Brasil, começar de novo
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- Frei Betto
- 06/09/2016
No Brasil, agosto é mesmo o mês do desgosto. Em agosto de 1954, Getúlio Vargas, escorraçado do poder por pressão da Aeronáutica, disparou uma bala contra o próprio coração e saiu "da vida para entrar na história", como registrou na carta-testamento.
Em agosto de 1961, Jânio Quadros renunciou à presidência da República na esperança de voltar ao poder nos braços do povo, e de costas para a democracia.
Agora, em agosto de 2016, Dilma Rousseff foi afastada da presidência da República por decisão dos 61 senadores que se prestaram a consumar o golpe que permite ao vice, Michel Temer, assumir usurpadoramente o comando do país.
Não me espanta a decisão do Senado nem as infundadas alegações de que Dilma teria cometido crime de responsabilidade fiscal. O que me surpreende é a apatia de um povo beneficiado pelos 13 anos de governo do PT.
Onde estão os 45 milhões de brasileiros que, graças aos programas sociais, se libertaram da miséria? Onde estão os trabalhadores que, anualmente, tiveram seus salários atualizados acima da inflação? Onde estão os jovens que chegaram ao ensino superior graças ao Enem, ao Fies, ao sistema de cotas?
Fora algumas manifestações pontuais nas grandes cidades do país, não houve reação popular ao golpe parlamentar. Como não houve ao golpe militar dos idos de abril de 1964.
Nós erramos. Não demos consistência política aos programas sociais. Ensinamos a pescar, não a pensar. Os bens materiais que erradicaram a miséria não vieram acompanhados de bens simbólicos que suprimissem a indigência da consciência. A fome de pão foi saciada, não a de beleza.
O PT nasceu com o propósito de "organizar a classe trabalhadora". Chegou ao poder graças aos movimentos sociais. Mas não soube valorizar o que lhe daria sustentabilidade política. Não houve estratégia para desarticular os atuais protagonistas do golpe.
Acreditou nas alianças com os inimigos de classe. Fez demasiadas concessões a quem tinha por objetivo desbancar o PT e retomar o controle da máquina do Estado. Trocou a estratégia por meras conquistas eleitorais. Abriu mão do projeto histórico por meras táticas de acomodação no governo.
Manter-se no poder, ainda que à custa de pactos espúrios, ganhou mais importância do que alterar as estruturas arcaicas da sociedade brasileira. Treze anos de governo e nenhuma reforma, nem a agrária, a trabalhista ou a tributária. Hoje, o PT é vítima da omissão de reforma política.
Apenas 61 brasileiros anularam os votos de mais de 54 milhões de eleitores! Agora nos resta o desafio de restaurar a democracia no Brasil. Porém, para isso não basta disputar eleições com as forças retrógradas e golpistas. É preciso organizar a esperança. Fortalecer os movimentos sociais. Dar consistência política ao projeto histórico. Reativar a militância.
Não se trata apenas de derrubar os golpistas. Mas, sim, de mudar a gramática do poder para a democracia deixar de ser uma falácia que ilude aos que nela não enxergam a ditadura do capital.
Frei Betto é escritor, autor de "Reinventar a vida" (Vozes), entre outros livros.
Comentários
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Pois o desmonte dessa credibilidade foi iniciado no governo podre de FHC e aprofundado em muito nos governos do PT. O fiasco parece ter sido o rumo traçado, de forma deliberada, para os Correios.
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Hoje, conforme me disse um trabalhador dos Correios, 80% do salários dos funcionários da empresa é composto de vale alimentação. Absurdo dos absurdos, coisa inominável, ignomínia.
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Isto só reforça a minha impressão de que, assim com os tucanos, o PT também despreza o funcionalismo público. Funcionalismo que, volto a afirmar, bem tratado, sem pompas e mordomias, mas valorizado na medida certa, poderia ter se tornado um exército de defesa do projeto do PT. Mas, o lado liberal...
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A própria aceitação da LRF e o tratamento dispensado aos funcionários públicos dão mostras de como o ideário do FMI seguia incrustado, mesmo na administração de um governo que se dizia oriundo do povo.
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No Banco do Brasil, FHC roubou vários direitos dos funcionários, destroçando o PCS, e deixou o banco estratificado, prontinho para a privatização por fatias. Os governos do PT em nada mudaram esse fatiamento e também não devolveram os direitos roubados pelos tucanos. Pelo contrário, aprofundaram a gestão neoliberal do banco, transformando o local de trabalho em um inferno altamente adoecedor.
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O resultado disso tudo: mesmo sabendo que o banco poderia ter sido privatizado definitivamente se os tucanos tivessem permanecido no poder em 2003,uma montoeira de funcionários do BB passaram a nutrir ódio pelos governos petistas.
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Quero dizer que, apesar de não terem privatizado da forma tão fanática com que FHC privatizou, os governos do PT não dedicaram ao funcionalismo das empresas públicas e estatais o tratamento que eles mereciam, mas que também o povo e o país necessitavam e seguem necessitando.
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FHC desandou a caçar direitos e a arrochar os salários desses trabalhadores com o objetivo deliberado de desestruturar e deitar abaixo o Estado brasileiro, abrindo assim espaços para o lucro privado.
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E os governos petistas, se aliviaram a pressão sobre esse segmento, não recobraram direitos e salários na medida necessária à valorização do servidor público.
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Não, não estou aqui a falar de pagar fortunas. Estou a falar de pagar salários dignos e instituir planos de carreira também dignos e condições de trabalho saudáveis em todos as empresas públicas e estatais.
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Fizesse isso, além de ter à disposição um corpo de funcionários comprometidos com a nação, o PT poderia ter também um exército de defensores do seu projeto, que seria muito importante nestes momentos de avassaladora perseguição que sofreu e segue sofrendo da elite dominante.
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Como o PT não colocou em prática uma política desse tipo, vimos uma montoeira de funcionários públicos votando nos tucanos - seus maiores carrascos - ou vibrando com o golpe de Estado.
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Infelizmente, o PT demonstrou até desprezo pelo conjunto de funcionários públicos.
foi o que faltou Frei.
abs,
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