Correio da Cidadania

O pranto da injustiça

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O Mecanismo Nacional de Prevenção contra a tortura e outros Tratamentos Cruéis ou Degradantes (MNP-CONAPREV) se solidariza com os familiares das vítimas do presídio de Comayagua e condena esta tragédia nacional que aconteceu há um ano.

“Queremos justiça!”, exclamou com a voz quebrantada Maria Cristina Paz, que perdeu o seu único filho de 22 anos no incêndio da prisão de Comayagua, situada no centro de Honduras.

As 362 famílias sofridas que perderam os seus parentes, privados de liberdade no incêndio criminoso de Comayagua, em 14 de fevereiro de 2012, se posicionaram pacificamente em frente ao palácio presidencial em 14 de fevereiro deste ano de 2013, para exigir uma resposta do governo deste país centro-americano.

Desconsolada, Maria Cristina Paz descreve que, desde o momento em que um detido entra em um centro de detenção, o governo deve ser o responsável, e assegura que o incêndio não foi um acidente; foi planejado.

 

“Queremos justiça e que os responsáveis por este incêndio sejam presos conforme a lei”, afirmou a enlutada mãe.

Os familiares, que por razões de segurança preferiram não revelar seus nomes, mantêm a tese de que um incêndio não se provoca tão rápido se não é utilizado um produto inflamável. Hipóteses que a acusação deve estudar e determinar o que realmente ocorreu.

 

O incêndio começou, aproximadamente, às 10:45 da noite; dez minutos depois, os corpos dos detentos já estavam carbonizados; isto segundo as investigações que os próprios familiares das vítimas estão efetuando.

Lágrimas

Sofrendo a dor de ter perdido o seu único filho, Maria Cristina Paz conversou com a unidade de comunicação de MNP-CONAPREV e, entre lágrimas, descreveu que o corpo de seu filho foi entregue 22 dias depois do incêndio. “Tenho dúvidas se o corpo que me entregaram foi o de meu filho, porque estava irreconhecível”, disse, com um tom de impotência.

O comissário do Mecanismo Nacional de Prevenção contra a Tortura e outros Tratamentos Cruéis Desumanos ou Degradantes (MNP-CONAPREV), Fernando Morazán, afirmou que um ano é um tempo providencial para que exista uma resposta.

O advogado Morazán assegura que o Ministério Público deve agir de acordo com o Código de Processo Penal, posto que o procedimento está de acordo com o artigo 280 deste código. O que indica encerrar a investigação ou apresentar uma ação penal correspondente nos tribunais.

 

“Nesse sentido, entendemos o Comitê de Familiares de vítimas do Centro Penal de Comayagua, concordamos que haja uma resposta efetiva de parte do ente fiscal encarregado de executar a ação penal pública neste país”, disse o comissário Morazán.

Giovanni Alcides Vásquez é presidente do Comitê de Familiares de Vítimas do Centro Penal de Comayagua e assegura que o Ministério Público é responsável por realizar uma investigação e atribuir responsabilidades fiscais ou penais, ainda que não o tenha feito.

Alcides Vásquez afirmou que tem contribuído com elementos probatórios para entregar ao Ministério Público, visto que, segundo o comitê de familiares, esta é uma versão equivocada dos fatos.

Diante disso, o MNP-CONAPREV garante como justa a busca por justiça para que haja uma resposta efetiva sobre os acontecimentos.

Resposta

O Comissário do MNP-CONAPREV, Fernando Morazán, diz que as famílias das vítimas têm o direito de exigir do Estado uma resposta, uma vez que o ocorrido na cadeia é responsabilidade estatal.

Neste sentido, o comissário argumentou que o MNP-CONAPREV irá prestar apoio ao comitê de vítimas que “se relaciona diretamente com o nosso mandato sobre a prevenção da tortura e tratamento cruel; sabemos que eles têm sido vítimas e esperamos junto deles uma resposta imediata por parte do Estado”.

Precedentes

De acordo com o MNP-CONAPREV, isso criou um ambiente para uma reforma prisional. Infelizmente, aconteceram três tragédias desta magnitude, como a da prisão de Ceiba, em 2004, na fazenda Porvenir, na qual 69 pessoas morreram.


Também na prisão da cidade de San Pedro Sula, em 2005, houve um episódio de 107 mortos. Já a mais recente, do ano passado, foi considerada uma tragédia sem precedentes em toda a América.

O comissário Morazán descreve que estes últimos acontecimentos levaram a entrar em vigor a nova lei de instituição penal, uma vez que isto muda a gestão e o controle administrativo dos centros de detenção.

 

Este controle foi feito de 1998 até 2012 pela Direção Geral dos Serviços Preventivos e agora, através desta lei, muda-se esse poder e sua gestão a uma autoridade civil, o Instituto Penitenciário.

Recentemente já foram nomeados os novos comissários encarregados pela transição penitenciária, o que indica um desafio para fazer a mudança efetiva no sistema prisional do país.

Diversas hipóteses

O Ministério Público alega como hipótese baseada em informações preliminares que um preso provocou o incêndio quando fumava em um colchão. “Pirueta”, seu apelido, estava no módulo seis do presídio de Comayagua.

Esta versão não é aceita pelo Comitê de Familiares das Vítimas da Prisão de Comayagua, que não entende como o Ministério Público não apresenta resultados sobre o caso.

"Nós não queremos dinheiro, só exigimos justiça porque o direito à vida é inviolável e estamos partindo do fato de que os presos estavam sob a custódia do Estado, e já é tempo de o Ministério Público deduzir responsabilidades por ação ou omissão”, disse Vasquez, do MNP-CONAPREV.



Visita da CIDH


O comitê de familiares está esgotando as instâncias necessárias ante o Estado, para logo seguir as recomendações da Comissão Interamericana de Direitos Humanos (CIDH).

 

O mesmo faz Fernando Morazán, que sugere às vítimas esgotarem tais instâncias nos tribunais nacionais antes de irem à CIDH.

 

O Comitê de Familiares se reuniu com o relator da CIDH, Rodrigo Escobar Gil, no mês de maio de 2012.

 

O projeto de relatório da CIDH sobre sua visita a Honduras, de sua Relatoria sobre os Direitos das Pessoas Privadas de Liberdade, durou cinco dias, entre 23 e 27 de abril. A delegação esteve composta por Rodrigo Escobar Gil e os funcionários da relatoria.


Recomendações do SPT

Como resultado da investigação realizada sobre os eventos de Comayagua, a Promotoria Especial de Direitos Humanos formulou, entre outras, recomendações abrangentes no sentido de se brindar atenção aos internos que sofreram agravos físicos, emocionais e psicológicos.


Também recomendou-se criar um espaço físico e de atendimento adequado para os presos nas áreas médica, odontológica e social, estabelecendo um programa de atividades (acadêmico, cultural, trabalhista etc.) dentro do centro, que permita a reabilitação. Rever a possibilidade de concessão de liberdade condicional, indulto ou outras medidas em relação à libertação com internos que se encontrem, por exemplo, padecendo de sofrimento ou doenças graves, também no caso daqueles que têm idades avançadas.


O Subcomitê de Prevenção da Tortura (SPT) pede que essas recomendações sejam objeto de plena consideração por parte do governo de Honduras.

Choro de uma mãe



O Presídio de Comayagua foi construído para 450 presos, mas no momento em que ocorreu a tragédia tinha uma população de 852 prisioneiros. Para Alcides Vásquez, esta foi uma razão para o fogo se espalhar mais facilmente.

 

O Comitê de Familiares das Vítimas do Presídio de Comayagua pede, em uníssono, justiça e reparação, visto que eles pessoalmente realizaram suas próprias investigações deste caso.

Enquanto isto acontece, Maria Cristina Paz seguirá gritando por justiça, como escreveu em uma de suas bandeiras: “lágrimas de sangue no choro de uma mãe”.

 

 

Ronnie Huete Salgado é foto-jornalista hondurenho exilado no Brasil após o golpe de Estado de 2009 e colaborador de veículos de mídia alternativa.

Nota do autor do texto: Qualquer atentado ou ameaça ao autor do artigo é responsabilidade de quem representa e governa o Estado de Honduras ou de seus invasores. Traduzido por Daniela Mouro, Correio da Cidadania.

 

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