Chávez, 60 anos

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Atilio Boron
30/07/2014

 

 

“Se eu me calasse, as pedras dos povos da América Latina gritariam que estão dispostas a ser livres de todo o colonialismo depois de 500 anos de colonização” (Hugo Chávez, entrevista radiofônica, 10 de novembro de 2007).

 

No dia 28 de julho, Chávez teria completado 60 anos. Prematuramente, fomos privados de um dos “imprescindíveis” na dura e larga batalha da Segunda e Definitiva Independência de Nossa América. Mas, além da discussão que existe no interior do campo anti-imperialista – nem sempre sábio o suficiente para distinguir, com clareza, amigos de inimigos – o certo é que Chávez marca um antes e um depois na história da América Latina e do Caribe.

 

Se Fidel foi o grande estrategista de tantas batalhas lideradas contra o imperialismo e o colonialismo, em nossa América e também na África e na Ásia, Chávez foi seu exímio marechal de campo na hora de encarar, em Mar del Plata, em novembro de 2005, a batalha decisiva que afundaria o mais ambicioso e altamente acalentado projeto do imperialismo norte-americano no hemisfério, em todo o século XXI: a ALCA.

 

Nutrido pelos ensinamentos de Simón Bolívar e por seu amigo e maestro cubano (Fidel foi para Chávez o que Simón Rodriguez foi para Bolívar); por sua inesgotável voracidade intelectual que o fazia estudar e ler dia e noite; e pelas lições extraídas de suas lutas contra a oligarquia e o imperialismo, o bolivariano foi completando sua formação política até converter-se, também, no grande estrategista da resistência e ofensiva anti-imperialista da Nossa América.

 

A UNASUL e a CELAC têm o selo indelével de Chávez, como também a ALBA, Banco do Sul, Petrocaribe, Telesur – apesar dos agora frustrados Petrosul e Gasoduto do Sul – e tantas outras iniciativas continentais surgidas do patriótico latino-americano. A princípio, foram desqualificadas por muitos políticos e intelectuais da região, como produto de uma irreprimível megalomania de Chávez ou de sua exaltada “imaginação tropical”.

 

Mas em pouco tempo, com o calor da luta de classes e da guerra midiática, econômica, política e cultural desatada pelo imperialismo, para conquistar o controle de nossos países e regressá-los à condição semicolonial existente às vésperas da Revolução Cubana, aqueles projetos se revelaram como as únicas alternativas realistas diante das pretensões do domínio de Washington.

 

Chávez conseguiu com sua pregação e suas ações tornar carne de vaca neste continente a ideia de que a unidade dos países latino-americanos e caribenhos era condição inevitável e inexorável de sua sobrevivência como entidades independentes. Que ao persistir na desunião, astutamente aguçada pelo imperialismo, nosso destino não seria outro se não sermos devorados, perdendo não só nossas riquezas, mas nossa independência, nossos valores, nossa língua, nossa cultura. Tudo, incluindo nossa dignidade.

 

Nesta visão político-estratégica, Chávez acrescentou uma força de vontade excepcional, uma sobre-humana capacidade de trabalho e um carisma e simpatias pessoais que o tornaram um interlocutor irresistível e um protagonista político de primeira ordem. Tinha todo o necessário para levar, exitosamente, à prática um projeto de unidade latino-americana e caribenha. Por isso, nossos inimigos, o imperialismo e seus aliados, perceberam, com claro instinto de classe, o perigo que envolvia seu protagonismo continental.

 

Como se isso não bastasse, foi Chávez quem, no meio da noite neoliberal, reinstalou no debate público latino-americano – e em grande medida internacional – a atualidade do socialismo. Mais que isso, a necessidade do socialismo como única alternativa real, não ilusória, diante da inexorável decomposição do capitalismo, denunciando as falácias das políticas que procuram solucionar sua crise integral e sistêmica preservando os parâmetros fundamentais de uma ordem econômico-social historicamente sem esperança.

 

Por isso puseram em ação um plano para acabar com Chávez, como antes fizeram com Che, com Jaime Roldós, com Omar Torrijos, com Juan José Torres, com os generais democráticos chilenos Carlos Prats e René Schneider, com Patrice Lumumba no Congo e com tantos outros líderes políticos que tiveram a ousadia de desafiar os desígnios do imperialismo.

 

Mais cedo ou mais tarde saberemos a verdade das causas de sua morte. Já aparecerão novas revelações dos documentos secretos do governo dos Estados Unidos, nos quais os detalhes de tão perversa operação venham à luz do Sol.

 

Mas, se acabaram com sua vida, não puderam fazer o mesmo com seu exemplo e seu legado, que se fortalecem dia a dia. Ocorrerá com ele o que ocorreu com Che: sua morte, longe de apagá-lo da cena política, agigantará sua presença e sua gravitação nas lutas de nossos povos. Por um desses paradoxos, que a história reserva só para os grandes, sua morte o transformou em um personagem imortal.

 

 

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Atilio Boron é cientista político e professor na Universidade de Buenos Aires.

Traduzido por Daniela Mouro, Correio da Cidadania.

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