A União Europeia e o fim do MERCOSUL

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Samuel Pinheiro Guimarães
30/04/2014

 

 

Integração regional e acordos de livre comércio

 

1. A conveniência da participação do Brasil em esquemas de integração regional e da negociação de acordos de “livre comércio” com países altamente desenvolvidos, e altamente competitivos na área industrial, somente pode ser avaliada a partir da situação real da economia mundial e da economia brasileira que se caracteriza hoje por quatro fatos principais:

 

 

 

 

 

2. A alternativa estratégica, para os países subdesenvolvidos como o Brasil, a uma política de inserção plena e irrestrita na economia mundial é a participação em esquemas de integração.

 

3. Esta participação pode ocorrer:

 

 

 

 

4. No primeiro caso, a economia dos países subdesenvolvidos (e sua política econômica interna e sua política externa) se torna altamente dependente da economia e das políticas praticadas pelo sócio desenvolvido e sobre as quais não tem influência maior por não participar de seu sistema político/administrativo e, portanto, das decisões de política econômica que são adotadas pelo governo do país desenvolvido.

 

5. No segundo caso, os países subdesenvolvidos podem formar:

 

 

 

 

O MERCOSUL

 

6. O Mercosul é uma união aduaneira, denominada de imperfeita, devido à dupla cobrança de impostos de importação, à exclusão de setores, a extensas listas de exceções etc.

 

7. Desde que o Mercosul foi criado, em 1991, foram os seguintes os seus principais resultados:

 

 

 

 

 

 

 

 

8. Para o Brasil, foram os seguintes os principais resultados da sua participação no Mercosul:

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

9. Apesar de todos os seus êxitos, o Mercosul é criticado diariamente pela mídia, que logrou construir, em amplos setores da opinião pública, uma imagem negativa do Mercosul como sendo um acordo e uma organização fracassados, que prejudicam os interesses brasileiros, e uma associação “inconveniente” para o Brasil com países como a Argentina e a Venezuela.

 

10. Este antagonismo das grandes redes de televisão, dos jornais e das revistas de grande circulação decorre não de um exame dos fatos concretos, mas sim de uma posição ideológica que tem os seguintes fundamentos:

 

 

 

 

11. Em contraste, os países subdesenvolvidos, nesse grupo incluídos os Estados da América do Sul, seriam pequenos mercados, sem capacidade de investir e sem dinamismo tecnológico; seriam Estados politicamente instáveis, periodicamente ditatoriais e violadores dos direitos humanos; seriam sociedades cultural e ideologicamente distintas da sociedade brasileira.

 

12. Assim, no campo econômico, o Brasil não deveria participar de organismos como o Mercosul ou de grupos de países tais como os BRICS e o IBAS (Fórum Índia, Brasil e África do Sul).

 

13. No campo comercial, os órgãos da grande mídia diariamente argumentam que:

 

 

 

 

 

14. A Aliança do Pacífico é constituída por quatro Estados que têm acordos de “livre comércio” com os Estados Unidos, quais sejam, o México, a Colômbia, o Peru e o Chile.

 

15. Cada um desses quatro países assinou acordos de livre comércio com dezenas de outros Estados ou blocos de Estados, tais como a União Européia e a China, uma decorrência quase que necessária de terem negociado acordos com os Estados Unidos.

 

16. O comércio entre os países da Aliança do Pacífico é de pequena importância, inclusive por não terem esses países uma oferta exportável diversificada, já que não possuem parques industriais significativos (exceto o México, ainda que com características especiais decorrentes da presença das maquiladoras), e por serem competidores entre si no mercado internacional em muitos itens, em especial minérios.

 

17. Apesar de terem exibido taxas de crescimento relativamente altas nos últimos anos, isto não significou desenvolvimento econômico propriamente dito, pois não se diversificaram suas estruturas produtivas e nem melhoraram os seus índices de concentração de renda e de riqueza.

 

18. Após assinar os acordos de “livre comércio” com os Estados Unidos, as importações do Chile, do Peru e da Colômbia, provenientes dos Estados Unidos, aumentaram muito mais do que suas exportações para os Estados Unidos, e essas exportações, ao contrário do que se argumentava para defender a celebração desses acordos, continuaram concentradas nos mesmos produtos tradicionais e não se diversificaram.

 

19. Ao contrário do que a grande mídia ventila, voluntária ou involuntariamente, o Mercosul (e, portanto, o Brasil) tem acordos de livre comércio com o Chile, o Peru e a Colômbia, em consequência dos quais já ocorreu a redução a zero da maior parte das tarifas bilaterais e, em 2019, o comércio entre o Mercosul (e o Brasil) e cada um desses países da Aliança do Pacifico será totalmente livre.

 

20. Quanto à integração na economia internacional e nas cadeias produtivas mundiais, o fato de o comércio exterior brasileiro ter crescido de 108 bilhões de dólares em 2002 para alcançar 466 bilhões de dólares em 2012, e de o fluxo de investimentos diretos estrangeiros ter crescido de 26 bilhões de dólares em 2002 para alcançar 84 bilhões de dólares em 2012, revela que a economia brasileira está longe de estar isolada ou não integrada na economia mundial.

 

21. Por outro lado, cerca de 40% do comércio exterior brasileiro, em especial de produtos manufaturados, é um comércio intrafirma, o que significa integração do parque industrial instalado no Brasil em cadeias produtivas mundiais das megaempresas multinacionais.

 

22. No caso dos produtos primários, como a soja e o minério de ferro, o Brasil se encontra integrado em cadeias produtivas, ainda que isto ocorra na extremidade de menor valor agregado dos produtos finais dessas cadeias, isto é, o Brasil exporta produtos primários que são processados em países altamente desenvolvidos e o resultado deste processamento muitas vezes são produtos que vêm a ser importados pelo Brasil, como é o caso de produtos siderúrgicos importados pelo Brasil da China.

 

23. A integração do Brasil em cadeias produtivas globais decorre de decisões das megaempresas multinacionais que alocam diferentes etapas ou segmentos dos processos produtivos de certos produtos em diferentes países, devido a diferenças de custo de insumos, inclusive trabalho, de impostos e da existência de vantagens relativas de crédito, de tributação etc., e de localização geográfica, como é o caso do México em relação aos Estados Unidos e dos países da Europa Oriental em relação à Alemanha.

 

24. Certamente, o Brasil não poderia competir com outros países, em especial asiáticos, em termos de custos do trabalho, de benefícios tributários ou de legislação ambiental, a não ser que fosse promovido um extraordinário retrocesso da legislação trabalhista e da legislação ambiental, para o que não há nenhuma possibilidade de apoio político na sociedade brasileira.

 

25. Não há dúvida de que os eventuais resultados das negociações entre Estados Unidos e União Européia e das negociações da Trans Pacific Partnership virão a afetar o Brasil. Porém, o fato inarredável de o Brasil não ter litoral no Oceano Pacífico torna extremamente difícil reivindicar sua participação nas negociações da Trans Pacific Partnership, enquanto que, não sendo o Brasil membro da União Européia (nem podendo ser, por não estar situado naquele Continente), nem sendo parte dos Estados Unidos, é impossível participar das negociações entre a União Européia e os Estados Unidos, para o que, aliás, ninguém pensou em convidá-lo.

 

Um acordo entre a União Europeia e o MERCOSUL

 

26. Finalmente, a mídia, organizações empresariais e economistas defendem a negociação de um acordo entre a União Europeia e o MERCOSUL como indispensável a uma melhor inserção do Brasil na economia internacional, o que, segundo esses advogados, permitiria a retomada de altas taxas de crescimento.

 

27. Seria interessante examinar as prováveis consequências de um acordo entre a União Européia e o Mercosul:

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

28. A eventual assinatura de um acordo entre a União Européia e o Mercosul tornaria impossíveis negociações futuras para a ampliação das quotas de importação eventualmente concedidas pela Europa, já que a União Européia já teria atingido, ao obter a eliminação de tarifas para 90% das posições tarifárias industriais, o seu objetivo estratégico, que é a abertura do mercado brasileiro (e do Mercosul) para suas exportações, e ao mesmo tempo manter sua política agrícola protecionista e a sobrevivência de sua agricultura subsidiada e ineficiente.

 

29. O desenvolvimento econômico e social brasileiro depende do fortalecimento de seu setor industrial, enquanto que a defesa dos interesses brasileiros, políticos e econômicos, na esfera internacional, cada vez mais competitiva e conflituosa, depende do fortalecimento do Mercosul, etapa indispensável para a integração da América do Sul.

 

30. O eventual acordo União Europeia/Mercosul será o início do fim do MERCOSUL e o fim da possibilidade de desenvolvimento autônomo e soberano brasileiro e do objetivo estratégico brasileiro de construir um bloco econômico e político na América do Sul, próspero, democrático e soberano.

 

 

Samuel Pinheiro Guimarães, Alto Comissário do Mercosul de janeiro de 2011 até junho de 2012 e também ex-ministro dos Assuntos Estratégicos do governo Lula.


Originalmente publicado no site Carta Maior www.cartamaior.com.br



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