates.

 

O problema é que a al Qaeda, a matriz do Nussra, até então dura crítica dos excessos dos selvagens terroristas, mudou de posição.

 

E conclamou todos os islâmicos, radicais ou não, a uma jihad contra Satã (os EUA) e seus parceiros ocidentais, em defesa dos “irmãos” do ISIS.

Veja o que a al Qaeda tuitou a respeito:

 

“Diante da injusta campanha dos cruzados, não temos escolha senão a de enfrentar aqueles que odeiam o Islã e os muçulmanos, que são os verdadeiros inimigos do mundo islâmico”.

 

Pode não ser decisivo, mas não serão poucos os jovens árabes desesperados, que atenderão ao apelo dos comandados do extinto Osama Bin Laden.

 

Reporta o Observatório Sírio de Direitos Humanos (da oposição síria) que, logo após Obama anunciar  sua estratégia anti-ISIS, 162 jovens aderiram ao movimento, somente na região de Alepo.

 

Pode ser pouco, mas é assustador.

 

 

Luiz Eça é jornalista.

Website: Olhar o Mundo.


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